Opinião

Lei das Estatais busca por gestões mais probas e eficientes

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16 de dezembro de 2016, 6h23

Em resposta ao comando disposto no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, foi editada a Lei 13.303, de 30 de junho de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Contudo, a norma em questão, denominada “Lei de Responsabilidade das Estatais”, não abrangeu apenas as empresas estatais que exploram atividade econômica em sentido estrito (entidades referidas no dispositivo constitucional indicado), englobando também aquelas que prestam serviços públicos e as que prestam atividade economia sujeita ao monopólio da União Federal (artigo 1º da Lei 13.303, de 2016).

A Lei 13.303, de 2016, estabeleceu diversas regras para balizar a atuação das empresas estatais, abordando o regime societário e a função social dessas entidades administrativas, bem como aspectos administrativos, como a realização de licitações e a celebração de contratos.

Como amplamente noticiado, a norma em questão pretende ser um instrumento de prevenção à corrupção e de afastamento de intromissões indevidas em tais entidades da Administração Pública Indireta. Almeja-se, em especial, tutelar os órgãos de administração das empresas estatais, responsáveis pela condução de suas atividades e negócios. Nesse ponto, os artigos 13, 17 e 22 da Lei 13.303, de 2016, assumem significativa importância para o estabelecimento de gestões mais probas e capacitadas, no âmbito das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiárias.

É importante observar que a norma faz constante menção à “governança corporativa” das empresas estatais, expressão que poderia ter sido definida ou delimitada pelo legislador, para tornar algumas regras mais clara e precisa, embora já haja uma certa compreensão sobre o seu alcance, pelo mercado em geral. Nessa via, governança corporativa é o sistema que reúne as práticas relacionadas à gestão da sociedade, o que atinge os seus acionistas, órgãos societários e outros interessados. Envolve a adoção de processos, a direção e o monitoramento da entidade, com vistas à sua eficiência econômica e a uma atuação mais transparente e responsável.

Volvendo aos dispositivos da Lei 13.303, de 2016, verifica-se que o artigo 13 exige que a lei que autorizar a criação da empresa pública e da sociedade de economia mista disponha sobre as diretrizes e restrições a serem consideradas na elaboração do estatuto da companhia, naquilo que se refere à composição da administração da empresa estatal (Conselho de Administração) e sobre o controle interno de tais entidades (Conselho Fiscal e Comitê de Auditoria Estatutário). Incumbirá, portanto, ao legislador estabelecer balizas à posterior confecção do estatuto social, o que auxilia a satisfação dos objetivos perseguidos pela Lei 13.303, de 2016.

Cabe lembrar que, no caso das empresas estatais, o artigo 37, inciso XIX, da Constituição Federal, exige a edição de norma que disponha exclusivamente sobre a criação dessas entidades. Assim, o artigo 13 da Lei 13.303, de 2016, faz referência a essa lei autorizativa, conduzindo a futura atividade do legislador que editará a norma.

Além disso, o artigo 13 já estabelece algumas condições a serem necessariamente observadas, como: limites mínimos e máximos de membros do Conselho de Administração (inciso I); realização de avaliações de desempenho dos administradores e membros de comitês, o que inclui a análise sobre a regularidade da conduta desses indivíduos e a efetiva contribuição para os negócios da sociedade (inciso III); e a imposição de limites de prazos de gestão dos conselheiros e diretores (incisos VI e VIII).

O artigo 17 da Lei 13.303, de 2016, em seu turno, não se atém apenas a aspectos formais da composição e funcionamento da administração, estabelecendo importantes requisitos a serem preenchidos por aqueles que pretendem ser gestores de uma empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como impõe vedações à ocupação de cargos na diretoria e no Conselho de Administração das empresas estatais.

Com o advento do dispositivo legal em comento, somente poderão ocupar cargos no Conselho de Administração e na diretoria de empresas estatais indivíduos que detenham experiência profissional satisfatória (enquadrando-se em alguma das hipóteses listadas no inciso I do artigo 17), que tenham formação acadêmica compatível com o cargo pretendido e que não se enquadrem nas situações de inelegibilidade dispostas no artigo 1º, caput, inciso I, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990 (com as alterações trazidas pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010 – Lei da Ficha Limpa). Assim, além de exigir que a gestão da empresa pública ou da sociedade de economia mista esteja nas mãos de pessoas efetivamente capacitadas para tal atribuição, a Lei 13.303, de 2016, ao fazer remissão as hipóteses legais de inelegibilidade, impõe também padrões de ética, probidade e lisura que deverão ser necessariamente satisfeitos pelos interessados em ocupar cargos de administradores.

