Retrospectiva 2016

Apesar de inúmeras dificuldades, Justiça
do Trabalho seguiu cumprindo sua missão

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21 de dezembro de 2016, 7h47

Ouvi alguém comentar, neste final de ano, que poderíamos passar perfeitamente bem sem uma retrospectiva de 2016, pois seria um ano para ser esquecido, ao menos para a Justiça do Trabalho. Ousamos discordar de visão tão pessimista. Se foi um ano duro e difícil, foi um ano de crescimento e aprendizagem em todos os sentidos. Imediatamente ao ouvir tal comentário vieram à lembrança as palavras de Andrew Solomon em antológica palestra de 2014 no TED Talks:

“Não procuramos as experiências dolorosas que talham nossa identidade, mas procuramos nossa identidade na esteira das experiências dolorosas. Não somos capazes de suportar um tormento que não tenha razão de ser, mas podemos resistir a uma grande dor se acreditamos que há nela um propósito. A tranquilidade nos marca menos do que a dificuldade. Poderíamos ser nós mesmos sem nossos prazeres, mas não sem as desventuras que conduzem nossa busca por sentido” (Conferência “Como os piores momentos de nossa vida nos tornam quem somos”).

A crise econômica e social, política e moral pela qual passa nosso país nos afeta a todos, independentemente da visão que tenhamos e de como gostaríamos que ela fosse superada. O fato é que 2016 foi um ano sofrido para todos. Não se pode distinguir entre vítimas e algozes. Todos podemos ter sido nossos próprios algozes, pelas opções passadas e presentes, que levaram aos dilemas atuais. Mas foi um ano cujo final será feliz se soubermos assimilar as lições recebidas e mudar para melhor em 2017.

O calvário da Justiça do Trabalho começou ao final de 2015, quando teve seu orçamento substancial e discriminatoriamente cortado, em 30% do custeio e 90% do investimento. O impacto desses cortes pode ser aquilatado pela situação em que se encontra a Justiça do Trabalho em face da tecnologia. Enquanto o Poder Judiciário como um todo só atingiu 10% de ingresso no processo judicial eletrônico (PJe), a Justiça do Trabalho está 100% funcionando no PJe. Nesse contexto, a falta de investimento e manutenção em tecnologia da informação é condenar quem a utiliza à paralisação constante.

Assim, o ano de 2016 foi marcado, na Justiça do Trabalho, pela adoção de medidas drásticas de contenção de despesas e pela luta na recomposição de seu orçamento, para não ter de parar antes de terminar o ano. Quase 3 mil terceirizados e o mesmo tanto de estagiários tiveram de ser dispensados; muitos tribunais regionais tiveram de encerrar o expediente mais cedo, retardando consideravelmente o cronograma de audiências; todo tipo de medidas foi adotado para poupar energia, água e combustível, com revisão de muitos contratos. Quem saiu perdendo foi o jurisdicionado e, paradoxalmente, num ano em que, pelo incremento considerável da taxa de desemprego, aumentou também notavelmente a demanda processual trabalhista.

Mas os paradoxos não param por aí. Se o corte orçamentário da Justiça do Trabalho teve explicitamente motivação política, de retaliação pelo excessivo protecionismo da Justiça do Trabalho, capaz de desestruturar a economia, por onerar desproporcionalmente o capital, foi ele levado a cabo sob a égide do governo do Partido dos Trabalhadores. E, ironicamente, foi o governo criticado por querer promover a reforma trabalhista, aquele que salvou a Justiça do Trabalho em 2016, pela edição das Medidas Provisórias 740 e 750/2016, a par de aprovar um orçamento para 2017 que permite o funcionamento com absoluta normalidade da Justiça Laboral, no patamar de mais de R$ 20 bilhões. E a cerejinha do bolo que celebra a salvação da Justiça do Trabalho foi a assinatura de convênio nacional entre o CSJT, o Banco do Brasil e a CEF, dobrando a remuneração dos seus depósitos judiciais.

