Empurra-empurra

Atrito entre PM e Polícia Civil deixa 15 presos sem audiência de custódia

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1 de dezembro de 2016, 7h18

Embora somente um corredor separe a carceragem e as duas salas de audiência do Fórum de Osasco, na Grande São Paulo, a longa discussão sobre quem deveria escoltar presos por esse caminho abriu um problema institucional que mobilizou a Secretaria da Segurança Pública, envolveu o Tribunal de Justiça do estado e deixou 15 detidos em flagrante sem a garantia de serem ouvidos por um juiz em até 24 horas — direito previsto pelas audiências de custódia.

No dia 24 de novembro, nem a Polícia Civil nem a Polícia Militar assumia o dever de fazer o acompanhamento. Além de a controvérsia ter deixado juízes, promotores e defensores esperando por quase quatro horas, 15 dos 35 presos tiveram de ser levados de volta à delegacia porque não houve tempo para ouvi-los. No dia seguinte, as duas juízas responsáveis pelas audiências definiram que não tinham mais competência para analisar a situação, pois os casos criminais já haviam sido distribuídos aos juízes naturais. Ou seja: todos eles perderam o direito desse encontro pessoal.

Segundo o diretor do fórum, juiz Samuel Karasin, representantes da PM local entendiam que a corporação tem função de polícia preventiva, e não judiciária, enquanto policiais civis consideravam que a escolta dentro do fórum não seria sua atribuição. A Secretaria da Segurança Pública foi acionada no mesmo dia, e a Polícia Militar ficou com a tarefa.

Uma norma publicada pela pasta em outubro já define que, fora da capital paulista, a PM “será responsável por todas as movimentações do preso nas dependências do fórum”. O problema é que outra norma, publicada um dia antes pelo Comandante-Geral da PM, diz que “a movimentação de preso no interior do fórum por Policial Militar se restringe ao acompanhamento a Policial Civil no deslocamento do custodiado”.

A Defensoria Pública, que representa presos sem advogados, apresentou nesta quarta-feira (30/11) pedido de Habeas Corpus “multitudinário”, para tentar liberar oito pessoas que não foram ouvidas. Os demais já tiveram situação analisada pelo juiz natural. 

Sem hora extra
As audiências daquela data só começaram depois do meio-dia, mas tiveram de terminar em pouco mais de uma hora. O diretor do fórum afirma que não houve má vontade dos envolvidos, apenas um problema estrutural: as mesmas salas são usadas durante a tarde por outros juízes, em processos criminais; já havia terminado a jornada de médicos legistas, responsáveis pelo exame de delito e por avaliar eventuais relatos de tortura policial; e presos em flagrante não poderiam ficar na mesma carceragem que réus de ações em andamento.

Kasarin diz que já ocorreram impasses em outras comarcas, mas a situação em Osasco foi atípica, inclusive pela quantidade de presos, maior do que a média e provocada por uma operação policial. O juiz nega qualquer prejuízo aos suspeitos ou descumprimento de normas do TJ-SP e do Conselho Nacional de Justiça que regulam a prática. Ainda segundo ele, todo o caso foi comunicado à Presidência e à Corregedoria do Tribunal de Justiça.

Em nota, o TJ-SP afirmou ter atuado regularmente, pois “servidores e juízes estavam à disposição e, portanto, não houve descumprimento das regras internas relativas às audiências de custódia”. Também declarou que “não ocorreram mais divergências e as apresentações dos presos para as audiências de custódia têm ocorrido regularmente”.

A SSP disse que “o episódio citado foi pontual, sem outros registros de conflitos, e já foi superado”. Segundo a secretaria, todas as escoltas “obedecem exatamente ao texto da Resolução SSP 102/2016, que normatiza o procedimento para todo o Estado”. A revista eletrônica Consultor Jurídico questionou se a pasta considera a norma clara e se avalia contraditório o texto do Comando-Geral da PM, mas não teve resposta.

Garantia constitucional
O Supremo Tribunal Federal considerou, em 2015, “obrigatória […] a realização da audiência de apresentação desde logo e em todo o território nacional”, mesmo tendo sido regulamentada em São Paulo por norma administrativa, pois ainda não há lei específica sobre o tema.

Para a corte, a iniciativa segue a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que entrou no ordenamento jurídico brasileiro em 1992 — tendo, portanto, ordem supralegal. Em seu artigo 7º, inciso 5º, o documento estabelece que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”.

O Judiciário paulista foi o primeiro a adotar o modelo do CNJ, a princípio na capital e chegou à Grande São Paulo em abril, dentro de um cronograma de expansão pelo interior. 

Na noite desta quarta (30/11), o Senado aprovou projeto de lei que regulamenta as audiências de custódia.

* Texto atualizado às 11h15 do dia 1/]/12/2016 para correção.

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