Opinião

História e jurisprudência mostram que vice tem responsabilidade pessoal

Autor

  • Marcus Vinicius Vita Ferreira

    é sócio do escritório Wald Antunes Vita e Blattner Advogados pós-graduado em Direito do Consumidor pela PUC-SP mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP) e ex-consultor convidado da Comissão de Assuntos Constitucionais e da Comissão de Mediação e Arbitragem do Conselho Federal da OAB.

9 de dezembro de 2016, 10h11

A discussão no Brasil acerca do princípio da responsabilidade pessoal no direito o eleitoral exige olhar especial no cargo de vice-presidente, figura essa que na história política brasileira sempre exerceu papel de relevância institucional e autonomia política. Costuma-se lembrar das vezes nas quais o vice-presidente acabou por exercer a presidência da República, seja em virtude do impedimento constitucional (tal como ocorreu com Itamar Franco com a renúncia do então presidente Fernando Collor de Mello no bojo de seu processo de impeachment; com o atual presidente Michel Temer; ou, ainda, em virtude de falecimento – morte de Tancredo Neves e Presidência de José Sarney).

Os casos recentes acima citados são exemplos, entretanto, de situação não usual na nossa história republicana, o que finda por gerar a ideia de que a vice-presidência tem caráter ornamental, que apenas contribui para consolidar a aliança política que deu, ou daria, sustentação ao presidente, cabeça da chapa. É interessante notar, contudo, que durante a maior parte da nossa história republicana (salvo o período da Era Vargas até a Constituição de 1946, quando o cargo, na prática, estava extinto e no período do Governo Militar, quando não se teve as eleições diretas), o vice-presidente era personagem de autonomia política, sendo empossado no cargo por eleição direta específica, em paralelo ao processo eleitoral do presidente da República. Essa opção feita pela Constituição de 1891, em seu artigo 47 (artigo 37 da Lei n35, de 26 de janeiro de 1892, com o processo regulado pelo Decreto 1.668, de sete de fevereiro de 1894) – e pela Constituição de 1946, em seu artigo 81, gerou, por óbvio, situações políticas delicadas, especialmente quando presidente e vice-presidente eram eleitos em chapas opostas nas eleições.

E, de fato, nesses momentos, o país acabava por vivenciar clima de instabilidade institucional, como na presidência de Floriano Peixoto, que foi da chapa do candidato derrotado Prudente de Morais na eleição indireta de 25 de fevereiro de 1891 e de Café Filho. Embora nesse último caso tivesse sido eleito na chapa de Getúlio Vargas, foi nome imposto por Ademar de Barros para o apoio do PSP nas eleições de 1950. É importante destacar também o exemplo paradigmático da presidência de João Goulart, candidato eleito vice-presidente na chapa de Henrique Lott que por sua vez foi derrotado por Jânio Quadros nas eleições de três de outubro de 1960.

O modelo institucional que vigora no Brasil é também resultado dessa reminiscência histórica que, a um só tempo, imprimia autoridade e autonomia política ao vice-presidente e causava ruído e inconstância pelo fato de assumir a presidência em posição político-ideológica oposto ao do presidente afastado. Foi o regime militar e suas eleições indiretas pelo colégio eleitoral (mesmo sob insuportável pressão, como na convocação do Congresso para a eleição indireta de Garrastazu Médici em 25 de outubro de 1969 durante a vigência do AI-5) que consolidou o formato de eleição com chapa fechada. O vice-presidente passaria a adotar papel mais ornamental, embora ainda representasse forças políticas autônomas.

De qualquer forma, a extinção na experiência constitucional brasileira da eleição separada do vice-presidente acabou por retirar sua responsabilidade direta pelos atos de campanha, salvo comprovado benefício ou participação. Com a mudança do parâmetro constitucional prevista na carta de 1988, também passou a prevalecer no direito eleitoral o princípio da responsabilidade pessoal, insuscetível de atingir a esfera jurídica de terceiros não participantes do ato, até mesmo por consequência da norma constitucional de que a pena, aqui entendida em abrangência que transcende o direito penal, se restringe à pessoa do condenado.

No âmbito eleitoral atual, pela simetria e adequação ao sistema constitucional vigente, as responsabilidades dos detentores de mandatos eletivos é bastante nítida e divisível, especialmente no que atine aos chefes do Poder Executivo. Ao se visitar os principais diplomas eleitorais,  como a lei das eleições e o Código Eleitoral, verifica-se a absoluta atenção do legislador em tipificar atos e responsabilizar, exclusivamente, o causador ou beneficiário do ilícito.

 Também na lei de inelegibilidade, complementada com a festejada “lei da ficha limpa”, fica claro que só será punido com a perda do mandato e suspensão temporária dos direitos políticos, aquele que incorreu nos tipos legais ali previstos. Tanto é que pelo artigo 18 da lei das inelegibilidades, a declaração de inelegibilidade do titular não gera a inelegibilidade do vice. A responsabilidade pessoal em matéria eleitoral, portanto, acaba por funcionar como instrumento importante para garantir a própria autonomia da corrente política representada pelo vice-presidente.

De tal forma, o princípio da responsabilidade pessoal não é apenas uma escolha da legislação eleitoral, mas, acima de tudo, uma amarração necessária e oportuna que, revalorando o passado e a experiência, traz equilíbrio à relação, dentro da coligação e do próprio governo, entre duas forças políticas, sempre com o objetivo de salvaguardar o papel político austero e sereno que deve ter o vice-presidente.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!