Continuam, no entanto, os paradoxos. A flexibilização da legislação trabalhista, com redução de jornada e salários, para preservação de empregos, acerbamente criticada por segmentos ligados ao governo anterior, foi justamente o que esse mesmo governo anterior promoveu. A Medida Provisória 680/15, que instituiu o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), teve como finalidade explícita, além da preservação de empregos (art. 1º, I) e da recuperação econômico-financeira das empresas (art. 1º, II), o fomento à negociação coletiva (art. 1º, V). E não é diferente a linha seguida pelo Projeto de Lei 4.962/2016, que busca um marco regulatório para a negociação coletiva, com admissão da flexibilização, mediante concessão de vantagens compensatórias, atacado atualmente pelos que passaram a ser oposição.

Interessante notar também como o ano de 2016 acabou sendo um ano de reflexão em torno da jurisprudência trabalhista. Se merece severas críticas a atitude do deputado Ricardo Barros, de promover acerbo corte orçamentário para a Justiça do Trabalho por razões políticas, também suas críticas não podem ser simplesmente desconsideradas como absolutamente improcedentes. Não conseguiria ele levar a cabo tal corte, se não contasse com o apoio da maioria dos parlamentares, em eco social do descontentamento do empresariado, com eventual desbalanceamento nas decisões da Justiça do Trabalho, ainda que por nobres razões.

O exemplo mais emblemático de que, talvez, o protecionismo que deve caracterizar a Justiça Laboral tenha passado do ponto ideal seja o das chamadas “Semanas do TST”, promovidas nos anos de 2011 e 2012. Nessas duas semanas, sem que tenha havido mudança na legislação ou nas circunstâncias fáticas, mas apenas da composição do tribunal, foram revistos 53 verbetes de sua jurisprudência sumulada ou “ojotizada” (neologismo para se referir às “orientações jurisprudenciais” da Corte), tranquila e pacificada. E, salvo as relativas a temas processuais e de adequação à jurisprudência do Supremo, a sinalização praticamente invariável foi no sentido de ampliar os direitos do trabalhador. E isso pesou significativamente para as empresas.

Não é por menos que, neste ano de 2016, a maré que avançou demais terra adentro, esteja voltando ao seu “status” de normalidade, de modo a equilibrar as relações de trabalho, na esteira do art. 766 da CLT, que exige a composição dos conflitos trabalhistas que garanta justos salários aos trabalhadores e assegure justa retribuição às empresas.

Assim foi que, em 2016, o STF deixou claro que se deve prestigiar a negociação coletiva, evitando-se a sistemática anulação de cláusulas de convenções e acordos coletivos (precedentes RE 590.415, relator ministro Roberto Barroso, e RE 895.759, relator ministro Teori Zavaski), bem como determinou a suspensão de processos que versem sobre a Súmula 277 do TST e a ultratividade das normas coletivas (despacho do ministro Gilmar Mendes na ADPF 323 MC/DF), bem como aqueles relativos à terceirização (Temas 725 e 739 da Tabela de Temas de Repercussão Geral do STF), reconhecendo recentemente a repercussão geral da questão relativa à responsabilidade objetiva do empregador em caso de acidente de trabalho (Tema 932 da Tabela de Temas de Repercussão Geral do STF). Ou seja, começou a reformar a jurisprudência trabalhista.

O próprio TST, ao implementar em 2016, após dois anos de vigência, a Lei 13.015/14, julgando o primeiro tema de incidente de recurso de revista repetitivo, também promoveu revisão da jurisprudência alterada nas “Semanas do TST”, ao refluir da tese do divisor 150 e 200 para cálculo das horas extras dos bancários, em face de se considerar o sábado do bancário dia útil não trabalhado ou feriado (Tema 2, relator ministro Cláudio Brandão, revisor ministro João Oreste Dalazen).

Ou seja, se se considerou legítima a pretensão de revisão jurisprudencial nos anos de 2011 e 2012, para ampliar os direitos do trabalhador, não se pode pretender o contrário quando se busca, em época de crise econômica com 13 milhões de desempregados e milhares de empresas quebrando, ofertar uma proteção mais efetiva ao trabalhador, admitindo a flexibilização da legislação em reforma trabalhista e a revisão da jurisprudência, aparando eventuais excessos.

