Reflexões Trabalhistas

A ação civil pública e a competência territorial das varas do trabalho

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2 de dezembro de 2016, 7h00

A Consolidação das Leis do Trabalho cuida da competência territorial das Varas do Trabalho apenas no artigo 651, estabelecendo como regra geral a competência da vara da localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador. Sabemos todos, ademais, que neste tema a Consolidação das Leis do Trabalho ocupa-se apenas do processo individual.

A regra aqui estabelecida privilegia o empregado, buscando garantir o seu acesso ao Poder Judiciário, daí resultando o entendimento pacífico de que no processo do trabalho não se admite o foro de eleição. E a proibição da escolha de foro tem dupla finalidade: evitar a eleição de foro que dificulte ou impeça o acesso à Justiça, e impedir expedientes no sentido de escolher determinado foro, com o objetivo de fraudar o princípio do juízo natural.

No que se refere à ação civil pública, cabível no nosso processo, mas de que a CLT não se ocupa, a questão da competência territorial resulta estabelecida pela Orientação Jurisprudencial 130 da SBDI-II do Tribunal Superior do Trabalho. Inicialmente a OJ 130 da SBDI-II, editada no ano de 2004, assim estabeleceu:

“Nº 130. Ação civil pública. Competência territorial. Extensão do dano causado ou a ser reparado. Aplicação analógica do art. 93 do código de defesa do consumidor. Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública, cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das varas do trabalho da capital do estado; se for de âmbito supra-regional ou nacional, o foro é o do Distrito Federal.”

Como já dissemos alhures, diante do excessivo o número de feitos ajuizados perante as Varas do Trabalho do Distrito Federal, alterou o Tribunal Superior do Trabalho, em setembro de 2012, aquela regra dando nova redação à referida OJ nº 130, que passou a ser a seguinte:

“130. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI Nº 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART. 93
 I – A competência para a Ação Civil Pública fixa-se pela extensão do dano.
II – Em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais do Trabalho distintos. 
III – Em caso de dano de abrangência suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a Ação Civil Pública das varas do trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho. 
IV – Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido distribuída.”

Referida modificação da regra da competência territorial apenas deixou a critério do autor da ação civil pública fixar a extensão pretendida territorialmente para a sentença buscada em seu pedido inicial e, em função deste fato, ajuizar a ação na Vara do Trabalho que possibilite a tramitação da ação com respeito aos princípios do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa.

Assim, permitindo como é próprio do processo coletivo, a extensão dos efeitos da sentença coletiva, nos termos do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, ao local do dano, ao limite à jurisdição estadual, ou a todo o território nacional, pode o autor optar pelo ajuizamento perante a vara que assegure a  correta tramitação da ação.

E, como já afirmamos, constitui obrigação da parte autora a obediência  ao princípio do juízo natural, sendo vedado valer-se de artifícios processuais, buscando sonegar ao juízo a prova necessária para a melhor instrução processual, nem frustrar o réu das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Portanto, segundo a nova redação da OJ 130 da SBDI-II do TST, resulta a obrigação do autor que almeja uma sentença com efeitos apenas locais limite a prova a ser produzida aos fatos ali ocorridos, mas almejando uma decisão nacional produza prova que alcance as várias regiões brasileiras, o que desloca a competência para o Distrito Federal, em respeito ao princípio do devido processo legal. Veja-se a propósito a recente decisão do TST a respeito:

“RR-68900-45.2008.5.13.0009. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LIMITES DA EFICÁCIA TERRITORIAL. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 130 DA SDI-2. A Orientação Jurisprudencial 130 da SBDI-2 do TST já pacificou o entendimento no sentido de que a decisão proferida em sede de ação civil pública possui eficácia erga omnes, porém limitada à área de competência territorial do foro em que foi proposta, no caso, a Vara do Trabalho de Campina Grande. Logo, não prospera a pretensão do Ministério Público, de estender os efeitos da decisão a uma área de abrangência maior. Ad argumentandum, para se acolher a pretensão do Ministério Público, consoante os termos da OJ 130/SDI-1, necessário que a propositura da ação tivesse ocorrido nas capitais dos respectivos estados ou no Distrito Federal. Incidência do artigo 896, § 4º, da CLT c/c a Súmula 333/TST a obstar o seguimento do recurso de revista. Recurso conhecido. Brasília, 28 de Setembro de 2016. ALEXANDRE AGRA BELMONTE – Ministro Relator.

Revela a decisão recente que mesmo após a modificação da OJ nº 130 da SBDI-II do TST a regra aplicável à competência territorial na ação civil pública prende-se ao objetivo da extensão dos efeitos da sentença almejada e a garantia da regularidade da prova a ser produzida.  Assim, não pode o autor, tentando dar eficácia nacional a determinada decisão, limitar a prova produzida a poucos depoimentos de pessoas que apenas trabalharam em determinada cidade ou região, pois referida prova não serve a demonstrar a realidade nacional. Neste caso deverá ser ajuizada a ação numa das Varas do Trabalho do Distrito Federal, a fim de que seja garantido o efetivo direito ao contraditório e à ampla defesa.

A propósito, este é o entendimento jurisprudencial e doutrinário a respeito, como se vê das lições da professora Ada Pelegrini Grinover, ao afirmar que a competência territorial é do Distrito Federal quando o dano é de âmbito nacional, para evitar o que denomina de “casuísmo irracional” e ofensa ao sistema confederativo (Das ações coletivas para a defesa dos interesses individuais homogêneos in CBDC, Forense, RJ, 2000, p. 779). É fato que ocorre um acúmulo de ações perante o foro do Distrito Federal, mas há de se garantir, como referido, o respeito aos princípios constitucionais do artigo 5º II e LV, da Constituição Federal.

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