Em acréscimo, o mesmo artigo 17 da Lei 13.303, de 2016, em seu § 2º, estabelece um rol de indivíduos que não podem ocupar cargos no Conselho de Administração e na Diretoria das empresas estatais e de suas subsidiárias. Trata-se de mais um dispositivo que busca a profissionalização da gestão, bem como pretende afastar conflitos de interesses e a nociva prática de indicação de dirigentes públicos e detentores de cargos políticos, entre outros, com base em propósitos diversos, dissociados da efetiva capacidade de condução da administração da entidade.

É importante observar que o artigo 17, § 2º, inciso I, não obsta uma prática usualmente verificada no mercado, a saber, a indicação de administradores de empresas públicas, de sociedades de economia mista e de suas respectivas subsidiárias para a assunção de cargos de conselheiro ou de diretor em outras empresas estatais ou subsidiárias. É comum a escolha de diretores ou conselheiros de empresas estatais para exercerem cargo de gestão em subsidiárias das entidades primárias.

O artigo 17, § 2º, inciso I engloba, de modo geral, autoridades governamentais — aqueles que exercem também funções políticas —, impedindo-as de assumir os postos na administração das estatais, para, assim, elidir conflitos de interesses ou indevidas ingerências de cunho político, nas empresas estatais e subsidiárias. Assim, com base na interpretação teleológica do artigo 17, § 2º, inciso I, tem-se que a inserção dos administradores das empresas estatais e de suas subsidiárias, em tal dispositivo, não se coadunaria com tal finalidade normativa do comando.

Essas pessoas não exercem postos de natureza governamental, como os demais indivíduos mencionados na previsão legal, e, por isso, a sua atuação na gestão da empresa estatal ou subsidiária tende a não provocar indevidas influências políticas ou estar maculada por interesses conflitantes. Em princípio, esses indivíduos assumem postos na administração de outra empresa estatal ou de subsidiária, em decorrência de sua experiência e capacitação técnica — fatores que inclusive permitiram a assunção do primeiro cargo de administrador — e, assim, a sua nova atuação gestora pode até mesmo viabilizar uma desejável sinergia empresarial.

Corroborando esse entendimento, verifica-se que o artigo 20 da Lei 13.303, de 2016, veda “a participação remunerada de membros da administração pública, direta ou indireta, em mais de dois conselhos, de administração ou fiscal, de empresa pública, de sociedade de economia mista ou de suas subsidiárias”. Assim, não haveria óbice à ocupação de dois cargos de administração, em empresa estatal ou subsidiária, desde que aquele que assuma os postos abdique-se da remuneração pelo exercício uma das atribuições em uma das entidades.

Por fim, há que se abordar a importante inovação prevista no artigo 22, nomeadamente, a exigência de um membro independente, na composição do Conselho de Administração. No Brasil, o conselheiro independente ganhou destaque no ano de 2006, momento em que a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&FBOVESPA) revisou o Regulamento de Listagem do Novo Mercado (disciplina os requisitos para negociação de valores mobiliários de companhias abertas em segmento especial do mercado de ações), para exigir a presença de tal figura, nas companhias que desejassem ter suas ações negociadas no Novo Mercado. Nota-se inclusive que legislador optou por replicar no artigo 22, §1º, da Lei 13.303, de 2016, os requisitos de caracterização do conselheiro independente dispostos no Regulamento de Listagem do Novo Mercado.

Em síntese, o conselheiro independente surgiu em um cenário de crise financeira internacional e foi um dos instrumentos de aprimoramento das estruturas de governança corporativa das companhias.

Nas companhias privadas em geral, tal figura assume especial importância na proteção do investidor. Isso porque, rotineiramente, os diretores ou conselheiros de uma companhia precisam se posicionar sobre matérias, nas quais podem haver conflitos entre o interesse de tais administradores e o interesse dos acionistas da sociedade, o que tende a acarretar a tomada de decisões que beneficiem os gestores, em detrimento dos investidores. Em seu turno, o conselheiro independente, por suas próprias peculiaridades (a inexistência de qualquer vínculo com a entidade, exceto participação de capital, por exemplo), não é beneficiário imediato das decisões ou resultados negociais, o que lhe garante posicionamentos mais isentos, imparciais e livres.

No caso específico das empresas estatais, além de garantir a proteção dos investidores, a exigência de um membro independente, na composição do Conselho de Administração, tutela, em última instância, o interesse público que está por trás da atividade da empresa pública ou da sociedade de economia mista (vide o artigo 27 da Lei 13.303, de 2016). Trata-se de mais uma via para garantir que as decisões tomadas pela entidade não sejam voltadas a outros interesses que não o benefício da própria empresa estatal ou da coletividade.

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