Sem capacidade

Suspeito algemado pela polícia não pode ser condenado por resistência

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4 de dezembro de 2016, 6h23

Suspeito que foi preso ou está imobilizado não incorre no delito de resistência, tipificado no artigo 329 do Código Penal. Afinal, nesta situação, ele está sem capacidade de decidir se deseja opor-se, ou não, à execução de um ato legal, mediante violência ou ameaça a servidor público. Com este entendimento, a Turma Recursal Criminal, dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, inocentou um homem condenado pelo crime de resistência em Carazinho.

Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público, os fatos aconteceram quando o réu foi abordado por policiais militares. Ao perceber a movimentação antes da abordagem, o suspeito colocou a droga (quatro pedras de crack) na boca, negando-se a abri-la para os policiais. Ao ser contido, o homem se debateu, acabando por derrubar dois PMs no chão, que se feriram.

O juiz Bruno Massing de Oliveira, da 2ª Vara Criminal de Carazinho, admitiu a denúncia em sua integralidade, condenando o réu nas sanções dos artigos 329, caput (resistência), do Código Penal; e 28, caput (carregar droga para consumo pessoal), da Lei 11.343/2016. Na dosimetria, ele foi sentenciado à revelia à pena de dois meses de detenção — sendo concedido o sursis, a dispensa do cumprimento de uma pena — e um mês de prestação de serviços comunitários.

Especificamente no caso do delito de resistência, o juiz entendeu que a materialidade e a autoria do fato criminoso ficaram comprovadas pelo Boletim de Ocorrência, pelos atestados médicos dos policiais militares que atenderam a ocorrência policial, bem como pela prova testemunhal colhida na fase de instrução do processo.

“A resistência por parte do réu restou sobejamente comprovada, pois, ao ser ordenado ao acusado que cuspisse o que tinha dentro de sua boca, já que se encontrava em local ermo e em atitude suspeita, ele opôs-se mediante violência. Tanto é verdade que os policiais que atenderam a ocorrência confirmaram que tiveram que se utilizar do uso moderado da força para conter o réu, o qual estava bastante agressivo e alterado”, anotou na sentença.

Sem autonomia
Analisando a imputação de crime de resistência, o juiz Luís Gustavo Zanella Piccinin, relator do recurso na Turma Recursal Criminal, teve entendimento diferente, sendo acompanhado pelos outros dois integrantes do colegiado. Para ele, há “fundada dúvida” quanto à adequação típica do fato que se imputa ao réu. É que a denúncia fala em resistência à abordagem por parte do réu, que não teria obedecido à “ordem de abrir a boca” para averiguação.

“Estando o sujeito ativo do crime preso e, portanto, sem capacidade de autodeterminação, ou de escolher se pratica ou não o ato ou atende ou não a ordem, porque privado da própria vontade e voluntariedade do ato, não se cogita de que possa ele realizar a figura típica penal da resistência’’, discorreu no voto. A seu ver o “desforço” empregado para evitar a prisão não configura o crime, pois se encontra no plano da resistência em sentido coloquial, no sentido de discordar da prática do ato de prisão pelo estado-autoridade.

“Como se viu no caso presente, ele terminou por ser dominado e algemado pelo uso moderado de força por parte dos agentes públicos, resultando igualmente com escoriações pelo corpo, como atesta o documento da fl. 10, não se constituindo a dita resistência meio idôneo e suficiente para impedir o cumprimento do ato legal de prisão e condução à autoridade policial, conforme noticiado pelas testemunhas na instrução. De tudo, resulta dúvida fundada entre o que está na denúncia e o que se apurou, merecendo pois juízo absolutório”, concluiu.

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