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No caso de Renan Calheiros, Supremo optou pela autopreservação

10 de dezembro de 2016, 10h13

Por Pedro Canário

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De todos os rumos que poderia ter tomado ao julgar o caso do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o Supremo Tribunal Federal escolheu o da autopreservação. Ao permitir que Renan se mantivesse na Presidência do Senado depois de uma liminar determinando seu afastamento, o tribunal pesou mais as consequências políticas e econômicas da decisão que sua legitimidade institucional. E preferiu não correr o risco de ser considerado culpado pelo fracasso da política econômica e fiscal do Brasil.

O episódio em si já foi noticiado à exaustão. Em liminar, o ministro Marco Aurélio mandou Renan Calheiros se afastar da Presidência do Senado, já que o tribunal caminha para definir que réus não podem estar na linha sucessória da Presidência da República. Renan se recusou a sair. Logo depois, por seis votos a três, o Plenário do Supremo não ratificou a cautelar, mantendo o político alagoano no cargo.

Wilson Dias/Agência Brasil
Renan Calheiros, Cármen Lúcia e Temer, na posse da ministra como presidente do STF.
Wilson Dias/Agência Brasil

Portas fechadas
A coincidência dos argumentos não foi por acaso. Como raramente acontece no Supremo, os ministros discutiram a situação na noite anterior ao julgamento do caso. Em uma situação, pelo menos quatro ministros estiveram reunidos com a presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, para costurar uma solução jurídica para o que já era considerada uma crise institucional.

Na discussão, foi lembrado que manter a cautelar de Marco Aurélio seria confirmar a jurisprudência do tribunal. A corte já havia varrido Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da Presidência da Câmara dos Deputados em decisão monocrática do ministro Teori Zavascki confirmada pelo Plenário. Não mantê-la significaria dizer que Marco Aurélio se precipitou, mas renegar a jurisprudência da corte. aventaram ainda uma terceira saída: manter a cautelar, mas modular a decisão para depois do fim do mandato de Renan – que acontece em menos de duas semanas.

Optou-se pela quarta via. O ministro Celso de Mello foi o fiador da decisão e decidiu inaugurar a divergência em relação ao relator, Marco Aurélio. Para isso, usou de sua prerrogativa de decano para pular a fila e adiantar o voto – ele é sempre o último a votar, antes do presidente.

Ao mesmo tempo, emissários do governo procuraram os ministros do Supremo para dizer que Renan é o pivô do acordo para aprovar a proposta de emenda à Constituição que estabelece um teto para os gastos públicos. A PEC 55 é de autoria do governo Temer, anunciada como o ponto final para a crise econômica. E Temer não esconde de ninguém que sua intenção no governo é "acabar com a crise" de acordo com as teses defendidas por seus aliados.

Tirar Renan do cargo, portanto, seria inviabilizar o acordo que pode, segundo os argumentos do governo, acabar com a crise. Consequentemente, seria derrubar o grupo que só está no poder com esse objetivo.

Não chegou a ser um acordo de bastidores. Quando pediu para que o Supremo revogasse o afastamento de Renan, o Senado escreveu o seguinte na petição: “É notório o esforço que o Poder Executivo solicitou à sua base para a votação de matérias de enorme relevo institucional, como, por exemplo, a PEC do Teto de Gastos (PEC 55/2016), que poderia restaurar a credibilidade econômica e das finanças do governo. Nesse sentido, a medida impugnada causa enormes prejuízos ao já combalido equilíbrio institucional e político da República”. O próprio Temer ligou para Cármen Lúcia na noite anterior ao julgamento de Renan para dizer isso.

Corações e mentes
O discurso conquistou os ministros. Um dos requisitos para a imposição de uma medida cautelar é o risco de que sua não concessão cause um prejuízo irrecuperável. É o chamado periculum in mora, ou perigo da demora. Celso de Mello, no entanto, citou o “periculum in mora em sentido inverso”: tirar Renan do cargo é que causaria danos de difícil reparação.

“Não há dúvida de que a medida cautelar deferida, na presente sede processual, poderá inibir ou interferir no funcionamento da Câmara Alta do Congresso Nacional [Senado], afetando-lhe as atividades institucionais e projetando-se, ante os inevitáveis reflexos políticos daí resultantes, com grande impacto sobre a própria agenda legislativa do Senado Federal, em contexto no qual se destaca, de modo preocupante, a crise gravíssima e sem precedentes que assola o nosso país”, afirmou Celso de Mello.

O ministro Luiz Fux foi outro a citar a crise econômica. Para ele, tirar Renan do cargo seria atrapalhar “uma agenda política que clama por solução imediata”. A crise ainda foi citada pelos ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.

Cabeças e sentenças
Quem claramente fugiu dessa lógica foram os ministros Teori Zavascki e Dias Toffoli. Teori concordou com Marco Aurélio e disse que réus não podem estar na linha sucessória da Presidência da República. Mas ponderou que a concessão de liminares pressupõe o perigo de dano irreparável diante da inação do Poder Judiciário.

Com isso, fez um esforço para se diferenciar do colega. Marco Aurélio citou o caso Cunha como precedente. Teori explicou que naquela ocasião havia provas de que o hoje ex-deputado usava do cargo para atrapalhar investigações que o prejudicariam e a um processo de cassação em andamento no Conselho de Ética da Câmara.

Toffoli não votou em Plenário, apenas acompanhou a divergência de Celso de Mello. Em seu voto escrito, no entanto, dá para ver que a maior preocupação é a separação de poderes.

Para o ministro, dizer que réus não podem substituir o presidente e que eles não podem nem estar no cargo seria criar “verdadeira hipótese de inelegibilidade” para essas funções. Isso seria “excessiva ingerência no âmbito do Poder Legislativo”.