Como propostas para reduzir a maioridade penal vêm e vão no Congresso, fica a impressão de que essa é única que está em discussão. A idade mínima para começar a trabalhar, no entanto, também tem gerado debates na área do Direito.
Um debate na Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo na última semana mostrou que a atual maioridade trabalhista parece ser apoiada pela maioria dos profissionais do Direito, mas não é unanimidade. O advogado Eli Alves da Silva, que mediava o debate, afirma que é hora de mudar a lei: como o Brasil real é diferente do Brasil ideal, as soluções também precisam ser diferentes.
Já o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antônio Carlos Malheiros, que já foi titular da Vara de Infância e Juventude da corte, ressaltou que sua convicção é de que trabalho de fato só pode ser exercido por gente com mais de 18 anos e que a educação deveria ser em tempo integral.
Mas Malheiros narrou um episódio como contraponto. Ele contou a história de um juiz de uma vara de infância no interior paulista que autoriza o trabalho de menores de idade em lojas e supermercados.
Tal juiz, que começou a trabalhar aos 9 anos de idade, tem uma rede de colaboradores que ao avistarem um menor perambulando, levam-no ao juiz. Este chama os pais e prontamente arranja um trabalho para o menor. “Ele dá licença de trabalho para crianças de nove, 10, 11 anos de idade. Entretanto, o que pode ter sido bom para ele, pode não ser para a maioria”, alertou Malheiros.
Suor e aprendizado
Para Eli Alves da Silva, a educação que os pais dão aos filhos pode ser complementada com o trabalho. Caso contrário, o adolescente se acomoda e quando chega aos 16 anos estará mais inflexível para assumir responsabilidades.
“Defendo a liberação do trabalho a partir dos 14 anos, para que o adolescente possa se desenvolver dentro de um mundo capitalista. Se colocarmos o trabalho como algo marginal, estaremos criando vulnerabilidade jurídica para os pais que oferecerem aos filhos a possibilidade de desenvolver uma atividade profissional, mesmo que não seja prejudicial à formação física e intelectual. Acho um tanto hipócrita a lei permitir menor aprendiz, mas a Constituição Federal proibir o trabalho para o menor de 14 anos”, disse Eli.
O advogado foi enfático quanto ao fato de que o ideal seria uma escola integral para todos, mas que diante da realidade do país, o trabalho regularizado traria mais segurança para o menor de idade e seria um auxílio na melhora da condição social de sua família.
Trabalho artístico
Quando a palavra passou para Fábio Augusto Branda, juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, o foco foi para sua especialidade, que é o trabalho artístico infantil. “Temos a falsa impressão que o trabalho artístico é muito legal, mas ele pode ser tão duro quanto qualquer outro. Recentemente em entrevista para a revista Veja, uma menina desses grupos infantis da década de 1980 dizia que foi a pior coisa da vida dela”, disse.
O juiz comentou que nos três anos em que atuou como auxiliar da infância e juventude percebeu que existe o trabalho artístico real, que representa em torno de 4% do total, mas que na maioria dos casos são famílias de classe média, média alta inclusive, que veem no trabalho artístico dos filhos uma oportunidade da criança tornar-se arrimo de família. “Uma seção de fotos numa revista famosa, em um final de semana, rendia, para dois irmãos, R$ 16 mil. Qual o salário mensal que chega a isso? Quando eu indeferia um contrato desses o pai queria me bater”, afirmou.
Direito de errar
A advogada trabalhista Sandra Regina Cavalcanti, pesquisadora do trabalho artístico infantil, iniciou sua participação no debate deixando claro ser contrária a qualquer redução na idade para o trabalho. Justificou sua posição lembrando que a maior parte dos acidentes envolve crianças e adolescentes, isto em qualquer atividade.
“Eles não têm juízo. A grande característica desses seres é a irresponsabilidade. Eles não têm a obrigação de acertar porque ainda estão em formação. É um contrassenso obrigar alguém, com menos de 18 anos, a assumir funções de responsabilidade”, argumentou a advogada.
Em suas análises, Sandra verificou que no trabalho infantil artístico, apesar da regulamentação existente, há irregularidades, porque o que está posto na lei não protege a criança.