Interpretação do erro

Enviar peça incompleta ao juízo não é má-fé processual, decide TRF-2

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13 de dezembro de 2016, 6h44

Assim como um magistrado pode dar uma decisão errada sem dolo a partir de uma peça incompleta que lhe é apresentada, os advogados que entregaram o material também podem ter se enganado ao apresentá-lo ao juízo. Com esse entendimento, a 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região aceitou Habeas Corpus para trancar uma ação contra profissionais do Dumans Advogados acusados de ma-fé.

A acusação de má-fé foi formulada pelo Ministério Público Federal depois que os advogados apresentaram um pedido de Habeas Corpus no TRF-2 que não continha a parte da denúncia que incriminava o cliente deles. O ato foi denunciado à Justiça Federal no RJ como fraude processual.

Os advogados defendiam um escrivão da Polícia Federal aposentado denunciado em ação protocolada na 6ª Vara Federal Criminal do Rio. O escrivão, mesmo antes da denúncia recebida — por ser funcionário público teve direito à defesa preliminar como prevista no artigo 514 do CPP — foi um dos 13 acusados que teve prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública.

Seus advogados então recorreram ao TRF-2 alegando, entre outros argumentos, que a acusação não tinha elementos mínimos que autorizassem a prisão, além de não descrever a sua participação no caso investigado. O caso foi distribuído ao desembargador federal Abel Gomes, da 1ª Turma Especializada, que concedeu o pedido.

Mas, no dia seguinte, ao receber um pedido de HC em nome de outro réu no mesmo processo, o desembargador percebeu que a denúncia apresentada pelos advogados do escrivão era diferente da que ele tinha em mãos. Para o julgador, a atitude foi tomada deliberadamente.

“É evidente a má-fé processual com que se pugnou nos presentes autos, haja vista que os impetrantes suprimiram a parte das cópias da denúncia onde estão descritos os fatos praticados pelo paciente, ao mesmo tempo em que toda a argumentação deduzida às fls. 02 e 03 da inicial é exatamente em decorrência da tese de que a denúncia não faz qualquer referência expressa", afirmou o juiz. "É grave a forma como se postula o direito de liberdade, enganando o juiz", completou.

O trecho suprimido, conforme descrito na denúncia contra o escrivão, trazia descrições detalhadas dos supostos crimes cometidos pelo paciente. “Sua supressão tinha por intuito evidente induzir o Julgador a erro, servindo de suporte para a tese adotada no habeas corpus, que jamais se sustentaria ante o verdadeiro teor da peça acusatória apresentada por esta procuradoria ao Juízo da 6ª Vara Federal Criminal”, afirmou à acusação à época.

Um dos advogados acusados disse à ConJur que tudo não passou de um descuido. "Faltaram de cinco a seis folhas na cópia da denúncia que anexamos ao pedido de Habeas Corpus, páginas que falavam alguma coisa do nosso cliente. Foi um acidente, um descuido. No dia seguinte em que o desembargador cassou a liminar concedida, ele esteve com Gomes dando explicações. Mas, àquela altura, o desembargador já havia remetido cópia do caso para o MPF tomar as providências devidas", conta

No HC pelo suspensão da ação, a 2ª Turma Especializada do TRF-2 desconsiderou a tese de dolo. Em seu voto, o relator da ação, desembargador Messod Azulay Neto, ponderou que, se o julgador do HC do escrivão, que leu atentamente a peça apresentada e concedeu o pedido sem perceber o erro, tomou tal decisão sem dolo, a mesma regra deve ser aplicada aos advogados.

Destacou ainda manifestação do próprio MPF, que mudou de entendimento no decorrer da ação, pedindo a desconsideração da acusação contra os advogados. “É de se admitir a alegação de atipicidade do fato, pois deixar o advogado de instruir corretamente a denúncia da inicial de Habeas Corpus não configura, em princípio, sem um mínimo de provas, o crime de fraude processual”, opinou o MPF.

“Pelas mesmas razões acima explicitadas, entendo que a persecução penal deve ser obstada em relação aos demais denunciados, que assinaram a petição inicial, em conjunto com o ora paciente”, concluiu o relator em seu voto, que foi seguido por unanimidade pela turma.

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