Olhar Econômico

Seguradoras buscam transferir o seu risco às transportadoras

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

1 de dezembro de 2016, 7h35

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]A ocorrência de roubo de carga é fato comum e crescente nos dias atuais, diante da notória insegurança pública que assola o Brasil. Empresas do setor de transporte, seguradoras e a sociedade em geral são prejudicadas por tal situação. Dentre outras dificuldades enfrentadas pelas empresas, o mencionado crescimento do número de roubos de carga, quer em estradas, quer nos grandes centros urbanos, tem aumentado o custo Brasil, bem como contribuído para o crescimento do número de demandas no Poder Judiciário.

Ao contratar o serviço de transporte de carga, há possibilidade de o contratante optar por assumir o gerenciamento do risco, mediante a livre contratação de seguro próprio e com a garantia de serem indenizadas na hipótese de roubo da carga transportada, dentre outras coberturas previstas no contrato de seguro de responsabilidade civil. Há, ainda, empresas transportadoras que oferecem aos seus clientes serviços diferenciados de alta qualidade em segurança:  exemplificativamente a escolta armada.

As seguradoras, com base no risco apresentado pelo segurado no ato da contratação, estabelecem os limites das coberturas e o respectivo prêmio e, após o recebimento deste último, garantem indenização relativamente ao evento coberto. Ocorrido o sinistro, tais companhias, após indenizarem pelo roubo da carga transportada e, em razão de subrogarem-se no direito do segurado têm buscado, regressivamente, o ressarcimento de valores pagos perante a empresa transportadora, a título de indenização.

Por sua vez, a defesa das empresas transportadoras cinge-se,  fundamentalmente, ao seguinte: (i) inaplicabilidade da responsabilidade objetiva na relação contratual mantida com o segurado e contratante do transporte, por ser a mesma de natureza estritamente cível-comercial; (ii) caracterização de caso fortuito e força maior, por ser o roubo de carga fato desconexo e externo ao contrato de transporte, firmado com o segurado e constituindo clara hipótese de excludente de responsabilidade civil; (iii) o fato de a seguradora, por ter, no exercício de sua atividade econômico-empresarial, avaliado os riscos apresentados, fixado o preço do prêmio e recebido do segurado o valor correspondente, não poder, por meio de ação regressiva, transferir a terceiros os riscos por ela assumidos perante o  segurado, sob pena de incidir em enriquecimento sem causa.

A fundamentação constitucional e legal que dá guarida às empresas transportadoras é incisiva e abundante. Além do princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso II; e da responsabilidade do Estado pela segurança pública, inscrito no artigo 144, ambos da Constituição Federal; há várias disposições do Código Civil; o artigo 17, do Decreto 2.681, de 7 de dezembro de 1912 ; o artigo 16, inciso V, da Lei  9.611, de 19 de fevereiro de 1998 ; e o artigo 14, § 3º, inciso II, da Lei  8.078, de 11 de setembro de 1990 .

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, o roubo de carga constitui fortuito externo ao contrato de transporte, de modo que a transportadora, independentemente de ter tomado ou não providências suplementares quanto à segurança do serviço, não responde pelo ato ilícito praticado por terceiros, não sendo exigível da transportadora a responsabilização pela não contratação de escolta armada, sendo que que tal serviço é disponibilizado aos clientes, mediante cobrança do custo correspondente. Vejam-se os seguintes precedentes:

(AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº. 175.821 – SP (2012/0092093-8), Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data do Julgamento 23/08/2016, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 05/09/2016).

(AgRg no RECURSO ESPECIAL 1.374.460 – SP (2012/0212443-6), Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data do Julgamento 02/06/2016, T3, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09/06/2016).

(AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº. 470.520 – SP (2002/0107981-9), Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data do Julgamento: 26/06/2003, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 25/08/2003).

(AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 910.107 – SP (2007/0151582-4), Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data do Julgamento 06/05/2008, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 23/05/2008).

(AgRg no RECURSO ESPECIAL 1.241.124 – RS (2011/0050124-8), Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, Data do Julgamento 18/08/2015, Data de Publicação: DJ 27/08/2015).

(AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO 1.234.973 – SP (2009/0181276-2), Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA Data do Julgamento 05/05/2011, Data de Publicação: DJ 12/05/2011)

(EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº. 1.172.027 – RJ (2012/0039337-7), Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, Data do Julgamento 18/12/2013, Data de Publicação: DJ 19/03/2014).

(AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº. 408.398 – SP (2013/0335635-9), Relator Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 22/10/2013, Data de Publicação: DJ 07/11/2013) .

(RECURSO ESPECIAL Nº. 976.564 – SP (2007/0199688-7), Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, Data do Julgamento 20/09/2012, Data de Publicação: DJ 23/10/2012) .

(AgRg no REsp 1036178/SP, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, Data do Julgamento 13/12/2011, Data de Publicação: DJ 19/12/2011) .4. CONCLUSÕES

Examinados os fatos e verificada a legislação aplicável, forçoso é concluir que a jurisprudência firmada no STJ representa o melhor direito na espécie, pois:

a) não se aplica a responsabilidade objetiva na relação contratual mantida entre a transportadora e o eventual contratante dos serviços de transporte, por ser a mesma de natureza estritamente cível-comercial, além de pautada pelos princípios da boa–fé objetiva, do equilíbrio do contrato, da equivalência das obrigações, da validade da proposta e da força imanente dos contratos;

b) A responsabilidade da transportadora restringe-se à correta prestação dos serviços de transporte, sendo que o roubo a mão armada não tem nexo causal com a atividade empresarial desempenhada pela transportadora, ou seja, eventual indenização decorrente deve ser suportada, exclusivamente, por quem firmou contrato de seguro, responsabilizando-se por tal garantia, (artigo 780, do Código Civil), em razão do prêmio do seguro recebido pela seguradora contratada pelo contratante dos serviços;

c) a seguradora assumiu o risco contratado pelo seu segurado e contratante dos serviços de transportes perante a transportadora, cobrou e recebeu integralmente o valor correspondente às coberturas contratadas. Logo, não pode transferir à transportadora o risco inerente à sua atividade econômico-empresarial. Frise-se que a seguradora é remunerada pelo valor do prêmio por ela fixado e de acordo com o risco assumido;

d) o roubo de carga a mão armada é fato desconexo e externo ao contrato de transporte e constitui nítida hipótese de excludente de responsabilidade civil da transportadora, em razão da caracterização de caso fortuito e força maior, conforme entendimento pacífico da Jurisprudência.

Autores

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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