Sem contrapartida

Novas regras da Anac permitem cobrança de bagagem; MPF anuncia ação contra

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13 de dezembro de 2016, 17h18

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou nesta terça-feira (13/12) novas regras para o transporte de passageiros. A principal mudança é o fim da gratuidade no transporte de bagagens — até o limite de 23 kg para voos nacionais e 32 kg para voos internacionais. Com a alteração, as companhias poderão cobrar pelo serviço. As novas regras entrarão em vigor em 14 de março de 2017.

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Cobrança por bagagens despachadas é facultativa às empresas aéreas.

O objetivo é proporcionar a redução de preços das passagens, mas não há nenhuma garantia de que isso realmente aconteça. O Ministério Público Federal anunciou que vai questionar as mudanças.

As bagagens de mão, levadas junto com os passageiros na cabine, continuam incluídas na tarifa — o limite de peso da franquia aumentou de 5 kg para 10 kg. As companhias também não poderão mais cobrar para alterar o nome do passageiro. As regras para assistência ao passageiro caso o voo atrase também foram alteradas.

Com as mudanças promovidas pela Anac, só serão considerados extravio de bagagem os casos em que a mala não for localizada. Se ela apenas não chegar junto com o passageiro, as empresas não terão de indenizar o usuário. Caso o extravio seja confirmado, o prazo para a companhia aérea rastrear a bagagem foi reduzido de 30 para sete dias em voos domésticos. Em rotas internacionais, o prazo de restituição continua sendo de 21 dias.

Com a entrada em vigor das novas regras, os passageiros que desejam cancelar as passagens poderão se desfazer da compra sem custo desde que o cancelamento ocorra em até 24 horas depois da data da aquisição e com antecedência mínima de sete dias da data do embarque. As multas para alteração da passagem ou reembolso não podem ultrapassar o valor pago pela passagem. A medida também vale para promoções e a taxa de embarque terá que ser devolvida.

Apesar de as empresas continuarem obrigadas a oferecer assistência a seus clientes, a acomodação em hotel só poderá ser exigida se houver necessidade de pernoitar no local. Para atrasos acima de uma hora, a companhia tem que oferecer facilidade de comunicação; a partir de duas horas, deve disponibilizar alimentação; e, quando a demora passar de quatro horas, deve garantir acomodação. Quando não houver necessidade de pernoitar, os usuários poderão ser alocados em espaços diferenciados no aeroporto, como sala VIP, por exemplo.

MPF é contra
O Ministério Público Federal anunciou que vai questionar a legalidade das novas regras na Justiça. Para o MPF, as mudanças são um retrocesso legal que viola o direito do consumidor e não garante os supostos benefícios anunciados, como a redução das tarifas das passagens.

“As empresas aéreas em nenhum momento assumiram compromisso público de compensar a supressão de direitos hoje assegurados aos consumidores, como redução de tarifas hoje praticadas ou outras medidas”, afirma o órgão. O MPF também destaca ter sido contra a fim da franquia de bagagem em todas as consultas públicas promovidas pela Anac. Segundo o MPF, nenhum argumento novo foi apresentado pela Anac para sustentar as mudanças.

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Ceticismo
A opinião de que o fim de franquia gratuita de bagagem não vai se traduzir em tarifas mais baratas é compartilhada por especialistas em Direito do Consumidor. “Nossas companhias aéreas não são conhecidas por praticarem preços ‘amigáveis’ para com os consumidores. Pelo contrário”, diz o promotor José Augusto Peres, diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

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Companhias aéreas só serão obrigadas a pagar acomodação aos passageiros caso eles precisem dormir no local onde estão.
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“Vemos com preocupação esta alteração imposta pela Anac, pois entendemos que estabelece a possibilidade de aumentarem casos de abusos de preços nas passagens aéreas e serviços a elas associados”, diz.

Segundo o promotor, é preocupante esperar que os consumidores acreditem no bom senso das empresas do setor de aviação. “Nossas companhias aéreas não são conhecidas por praticarem preços ‘amigáveis’ para com os consumidores. Pelo contrário.”

O advogado Bruno Miragem, membro do instituto, explica a mudança é inspirada em um modelo introduzido na Europa para viabilizar as empresas aéreas de baixo custo (low cost), que vendem bilhetes a preços mais baratos, mas cobram por qualquer serviço extra, como refeições e transporte de bagagem. Porém, para ele, não há qualquer garantia de que isso seja implantado no Brasil.

“Os argumentos principais de eventual discussão diz respeito ao próprio conceito tradicional de contrato de transporte, que inclui bagagens pessoais, até a proibição, por configurar prática abusiva, da exigência de vantagem manifestamente excessiva”, explica o advogado.

Presidente do Brasilcon e professora de Direito Econômico da Universidade Federal de Minas Gerais, Amanda Flávio de Oliveira também afirma que a diminuição de preços das passagens só ocorrerá com uma concorrência efetiva entre as empresas, e não por mudanças em normas de embarque e desembarque.

“A medida autorizada pela Anac em nada permite imaginar uma diminuição de preços no futuro, passa longe de ser um estímulo dessa ordem. Ao contrário, ela autoriza um aumento, na medida em que um novo preço passa a ser incorporado ao serviço.”

Proteção às aéreas
José Augusto Peres critica ainda as mudanças sobre extravio de bagagem, que chamou de “absurdo completo”. “Imagine o passageiro chegar em um país estranho, sem falar a língua, e sem as malas. Caso ele tenha se programado para passar, digamos, 15 dias no destino, ou compra roupas na quantidade necessária, ou ainda terá custos com lavanderia. Caso a mala dele ‘apareça’ após 20 dias do extravio (ele já em casa), a companhia aérea não lhe deverá nada. Nem um pedido de desculpas”, exemplifica o promotor.

Em relação às novas regras para cancelamento de passagem, o promotor conta que as companhias aéreas estão obrigadas a cumprir integralmente o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor. O dispositivo assegura o direito de desistir da compra, sem qualquer ônus, em até sete dias do contrato, desde que este tenha sido feito fora do estabelecimento comercial — pela internet ou por telefone, por exemplo.

“O que a Anac fez foi reduzir o prazo de sete dias para um dia ou 24 horas. Onde está a vantagem? A vantagem está em ter retirado seis dias do prazo de reflexão e do direito de arrependimento do consumidor. E quem ganhou com isso? Obviamente que foram as companhias aéreas”, critica o promotor.

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