Linha sucessória

Advogados questionam decisão que afastou Renan da Presidência do Senado

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6 de dezembro de 2016, 11h25

Nesta segunda-feira (5/12), o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, afastou o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência do Senado. O ministro entendeu que, como o senador tornou-se réu numa ação penal, não pode ocupar um cargo que o deixe na linha sucessória da Presidência da República.

A decisão, comemorada por parte da população que saiu às ruas no domingo (4/12) em protestos pedindo a saída do senador, não foi tão bem recebida por advogados. O afastamento é questionado por diferentes motivos, e gera debates.

O primeiro motivo questionado é o argumento utilizado pelo ministro de um réu não pode ocupar cargo na linha sucessória à Presidência da República. Jurista e colunista da ConJurLenio Streck afirma que não é isso que diz o artigo 86, parágrafo 1º, I, da Constituição Federal. "Esse dispositivo só impede que o presidente do Senado venha a assumir a Presidência da República eventualmente, quando isso venha a acontecer. O dispositivo não impede que o Senador Renan fique na presidência do Senado. Essa interpretação é demasiado elástica", afirma.

Para Streck, a decisão demonstra, mais uma vez, o ativismo do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, ao afastar Renan Calheiros da presidência do Senado, o ministro citou as manifestações de rua. "Ora, a Suprema Corte não é porta voz do povo. Ao contrário: nela temos que ver a garantia contra maiorias exaltadas", critica o advogado em artigo publicado nesta terça-feira (6/12).

O entendimento de Streck vai ao encontro do que defende Pierpaolo Cruz Bottini. Em coluna publicada na ConJur, em novembro, quando o Supremo Tribunal Federal começou a julgar a ADPF 402 (que discute a tese de que réus não podem estar na linha sucessória da Presidência), Bottini apontou que a Constituição Federal efetivamente prevê que o presidente da República será suspenso de suas atribuições se recebida denúncia pela prática de crime comum relacionados ao exercício de suas funções.

"Por isso, o posto de presidente da República pode ser ocupado por réu em ação penal. O que a Constituição não admite é o exercício do cargo por alguém processado por crime relacionado ao exercício das funções de chefe do Executivo. Não há impedimento para que um réu processado por outro delito exerça — ou pretenda exercer — o cargo", complementa.

O advogado e professor de Direito Renato Ribeiro de Almeida aponta dois problemas principais neste debate sobre a linha sucessória. O primeiro trata de uma confusão na interpretação da Constituição sobre o suposto encadeamento de sucessores em caso de vacância do cargo de presidente da República. Em seu entendimento, há uma confusão entre sucessão e substituição. De acordo com Almeida, somente vice-presidente que sucede definitivamente o presidente da República. Os demais (presidente da Câmara, Senado e STF) são substitutos temporários para novas eleições (internas ou diretas, conforme o caso).

Além disso, Almeida observa que esta decisão cria uma nova causa de elegibilidade para presidente da Câmara e do Senado. "Embora haja restrições por parte da população ao nome do Renan Calheiros, ele foi eleito para presidente por seus pares, que compõem um poder autônomo", diz.

Presunção de inocência
O criminalista Aury Lopes Jr. questiona a necessidade desta decisão liminar. "Não vislumbro qualquer tipo de periculum in mora. Sequer existia alguma situação de possível assunção do cargo de presidente da República, pois não se demonstrou uma situação de afastamento, nem mesmo uma agenda de viagens iminentes do presidente da república. Então, não vislumbro cautelaridade alguma", afirma.

Mas para ele, o ponto mais grave é a flagrante violação da presunção de inocência, na medida em que Renan Calheiros é apenas acusado, sequer condenado e muito menos com trânsito em julgado. "Está sendo afastado diante de uma mera acusação. Para isso, deveria o afastamento revestir o caráter de cautelaridade, com demonstração de um suporte fático concreto, com suficiência de fumus boni iuris e periculum in mora. Não vislumbro nada disso", complementa o advogado e professor de processo penal.

Um criminalista, que pediu para não ter seu nome divulgado, afirma que a presunção de inocência de Renan Calheiros foi ferida. Para ele, a situação do senador é puramente responsabilidade política, e que a decisão do STF é uma resposta à tentativa do senador em votar em regime de urgência o projeto que surgiu a partir das 10 medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público. Em partes, ele credita o ato à uma resposta que o STF quis dar à população, mas reforça que a principal é voltada aos políticos, que tentaram atacar prerrogativas do Judiciário.

O advogado Luis Alexandre Rassi reforça o entendimento de que houve violação à presunção de inocência. "Renan é presumidamente inocente. Os atos dele como presidente do Senado são absolutamente invioláveis", afirma o criminalista. Para ele, dentro de um sistema Constitucional, é absurda qualquer divagação sobre o afastamento do presidente do Senado. "Seria como afastar o juiz Moro por suas convicções ideológicas. É abrir a porta do inferno. Assim como Moro, Renan também tem prerrogativas", conclui.

