Regime falimentar

Suprema Corte dos EUA vai decidir se GM tem 108 anos ou apenas 7

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17 de dezembro de 2016, 9h37

Em 10 de julho de 2009, a General Motors comprou a General Motors. Isto é, a General Motors Company comprou a General Motors Corporation. Os dois nomes são encurtados para General Motors Co. E são igualmente abreviados para GM. A distinção passou a ser feita por apelidos: “Velha GM” (“Old GM”) e a “Nova GM” (“New GM”).

A “Velha GM” nasceu em 16 de setembro de 1908. Fez 108 anos em setembro deste ano — ou faria se, em julho de 2009, não tivesse “morrido” — ou mais exatamente, deixado de existir. Nesse mesmo dia, nasceu a “Nova GM” que, então, completou (ou teria completado) 7 anos em julho. Mas, se a GM tem 108 anos ou 7, é uma questão para a Suprema Corte dos EUA decidir.

A “Nova GM” terá de convencer os ministros da corte que é uma reencarnação da “Velha GM” — mas não é a mesma empresa. Se conseguir, poderá escapar das responsabilidades civis de sua vida passada, segundo o site Salon. Isso significa escapar do pagamento de alguns bilhões em indenizações, cobradas por milhões de pessoas prejudicadas.

Essa foi a causa mortis da “Velha GM”: uma contaminação generalizada de processos de indenização, provocada por um escândalo. A palavra “escândalo” ganhou as manchetes porque a “Velha GM” acabou admitindo, sob pressão, que sabia, há tempos, que a chave de ignição de cerca de 2,6 milhões de seus veículos (vendidos na América do Norte) eram defeituosos.

A chave de ignição saía do lugar, por si só, e ao fazê-lo, desligava todo o sistema elétrico do carro, mesmo com o carro em movimento — às vezes, em alta velocidade. O carro desligava o motor e a direção, os freios e os airbags deixavam a funcionar.

A irresponsabilidade dos antigos executivos da “Velha GM” resultou em pelo menos 124 mortes e pelo menos 275 danos físicos, muitos deles graves, segundo o Salon, The Detroit News e o Washington Examiner.

Em 2009 requereu falência, com base no Capítulo 11 da lei que regulamenta esse processo e que permite a recuperação da empresa, com a manutenção de suas operações empresariais e reestruturação de suas dívidas, às custas de seus credores e investidores. É uma oportunidade para a empresa voltar a ser lucrativa.

O pedido foi aprovado pelo juiz de Falência Robert Gerber. Ainda em 2009, o mesmo juiz aprovou a venda dos ativos da General Motors Corporation à General Motors Company. A “Nova GM” comprou a “Velha GM” com dinheiro do contribuinte, destinado pelo governo americano a instituições financeiras e montadoras, nos primórdios da última recessão.

A empresa iniciou então a transação, que seria feita com base na doutrina free and clear, segundo a qual os bens vendidos estão livres de quaisquer gravames, garantias reais ou queixas. Isso liberaria a empresa compradora de responsabilização civil. Em 2014, o mesmo juiz Robert Gerber confirmou a transação livre de responsabilizações para a “Nova GM”.

A validade dessa transação, em que a GM essencialmente comprou a si mesma, é o que está sendo questionado na Justiça. O professor da Faculdade de Direito de Harvard Mark Roe disse ao Salon que a transação não se enquadrada na justificativa da existência da doutrina free and clear.

Em julho de 2016, um painel de três juízes do tribunal federal de recursos em Nova York anulou a decisão do juiz de falência. Os juízes declararam que as pessoas prejudicadas pela chave de ignição defeituosa merecem discutir seus casos nos tribunais, porque têm o direito constitucional ao devido processo.

Os juízes disseram ainda que as ações movidas contra a empresa não são automaticamente barradas pela proteção falimentar (bankruptcy shield) e que a GM supostamente não enviou notificações adequadas aos possíveis credores e violou os direitos dos consumidores.

“Basicamente, a General Motors vendeu uma versão reorganizada de si mesma. As fábricas são as mesmas, os empregados são os mesmos, etc. A doutrina existe para proteger terceiros que compram uma empresa em dificuldades para operar, sem herdar todas as suas dores de cabeça”, ele disse.

Apesar da questionada transação, a GM chegou a pagar US$ 2 bilhões para encerrar ações criminais e civis e para acionistas. No ano passado, a empresa iniciou seu próprio processo interno de exame de queixas, no qual concordou em fazer pagamentos a consumidores que foram vítimas de acidentes mesmo antes de 2009. Mas tenta impedir, firmemente, que qualquer queixa seja levada à Justiça, segundo o Salon.

Em 2014, uma década depois de descobrir a falha da chave de ignição, a GM emitiu recalls de 800 mil veículos. Mais tarde, emitiu 30 milhões de recalls em todo o país, fato que levou o nome de “mega-recall”. A empresa fabrica, em 34 países, 12 marcas de veículos: Chevrolet, Buick, GMC, Cadillac, Holden, HSV, Opel, Vauxhall, Wuling, Baojun, Jie Fang e Ravon.

A Suprema Corte só vai decidir se aceita julgar o processo da GM no ano que vem. Se aceitar, tomará uma decisão a favor ou contra a GM, obviamente. Se não aceitar examinar o caso, irá prevalecer a decisão do tribunal de recursos contra a GM.

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