Isenção fiscal

Mulher de Cabral é presa por suspeita de usar banca para lavar dinheiro

Autor

6 de dezembro de 2016, 16h12

A suspeita de que Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), tenha usado seu escritório de advocacia para lavar dinheiro repassado por empresas que conseguiram isenção fiscal junto ao Executivo fluminense durante a gestão do peemedebista foi a justificativa usada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do RJ, para decretar a prisão preventiva da ex-primeira-dama do estado.

Reprodução
Adriana Ancelmo é apontada na decisão como membro importante da suposta organização criminosa que teria cobrado propina de empreiteiras.
Reprodução

O juiz também considerou na decisão a possibilidade de que “infiltrados” possam atrapalhar as investigações. Além disso, o magistrado retirou o sigilo do processo.

“As investigações em andamento sugerem, com base em elementos de prova consistentes, que Adriana Ancelmo não apenas tinha conhecimento do esquema de pagamento de propina capitaneado por seu marido, como também estaria envolvida diversos episódios de repasse de dinheiro envolvendo pessoas físicas e jurídicas relacionadas com a organização criminosa sob investigação”, detalha Bretas.

Pesam contra Adriana Ancelmo repasses feitos por EBX (R$ 1 milhão), Braskem (R$ 2,1 milhão), Federação das Indústrias do Comércio do Rio de Janeiro (R$ 13 milhões), Reginaves (R$ 1,1 milhão) e pelo banco Schain (R$ 726.565,64). Consta nos autos que a ex-primeira-dama do estado não esclareceu nenhuma das suspeitas apontadas, permanecendo calada quando questionada sobre os repasses.

A justificativa apresentada por ela no depoimento foi o direito ao sigilo profissional. O Grupo EBX apresentou documentos ao MPF para comprovar o repasse. “Este fato ainda está sob análise e não é considerado por ora, apenas relatado”, diz o juiz federal.

O magistrado reforça na decisão que há “sérios indícios” de que não houve a prestação dos serviços relacionados aos pagamentos identificados. “Veja-se que algumas das empresas são concessionárias de serviços públicos ou mantinham estreito relacionamento com o governo do estado do Rio de Janeiro, então sob a responsabilidade de Sérgio Cabral, ora apontado como o líder da organização criminosa descrita.”

“A continuidade das investigações trouxe para os autos outros elementos que corroboraram as suspeitas iniciais. Assim, por exemplo, o MPF destaca que apenas uma minuta de instrumento de procuração entre o escritório Ancelmo Advogados e o Hotel Portobello S/A foi localizada na rede de computadores do escritório de advocacia, não sendo surpresa que o proprietário e administrador do hotel, Carlos Jardim Borges, tenha admitido à Polícia Federal que pelo pagamento de R$ 800.000,00 ao escritório da representada Adriana Ancelmo não houve qualquer serviço prestado.”

De acordo com Bretas, os supostos infiltrados seriam Wagner Jordão (apontado como operador de propinas do esquema) e Luiz Rogério Gonçalves Magalhães (ex-tesoureiro do Diretório fluminense do PMDB) — flagrados em grampos discutindo a prisão de Cabral três dias antes do ocorrido —, além de Fanny Regina da Silva Maia e seu marido, Pedro Henrique da Silva Maia, tios de Adriana Ancelmo, e Rodrigo Silva Ferreira dos Santos, primo da advogada, ex-chefe de gabinete do então secretário de Saúde Sérgio Cortes e atual vice-presidente do Detran-RJ.

“São fartos os elementos que apontam para a prática dos crimes de participação em organização criminosa e de lavagem de dinheiro pela requerida, notadamente como a responsável pelo escritório Ancelmo Advogados, aparentemente utilizado para recebimento de propinas e para o branqueamento de milhões de reais de origem espúria, bem como pelo esquema de compra de joias que ajudou a implantar, joias essas ainda não apreendidas nem entregues à Polícia Federal”, detalhou Bretas.

O magistrado aponta ainda que depoimentos sobre o recebimento de malotes de dinheiro a cada 15 dias, o pagamento de faturas de cartão de crédito em dinheiro vivo e a compra de joias também à vista são indícios que levantam suspeitas sobre a conduta de Adriana Ancelmo.

“É ainda desfavorável a Adriana Ancelmo a circunstância evidenciada nas investigações, e que aponta para o seu envolvimento direto em esquema de lavagem de dinheiro que teria movimentado mais de 6,5 milhões de reais para aquisição de joias de alto valor entre os anos de 2007 e 2016, inclusive a partir do seu escritório de advocacia”, detalha Bretas.

Adriana Ancelmo negou em seu depoimento que comprou joias em dinheiro vivo. De acordo com denúncia do MPF, as investigações identificaram registros em joalherias que comprovam a compra de pelo menos 189 joias desde o ano 2000. Na operação de busca e apreensão, que inclusive prendeu Sérgio Cabral, 40 peças foram apreendidas pela Polícia Federal no cofre da residência do casal.

“Tal constatação, como afirma o MPF, permite a conclusão de que a investigada Adriana Ancelmo permanece ocultando tais valiosos ativos, criminosamente adquiridos, eis que ainda não apreendidos pela Polícia Federal no cumprimento da ordem cautelar emanada deste Juízo, demonstrando a necessidade de renovação da medida cautelar anteriormente deferida”, afirma o juiz federal.