Se todos comungamos do mesmo desejo de promover a Justiça Social e harmonizar as relações trabalhistas, compondo os conflitos sociais, podemos divergir, no entanto, quanto aos melhores meios para consegui-lo, variando as visões em torno do maior ou menor intervencionismo estatal no domínio econômico, quer seja o legislativo, quer seja o judicial. E nesse campo do opinável, devemos respeitar e tentar compreender as posições divergentes, buscando convergências e consensos onde for possível.

Assim, diante das incompreensões sofridas de parte a parte nos debates travados em torno do Direito do Trabalho e de seu futuro, durante o ano de 2016, não parece demais lembrar, em face do tom dramático e acalorado em que as discussões se travaram, que o Direito do Trabalho não é religião, que a opinião de ninguém é dogma de fé e que a opinião alheia não é heresia, já que, nesse campo, ninguém goza de infalibilidade papal.

Por isso, não se podem admitir reducionismos que fazem de silogismos sofismas, como aquele que identifica reforma trabalhista com precarização de direitos e que, assim, taxa de desconstrutores do Direito do Trabalho aqueles que sustentam a necessidade de uma modernização na legislação trabalhista.

A Justiça do Trabalho, apesar de todos os pesares, continuou desempenhando galhardamente sua missão pacificadora. Quantas greves foram superadas e conflitos coletivos compostos pela habilidade nata dos juízes do trabalho. Mais ainda agora, com a Resolução 174/16, do CSJT, estimulando a mediação e a conciliação como meios alternativos de composição dos conflitos trabalhistas. Exemplo disso foram os inúmeros acordos, de âmbito nacional, firmados sob a mediação da Vice-Presidência do TST, capitaneada pelo Ministro Emmanoel Pereira, seguindo a boa tradição de seus antecessores.

Não será que esse espírito conciliatório que se nota em todos os setores produtivos, incrementando substancialmente o número de acordos, é sinal de que trabalhadores e empresários estão descobrindo que só unidos conseguirão superar a crise econômica que afeta a todos?

Em suma, estamos vivendo tempos difíceis para todos, e sofridos. Mas é nesse cadinho das dificuldades que se forjam os espíritos grandes, que têm a capacidade de ver além dos obstáculos e reconhecer o que é preciso mudar.

Emocionou, neste ano de vacas magras para a Justiça do Trabalho, ver como os presidentes dos TRTs, reunidos com o Presidente do TST e CSJT, souberam solidarizar-se e apoiar-se mutuamente: quem tinha sobra financeira, mas limitação orçamentária, ajudava a quem podia gastar, mas não tinha dinheiro, e vice-versa. Com isso, e o apoio governamental, todos puderam chegar sãos e salvos à praia, naquilo que, de outro modo, seria verdadeiro naufrágio institucional.

Em que pese todas as vicissitudes, celebramos condignamente os 75 anos da Justiça do Trabalho e 70 anos do Tribunal Superior do Trabalho com dois seminários temáticos, realizados o primeiro na cidade do Rio de Janeiro, berço das duas instituições, na sede da Fundação Getúlio Vargas, que leva o nome do Presidente que criou essa Justiça, e o segundo em Brasília, na sede do TST, contando com a presença do presidente da república Michel Temer, além de renomados mestres nacionais e internacionais ofertando suas distintas visões do Direito e do Processo do Trabalho.

Enfim, o ano de 2016 termina bem, com perspectivas mais animadoras para 2017, que será melhor para todos nós, se tivermos aprendido as lições e soubermos compreender os demais, encontrando o ponto de equilíbrio para a pacificação social. Podemos concluir lembrando o que repete muitas vezes o estimado colega, Ministro Lelio Bentes Correa, a respeito do TST: “convivemos bem não apesar das nossas divergências, mas precisamente com elas, pois enriquecem nossa compreensão da realidade”. Oxalá essa percepção seja comum a todos nós.

Longa vida ao Direito e à Justiça do Trabalho!
Santo Natal e Fantástico 2017 a todos!

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