Cezar Roberto Bitencourt também questiona a legitimidade do Judiciário para afastar o presidente do Senado. Em sua opinião, somente o próprio Senado poderia fazer isso, através de seus mecanismos de controle. "Quem tem poder para eleger ou colocá-lo na Presidência é quem pode tomar decisão em sentido contrário, e nenhum dos outros dois poderes da República pode fazê-lo em circunstâncias de normalidade democrática. Essa deve ser, institucionalmente, a relação dignamente respeitosa da separação dos poderes em qualquer Estado Democrático de Direito que se prese. Aliás, pelas mesmas razões institucionais, nenhum dos membros dos Poderes da República pode 'tirar' o presidente dos outros poderes".

Fragmentação de Poder
A advogada constitucionalista Damares Medina lembra que o Brasil vive um quadro de fragmentação do poder e que a decisão do ministro Marco Aurélio não é discrepante das recentes decisões do tribunal.

Ela cita algumas. Há menos de um ano o ministro Teori Zavascki decretava a prisão cautelar do senador Delcídio Amaral, então líder do governo no Senado, sob o questionável fundamento de estado de flagrância em crime permanente. Cinco meses depois, ainda monocraticamente, o ministro Teori suspendia Eduardo Cunha do exercício do mandato de deputado federal, bem como da função de presidente da Câmara dos Deputados, que também está na linha sucessória da Presidência da República. Ambas as decisões foram ratificadas unanimidade pelo STF.

"Nesse contexto, a decisão do ministro Marco Aurélio é até mais comedida, ao passo que preserva claramente o mandato eletivo do senador Renan Calheiros, alcançando apenas o exercício da presidência do Senado. A liminar de Marco Aurélio, ao mesmo tempo em que atende um pedido superveniente da Rede, autora da ADPF 402, é didática do sentido de neutralizar o pedido de vista do ministro Dias Toffoli, que paralisava o processo decisório do Pleno do STF, mesmo com a maioria de seis votos proferidos em um mesmo sentido. A decisão fixa uma diretriz clara, pedidos de vista não podem sustar a posição da maioria do STF", encerra Damares Medina.

Situação insustentável
Segundo um constitucionalista que pediu para não ter seu nome divulgado, o afastamento de Renan Calheiros vai além da questão da moralidade na gestão da coisa pública, implicando no comportamento que o presidente, seja ele do Congresso ou da República, tem que ter: que é o convívio direto com representantes de outros poderes que podem vir a investigá-lo e julgá-lo. "A berlinda tira a legitimidade para atuar nesses cargos", diz.

O advogado ressalta que a presunção de inocência no caso de Renan Calheiros está mantida, pois lhe foi suspensa apenas a competência sobre o cargo conferido por votação dos parlamentares, e não o posto obtido em votação popular. Ele também diz que o afastamento ocorreu porque a ficou uma situação insustentável — o senador responde a 11 inquéritos no Supremo.

Outro fator que contribuiu para o afastamento de Renan Calheiros do posto, diz o constitucionalista, foi o constrangimento gerado com a tentativa de votar em regime de urgência o projeto que surgiu a partir das 10 medidas do Ministério Público, que inclui o crime de abuso de autoridade.

O advogado destaca ainda que a atitude demonstra certo desespero, não só de Renan Calheiros, mas da classe política, pois não há mais tentativas de dar uma aparência de normalidade para atos como esse. "Tudo o que está acontecendo no congresso é atípico", afirma.

A decisão de Marco Aurélio, continua o constitucionalista, foi boa por ter tratado apenas a questão do cargo em relação à possibilidade de ocupar a Presidência da República, não entrando nos méritos do posto ocupado pelo senador. Ele explica que, agora, a fumaça do bom direito está mais clara depois que seis ministros votaram a favor da ADPF 402, que trata da possibilidade de réus exercerem o cargo de presidente.

Já o perriculum in mora, diz o advogado, está no fato de Renan Calheiros ser réu. Mesmo assim, ele ressalta que o próprio Supremo mostrou certas dúvidas em relação à denúncia contra o senador — três ministros votaram contra a aceitação da denúncia por não estarem convencidos de que os documentos apresentados comprovam que o parlamentar teve contas pagas por um empreiteiro.

Em relação às comparações com a cassação de Eduardo Cunha, o constitucionalista destaca que, nesse caso, o ex-deputado federal também era acusado de tentar atrapalhar as investigações. Esse seria o ponto que motivou seu afastamento da presidência e do cargo de parlamentar, o que não ocorre com Renan Calheiros.

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