A ConJur entrou em contato com o escritório de Adriana Ancelmo, mas não obteve resposta.

Processo no TED
A seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil informou que seu Tribunal de Ética e Disciplina (TED) decidiu, nesta segunda-feira (5/12), reabrir processo disciplinar que apura a conduta da advogada Adriana Ancelmo. O andamento do processo será definido pelo presidente da corte, João Batista Lousada Câmara, nos próximos dias.

"O TED enviará uma petição à PF pedindo cópias do inquérito da Operação Calicute a fim de verificar se além da questão do patrocínio das concessionárias, há provas de lavagem de dinheiro ou favorecimento de empresas que tiveram vantagens tributárias", explica a entidade.

Em 2010 notícias publicadas pela imprensa questionavam os contratos firmados entre a banca de Adriana Ancelmo e empresas ligadas ao governo do Rio. Com base nessas notícias, a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro analisou uma possível infração ética da advogada e, em 2011, determinou o arquivamento do procedimento por entender que não houve qualquer infração.

Conforme a relatora do processo, Maria Adélia Campello Rodrigues Pereira, não há como enquadrar a advocacia exercida por Adriana Ancelmo como proibida ou que ofenda algum preceito ético. Em seu voto, pelo arquivamento, ela utiliza parecer do advogado Sérgio Bermudes no qual afirma que "não existe qualquer norma que impeça o cônjuge de quem ocupa chefia do Poder Executivo de Estado da Federação de exercer a profissão para a qual se encontra habilitado, em virtude do preenchimento dos requisitos legais".

A relatora considerou ainda esclarecimentos da própria Adriana Ancelmo, que afirmou que seu escritório atende, majoritariamente, empresas do Rio de Janeiro. Por isso, não é raro alguns de seus clientes terem contratos com o poder público estadual e, nessa condição, serem afetados diariamente por ação do Executivo estadual. Para a relatora, essa condição, demonstra que é preciso apenas que a advogada tenha um excesso de cautela em sua atividade profissional, mas não demonstra infração ética.

Luiz Silveira/Agência CNJ
Sérgio Cabral é acusado de cobrar propinas de empresas para conceder isenções fiscais.
Valter Campanato – Arquivo/Agência Brasil

Prisão dupla
Marido de Adriana, o ex-governador Sérgio Cabral foi preso no dia 17 de novembro. Ele é acusado de cobrar propina em contratos com o poder público. Outras sete pessoas investigadas também foram presas na ocasião.

O peemedebista foi alvo de dois mandados de prisão preventiva, um expedido pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, e outro pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. A ação em conjunto no Rio e em Curitiba tem como objetivo aprofundar investigações sobre um esquema que envolvia o pagamento de propinas para a execução de obras públicas no estado, como a reforma do Maracanã e a construção do Arco Metropolitano, e posterior ocultação desses valores.

Segundo o Ministério Público Federal, a organização criminosa envolve dirigentes de empreiteiras e políticos de alto escalação do governo do Rio de Janeiro. Cabral seria o líder do esquema. O prejuízo estimado é superior a R$ 220 milhões.

Em sua decisão, Moro aponta a quantia total ainda não foi localizada e há, assim, risco que os valores desapareçam, o que pode impedir sua recuperação. O juiz também apontou haver risco de fuga para o exterior.

Já o juiz Marcelo Bretas justificou a medida com base nos indícios de que os suspeitos estariam executando operações fraudulentas para lavar dinheiro e ocultar patrimônio. Ele também apontou que é preciso interromper as práticas criminosas para evitar que os produtos do crime sejam ocultados.

No dia 21 de novembro, Cabral teve um Habeas Corpus negado pelo desembargador Abel Gomes, da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ele justificou sua decisão citando que a defesa do ex-governador não comprovou ausência de justa causa para a prisão. Também não apresentou documentação capaz de instruir o pedido.

“Haja vista que o Habeas Corpus é uma ação constitucional e que, portanto, é ônus da parte impetrante instruí-la com base mínima para que o pedido possa ser conhecido pelo fundamento do art. 648, inciso I do CPP”, disse.

O desembargador também destacou que, além da falta de instrução correta, as outras questões apresentadas pela defesa "são teses abstratas que não encontram correspondência nas questões fáticas ligadas à competência e ao tempo de prisão". "Sendo assim, não há como conhecer do presente writ”, complementou o relator do caso no TRF-2.

Quatro dias depois, a Justiça do Rio de Janeiro bloqueou R$ 1 bilhão em bens do ex-governador fluminense Sérgio Cabral, da empresa multinacional Michelin e de outras cinco pessoas. A decisão atende a pedido do Ministério Público, depois que a Justiça considerou irregular a concessão de incentivos fiscais de R$ 1,03 bilhão à Michelin pelo governo do estado, a partir de 2010.

Clique aqui para ler a decisão que decretou a prisão preventiva de Adriana Ancelmo e aqui para ler a decisão que retirou o sigilo do processo.
Processo 0510203-33.2016.4.02.5101

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!