Opinião

Lei Anticorrupção melhorou relações entre setores público e privado

Autor

  • Antonio Carlos Vasconcellos Nóbrega

    é coordenador acadêmico do Ibmec-Brasília corregedor-geral da Dataprev e conselheiro da Comissão de Ética Pública. Foi corregedor-geral da União/CGU e conselheiro do Coaf. É mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília.

27 de dezembro de 2016, 8h00

Em dezembro de 2016, o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), banco de dados administrado pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, alcançou o número recorde de sete mil novos registros no período de um ano. Trata-se de marca histórica, já que nos anos anteriores o número médio de registros era de seis mil pessoas físicas e jurídicas.

Além disso, em fevereiro desse mesmo ano de 2016, entrou em funcionamento o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), com a divulgação da primeira punição de que se teve notícia da Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, a chamada Lei Anticorrupção. A sanção consistiu em multa administrativa e foi aplicada pelo estado do Espírito Santo. Após esse momento inicial, mais de 20 pessoas jurídicas já tiveram seus nomes divulgados no aludido cadastro.

O fortalecimento e a disseminação de ambos os cadastros no setor público e no segmento privado harmonizam-se com a conjuntura brasileira atual, na qual se percebe uma crescente intolerância social com práticas incompatíveis com valores relacionados à ética, probidade e transparência.

No tocante ao CEIS, a já mencionada Lei Anticorrupção explicita regras acerca da utilização daquele importante instrumento, com a determinação de que órgãos e entidades informem e mantenham atualizados, nesse cadastro, as sanções aplicadas com base na legislação de licitações públicas. Atualmente, mais de treze mil pessoas, físicas e jurídicas, têm seus nomes inscritos no CEIS.

O CNEP também tem origem no microssistema jurídico advindo da Lei Anticorrupção. Assim, deverão constar naquele cadastro os nomes das pessoas jurídicas punidas com fulcro naquele diploma legal ou que celebrem acordos de leniência com a administração pública. O registro das informações no cadastro é providência obrigatória imposta aos órgãos e entidades responsáveis pela aplicação das punições.

Espera-se que ambos os cadastros, cuja utilização passa a ser estimulada pela legislação de combate à corrupção, venham a favorecer a criação de um novo paradigma nas relações entre o setor público e o segmento privado e se consolidem como vigorosos instrumentos de inibição à prática de irregularidades. Busca-se, desta forma, criar as condições necessárias para o surgimento de um ambiente mais integro nas relações público-privadas, tal como almejado pela Lei 12.846/13.

A exposição negativa dos nomes inscritos no CEIS e no CNEP está diretamente relacionada com a questão do risco reputacional das pessoas jurídicas. É certo que empresas que dependem da credibilidade junto à sociedade ou que tenham ações negociadas em bolsa podem ser duramente atingidas por essa divulgação. Os cadastros aqui debatidos acabam por fomentar a criação e o aperfeiçoamento dos chamados programas de compliance que visam, justamente, evitar a prática de ilícitos e a consequente repercussão negativa desses comportamentos.

Ademais, o CEIS e o CNEP também são importantes ferramentas para que o próprio segmento privado possa verificar a reputação de eventuais parceiros de negócios ou para a terceirização de serviços. A ideia é que se uma empresa foi condenada pela prática de um ato ilícito ou violou regras em licitações e contratos com a administração pública, tal pessoa jurídica pode não ser a melhor escolha para, por exemplo, partilhar obrigações em um empreendimento conjunto.

Importante esclarecer que o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União tem a responsabilidade de gerir ambos os cadastros, atribuição que já vinha sendo desempenhada em relação ao CEIS antes mesmo do advento da Lei Anticorrupção pela então CGU. E a partir da atual ampliação e aperfeiçoamento do cenário normativo[1], algumas questões restaram devidamente esclarecidas, principalmente em relação às informações que deverão estar presentes e às punições alcançadas pelos dois cadastros.

Também é definido que as informações estarão disponíveis no já conhecido portal da transparência do Governo Federal, responsável por divulgar, além de outros dados, os gastos da União e a remuneração de seus servidores.

Em relação ao CEIS, a regulamentação da Lei Anticorrupção aumentou o elenco de punições que dele devem constar, com a permissão do registro de outras sanções administrativas e de decisões judiciais, tais como as decorrentes das ações de improbidade administrativa. Destaque-se, ainda, a possibilidade de divulgação de punições previstas em legislações estaduais e municipais específicas que resultem, justamente, na limitação ao direito de participar de licitações e de celebrar contratos com a administração. 

No tocante ao CNEP, além das sanções previstas na Lei Anticorrupção — multa, por exemplo — também serão divulgadas informações relativas aos acordos de leniência. Assim, será dada publicidade aos acordos celebrados entre a administração pública e as pessoas jurídicas que praticaram atos de corrupção, como também àqueles que foram descumpridos.

Atualmente, fala-se muito em compliance e em integridade, expressões que ganharam destaque no cenário nacional com os recentes escândalos de corrupção tornados públicos no país. À vista disso, a sociedade civil passou a demandar a criação de um ambiente permeado por melhores práticas por parte das empresas que mantém contratos com o Estado. É justamente nesse contexto que despontou a Lei Anticorrupção e o feixe de ferramentas destinadas a promover as mudanças necessárias para o devido enfrentamento de comportamentos nocivos à boa administração. A operação dos cadastros aqui apresentados deve se constituir em peça indispensável nessa engrenagem de combate à corrupção inaugurada pela Lei 12.846/13.

Em síntese, pode-se dizer que a Lei 12.846/13 constitui importante avanço na criação de ambiente adequado para as relações entre as empresas e o setor público. É inegável que, perto de completar três anos de vigência, a Lei Anticorrupção, mesmo recente, já mostrou que tem condições para alterar a lógica perversa dos custos e benefícios da corrupção. Resta agora ao Estado, com o indispensável apoio da sociedade, implementar todos os mecanismos previstos na lei, de modo que essas importantes conquistas sejam definitivamente incorporadas à realidade brasileira.


[1] A Lei Anticorrupção foi regulamentada, em âmbito federal, pelo Decreto 8.420, de 18 de março de 2015. Em complemento, a Controladoria-Geral da União (CGU) editou a Instrução Normativa nº 02, de 7 de abril de 2015, que trata especificamente do CEIS e do CNEP.

Autores

  • Brave

    é corregedor-geral da União, mestre em Direito, Instituições e Desenvolvimento pela Universidade Católica de Brasília; pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito do Consumidor pela Escola de Magistratura do RJ. Atuou como advogado no segmento de seguros e no ramo empresarial.

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