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PL com novas regras para licenciamento ameaça Meio Ambiente

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12 de dezembro de 2016, 15h53

Nos últimos tempos muito tem sido escrito e debatido sobre o licenciamento ambiental, com vários projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O principal deles, o PL 3.279/2004, o qual contém apensados 16 projetos de lei propondo-se a disciplinar o tema, está para ser votado em plenário.

Trata-se de um projeto com objetivo de traçar normas gerais sobre licenciamento ambiental, em cumprimento ao artigo 23 da CF e à LC 140/2011. Suas disposições são graves e preocupantes. Visam disciplinar por completo o licenciamento ambiental, revogando as Resoluções 01/86 e 237/97 do Conama, bem como normas estaduais. Traz um verdadeiro retrocesso do ponto de vista da proteção do meio ambiente.

As propostas deveriam conciliar desenvolvimento econômico e defesa do meio ambiente (artigos 170 e 225, CF), mas, em grande parte, assim não se apresentam. Há inúmeras versões do PL que são divulgadas, trazendo dúvidas, falta de transparência e perplexidade a todos que acompanham o processo legislativo.

Neste momento de crise econômica, política e moral, entendemos totalmente desaconselhável qualquer discussão que leve a profundas modificações no procedimento de licenciamento ambiental. No cenário de crise, a tendência será uma simplificação dos procedimentos ao invés de seu aperfeiçoamento, sob o argumento de uma simpática e desejável ideia de agilização do licenciamento. Nesse contexto, desprezam-se procedimentos que atendem aos princípios da prevenção e da precaução vigentes no Direito Ambiental.

Desde já, é preciso ponderar que o Meio Ambiente não pode pagar, uma vez mais, a conta da crise econômica, pois a crise certamente passará e os danos ambientais decorrentes de atividades significativamente impactantes, se autorizadas estas pelos órgãos ambientais competentes sem critérios técnicos por ocasião do licenciamento, sem a devida mitigação e compensação dos danos ambientais, deixarão consequências somente reversíveis a longo prazo, sendo algumas delas irreversíveis. Dentre os vários aspectos negativos, podem ser citados:

1) Em vez de se aperfeiçoar o sistema de licenciamento ambiental, repondo os servidores que se aposentam ou pedem demissões, bem como capacitando adequadamente esses técnicos, provendo-os de melhores equipamentos e tecnologias disponíveis, propõe-se reduções de prazos para decisões sobre licenciamentos, estudos ambientais simplificados, supressões de etapas do licenciamento, restringem-se manifestações de órgãos interessados no licenciamento (ICMBio, Funai, Fundação Cultural Palmares, Comitês de Bacias Hidrográficas, Gestores de Unidades de Conservação etc.);

2) Descuida-se do incremento de arrecadação em prol da estruturação dos órgãos ambientais, o que agilizaria o procedimento de licenciamento. Poderia haver alocação de recursos da Contribuição para Intervenção no Domínio Econômico (Cide), relacionada com os danos decorrentes da extração de petróleo;

3) Também não houve preocupação com a real independência dos agentes públicos que atuam e decidem no sistema de licenciamento ambiental. Pelo contrário, aumenta-se a fragilidade deles em relação às pressões políticas, como aquelas vindas de integrantes de órgãos independentes e autônomos da administração pública, a denominada classe política. Parte desta, quando não age em interesse próprio, não raro, defende interesse de financiadores de campanha (empreendedores), visando propiciar-lhes facilidades para aprovação de empreendimentos ou atividades em licenciamento ambiental. Assim, com a previsão de revogação do crime do artigo 67 da Lei 9.605/98, quer na modalidade culposa, quer na modalidade dolosa, para o agente que concede licença em desacordo com as normas ambientais, agravam-se os ricos de um licenciamento indevido de empreendimentos, de maneira a prevalecer o interesse privado sobre o público;

4) A exiguidade dos prazos para a análise dos procedimentos dificultam o aprofundamento da suficiência ou não dos estudos apresentados, bem como das exigências que possam ser efetuadas em complemento aos estudos apresentados unilateralmente pelo empreendedor. Aliás, o projeto prevê as exigências de complementações devem ser feitas em uma única vez pelo órgão licenciador, quando se sabe que alguns riscos ou deficiências serão vislumbrados somente após os complementos dos estudos;

5) No tocante à participação social, o projeto é um retrocesso completo. Deixar a critério do órgão licenciador a decisão sobre exigir ou não audiência(s) pública(s) é ampliar em demasia a discricionariedade, de maneira a restringir a informação e participação da sociedade quanto a empreendimento ou atividade;

6) São suprimidos conceitos legais como o de sustentabilidade, de Estudo Ambiental Simplificado (EAS). Simplificam-se e se generalizam exigências no Termo de Referência (TR), pelo qual se estabelece os requisitos do EIA-Rima (estes com requisitos também diminuídos). Esse alto grau de liberdade dado ao órgão licenciador na análise de aprovação do licenciamento ambiental caracteriza-se como discricionariedade administrativa, a qual impede a análise do mérito (adequação) da aprovação ou não do licenciamento pelo Poder Judiciário, em ação que vier a ser proposta nesse sentido;

7) Ainda se prevê o licenciamento por compromisso ou adesão, efetuado por meio eletrônico, assim como a Licença Ambiental Corretiva. Esta destinada à regularização de empreendimentos sem licença, sem se estabelecer um marco  temporal final dos empreendimentos passíveis de regularização, o que incentiva o funcionamento irregular na expectativa de obtenção de facilidades quando da regularização;

8) Não se prevê a análise conjunta dos efeitos de vários empreendimentos considerados negativamente impactantes (efeitos cumulativos e sinérgicos) situados em uma mesma área ambientalmente vulnerável;

9) O PL, como regra, obriga o aproveitamento de estudos de um empreendimentos vizinho para o licenciamento do outro, utilizando-se de banco de dados secundários. Somente se exigem dados primários (coletados diretamente na origem) na inexistência dos secundários, gerando o risco de uma deficiente análise técnica;

10) O Substitutivo ao PL 3.279/04 ainda prevê a suspensão das normas estaduais em sentido contrário à lei federal que dele resultará. Ignora-se que em matéria de competência legislativa concorrente os Estados-membros e o Distrito Federal podem ser mais rigorosos que a norma geral da União, principalmente em matéria ambiental, dada suas peculiaridades regionais.

Portanto, o substitutivo do PL 3.279/2004 é flagrantemente inconstitucional, quer por se caracterizar como verdadeiro retrocesso em matéria ambiental, colocando-se em risco o equilíbrio do ecossistema, a vida, a saúde e o bem-estar das pessoas, quer por invadir competência legislativa estadual. Também ofende os princípios da precaução e prevenção, restringindo a participação e o controle social nas questões ambientais. Sua tramitação acelerada ocorre em momento inoportuno e inconveniente, em razão das várias crises que se agudizam e da fragilidade das instituições, gerando mais inseguranças jurídicas por seu alto grau de abstração e omissão em questões tão importantes como a socioambiental e a econômica.

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