Farpas em audiência

Sergio Moro ironiza tática da defesa de Lula e é acusado de defender testemunha

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19 de dezembro de 2016, 19h35

Bate-bocas entre os defensores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz Sergio Moro já se tornaram corriqueiros em oitivas de testemunhas da operação "lava jato". No entanto, na última sexta-feira (16/12), a discussão extrapolou as "reclamações protocolares" e incluiu ofensiva do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba contra a estratégia da defesa e um revide desta, que perguntou se Moro estava representando o depoente, José Afonso Pinheiro, ex-zelador do triplex no Guarujá (SP) atribuído ao líder do PT.

Divulgação/Ajufe
Moro ironizou as táticas da defesa de Lula: "Uma linha de advocacia muito boa".
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No início da audiência o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, contraditou a testemunha, alegando que Pinheiro não era isento, apontando que, nas eleições de 2016, ele foi candidato a vereador em Santos, pelo PP, com o nome Afonso Zelador do Tríplex — e não conseguiu uma cadeira no parlamento local.

Já durante o depoimento,  Pinheiro – via teleconferência – afirmou estar desempregado pois foi  “envolvido em uma situação que não tem culpa nenhuma”. Diante disso, o advogado de Lula questionou o ingresso do ex-zelador na política.

Irritado, Pinheiro partiu para o ataque: “Eu perdi meu emprego, perdi a minha moradia e aí você vem querer me acusar, falar alguma coisa contra mim? Como é que você sustentaria a sua família? Você nunca passou por isso! Quem é você para falar alguma coisa contra mim? Vocês são um bando de lixo! Isso que vocês são. O que vocês estão fazendo, fizeram com nosso país, isso é coisa de lixo!” Em seu depoimento, ele ainda garantiu que todos no edifício sabiam que a cobertura era do ex-presidente.

No final da audiência, Sergio Moro agradeceu a testemunha e lamentou a forma como ela foi tratada. Ele disse que a intenção da defesa não era ofendê-lo, porém, mesmo assim, pediu desculpas caso o zelador tenha se sentido atingido pessoalmente (ouça a íntegra da discussão abaixo, em gravação autorizada).

Nessa hora, advogados de outros corréus perguntaram a Moro se ele também lamentava a forma como a testemunha havia se dirigido a Lula e aos advogados. O juiz retrucou que Pinheiro estava apenas “redarguindo uma linha de perguntas que estava ofensiva” para ele.

“Está nos chamando de lixo, excelência?”, indagou Edward Carvalho, que advoga para a OAS.

“Não, isso foi um pouco excesso da testemunha. Mas enfim…”, explicou Moro.

 “Mas é que vossa excelência lamenta a forma da pergunta, mas não lamenta como ela nos trata… É só uma questão de isonomia”, alegou Carvalho, classificando de “absolutamente gratuita” a ofensa do zelador aos advogados.

Para Moro, contudo, a testemunha tinha certa razão: “Ah, doutor, então a defesa sugerindo que ela está mentindo por causa da política?”

Prontamente, Zanin Martins deixou claro que não foi essa a pergunta direcionada ao depoente. “Vossa excelência está colocando palavras na minha boca. Eu não sugeri nada, eu fiz perguntas absolutamente pertinentes com o assunto.”

Em seguida, o juiz da “lava jato” dispensou o zelador e ironizou as táticas da defesa de Lula. “Vamos ver se [a testemunha] não vai sofrer queixa-crime, ação de indenização, a testemunha, né, por parte da defesa…”, alfinetou Moro, fazendo referência às diversas acusações feitas pelos advogados de Lula contra ele. As ações buscam responsabilizá-lo por atos como a divulgação ilegal de áudios de conversas de lula com amigos e autoridades, como a então presidente Dilma Rousseff.

Zanin Martins respondeu na mesma moeda: “Depende… Quando as pessoas praticam atos ilícitos elas respondem por seus atos. Eu acho que é isso o que diz a lei”.

 “Vai entrar com ação de indenização então contra ela [testemunha], doutor?”, insistiu o juiz federal.

“Não sei, o senhor está advogando alguma coisa para ela [testemunha]?”, questionou o advogado.

“Não sei, a defesa entra contra todo mundo, com queixa-crime, indenização…”, continuou Moro.

“O senhor vai advogar? Eu acho que ninguém está acima da lei. Da mesma forma como as pessoas estão sujeitas a determinadas ações, as autoridades também devem estar”, opinou Cristiano Zanin Martins.

“Tá bom, doutor. Uma linha de advocacia muito boa”, disse Sergio Moro, sarcástico.

E o responsável pela defesa de Lula finalizou: “Faço o registro de Vossa Excelência e recebo como um elogio”.

Round one
Essa não é a primeira vez que Sergio Moro se choca com a defesa de Lula. A forma como ele conduziu o depoimento do ex-senador do PT Delcídio Amaral gerou protestos dos advogados José Roberto Batochio Cristiano Zanin e Martins.

A defesa de Lula manifestou-se contra o que entendeu ser a permissão de Moro para que o Ministério Público Federal fizesse perguntas fora da denúncia apresentada. Em outro momento, quando o próprio Moro perguntou sobre o envolvimento de Delcídio em uma tentativa de evitar que o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró firmasse acordo de delação premiada, a defesa do ex-senador concordou com a ressalva feita pelos advogados de Lula. É que o processo já corre na Justiça Federal de Brasília.

O Código de Processo Penal determina, em seu artigo 212, que "as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida". O parágrafo único do dispositivo diz que o juiz poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos, nos limites da denúncia.

Nova ação
Sergio Moro aceitou nesta segunda-feira (19/12) denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que virou réu pela quinta vez) e seu advogado Roberto Teixeira.

Embora a relação entre clientes e advogados seja protegida pela lei brasileira, Moro buscou na jurisprudência norte-americana precedentes para afastar essa imunidade. “A proteção jurídica restringe-se à relação entre advogado e cliente que seja pertinente à assistência jurídica lícita, não abrangendo a prática de atividades criminosas”, disse.

Segundo a denúncia, eles participaram de um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo dois imóveis que teriam sido concedidos ao petista pela Odebrecht em troca da obtenção de contratos da Petrobras.

Ouça a discussão:

*Texto alterado às 21h43 do dia 19 de dezembro de 2016.

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