Olhar Econômico

Ética e decoro devem, também, ser levadas em conta para ingressar com ações

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

15 de dezembro de 2016, 7h25

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]Na agenda política de vários países, nas duas últimas décadas, tem sido uma constante as reformas no sistema judiciário, com duplo intuito: abertura e consolidação do acesso de todos os cidadãos à Justiça; bem como celeridade, segurança e previsibilidade da prestação jurisdicional, de modo a impactar positivamente no crescimento econômico, indispensável para o desenvolvimento holístico do ser humano. Os problemas que assolam o sistema judicial brasileiro, em todos os níveis, resultantes, em grande parte, do aumento da procura pela prestação jurisdicional são, em suma: complexidade da legislação, morosidade burocrática, falta de planejamento estratégico, deficiência do controle administrativo, falta de informação, além da tradicional cultura do contencioso judicial.

Após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, vem sendo vertiginoso o crescimento da demanda por prestação jurisdicional. Apesar das mudanças legais e das inovações tecnológicas, o poder judiciário não tem conseguido responder, adequadamente, ao grande volume de demandas. Em 2014, tramitaram no Brasil, consoante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aproximadamente, 95,14 milhões de processos. Desses, 70%, ou seja, 66,9 milhões já estavam pendentes desde o início de 2013. Ademais, no decorrer desse ano, ingressaram 28,3 milhões de casos novos (30%). [1] O acervo processual brasileiro tem crescido a cada ano, desde 2009, a um percentual médio de 3,4%.

O grande número de ações judiciais em andamento pode dar a falsa impressão de que vivemos em cenário de amplo acesso à justiça. Entretanto, análise detida dos dados do CNJ (Relatório Justiça em Números e Os 100 maiores litigantes), demonstra que parcela considerável dos processos em tramitação tem como parte o próprio poder público, ou seja, o poder executivo servindo-se do poder judiciário como cobrador de impostos; ou grandes empresas, com intuito procrastinatório.

A principal causa para a excessiva lentidão tem sido o formidável número de questões judicializadas, em razão, das causas acima aventadas; assim como, da diversidade de interpretações, que, por vezes, os próprios textos da Constituição e das regras infraconstitucionais possibilitam e mesmo incentivam. A situação seria melhor se as leis fossem mais claras e as respostas jurisdicionais previsíveis e tempestivas.

Ninguém, duvida que o Brasil deve adotar novas posturas com relação ao sistema de justiça e poder judiciário, precipuamente por um dever de equidade, mas também para que a atividade produtiva tenha um ambiente de negócios mais propício.

Em sendo garantidas maior segurança jurídica e previsibilidade, haverá novos investimentos, com aumento de produtividade e o crescimento do Produto Interno Bruto; e, consequentemente, mais renda a ser distribuída e melhora do desenvolvimento social e educacional.

Conforme pesquisas realizadas pelo Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD), em 2011, o Brasil estava na 84ª posição no índice de desenvolvimento humano (IDH), em função de ter havido bom desempenho macroeconômico, relativa estabilidade nos padrões de produção e consumo, assim como melhora da qualidade de vida da população menos favorecida. A situação brasileira, hoje, certamente piorou, face aos graves problemas políticos e à crônica e crescente recessão.

O Brasil somente voltará a crescer, se houver investimentos internos e externos, aliado a um ambiente caracterizado pelo florescimento econômico, com estímulos à inovação tecnológica, constante busca de barateamento do custo de produção, tributação clara e justa e um sistema de justiça transparente e eficiente.

O ordenamento jurídico de um país e seu poder judiciário podem ser fatores dificultadores ou indutores do processo de desenvolvimento, pois o investimento depende de fatores não somente econômicos, mas também jurídicos. O crédito bancário e os custos das transações comerciais são influenciados por inúmeras variáveis, não sendo a menos importantes delas a estabilidade das normas, o grau de previsibilidade e o lapso de tempo para que decisões judiciais sejam prolatadas. Ademais, a burocracia administrativa, como, por exemplo, o número dos procedimentos e o tempo para abertura e para o fechamento de empresas, dentre outros fatores, são também de extrema importância.

Muito já se fez no Brasil ultimamente, de que são exemplos a criação do CNJ, a modificação da legislação processual, a possibilidade e o incentivo da resolução de conflitos por meios não judiciários. Entretanto, o esforço feito, embora tenha sido um bom começo, é insuficiente em razão: (i) da atávica e arraigada afeição que a grande maioria do povo brasileiro possui pelas barras dos tribunais; (ii) a insensibilidade governamental, em todos os níveis, em ajuizar ações e recorrer até a última instância, no mais das vezes, para adiar pagamentos claramente devidos; e (iii) de ausência de decoro de algumas empresas em atulharem o judiciário com ações de ética duvidosa.

Devem portanto ser mantidos e incrementadas todos os procedimentos que até agora vem sendo levados a cabo, sem se esquecer do seguinte. Uma dos mais importantes é desmanchar a cultura contenciosa, o que somente acontecerá se as faculdades de direito brasileiras se dedicarem a pesquisar, ensinar e discutir todos os modos possíveis de solução de controvérsias, suas metodologias e suas diferentes aplicações. Quanto for disseminado à população em geral, de modo a se tornar assunto discutido nos períodos eleitorais, que a postura governamental de discutir judicialmente, dívidas que poderiam ser dirimidas, celeremente, por meio administrativo, é indigna. E, finalmente, que a má prática das empresas de se servir do judiciário para procrastinar soluções claramente assentes, somente será erradicada se for levada ao conhecimento dos consumidores de seus produtos.


1 Justiça em números 2014; ano-base 2013/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2014. p. 34.

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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