Mandato interrompido

Impeachment é aprovado e Dilma Rousseff é destituída pelo Senado

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31 de agosto de 2016, 13h49

O Senado aprovou na tarde desta quarta-feira (31/8) a destituição da presidente Dilma Rousseff (PT). Ela estava afastada desde 12 de maio, quando a casa abriu o processo de impeachment contra ela. Com isso, Michel Temer (PMDB) assumiu o cargo em definitivo às 16h52, no Congresso Nacional.

Marri Nogueira/Agência Senado
'Segundo mandato de Dilma Rousseff durou um ano e nove meses.

Ao todo, 61 senadores concluíram que a petista cometeu crime de responsabilidade ao atrasar repasses aos bancos estatais, na prática conhecida como pedaladas fiscais, e ao assinar decretos autorizando a abertura de créditos suplementares sem a autorização do Congresso.

Contudo, Dilma não foi inabilitada para exercer funções públicas por oito anos. 42 senadores votaram por este impedimento, 36, contra, e houve três abstenções. Assim, não houve os dois terços necessários para a imposição dessa pena, e a petista poderá dar aula em universidades públicas ou prestar consultoria a governantes – atividades que ela tem interesse em exercer, segundo a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), sua amiga pessoal.

A separação das penas de perda do cargo e inabilitação é polêmica. A Constituição, em seu artigo 52, parágrafo único, estabelece que nos processos de impeachment, o Senado fica limitado a condenação "à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis".

Ao julgar um Mandado de Segurança do ex-presidente Fernando Collor em 1993, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a condenação à perda do mandato é indissociável da inabilitação.

Temer — que antes de ser presidente foi professor da PUC-SP —, em seu livro Elementos de Direito Constitucional, tem visão semelhante à do STF. "[A inabilitação] Não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal. (…) Assim, porque responsabilizado, o presidente não só perde o cargo como deve afastar-se da vida pública, durante oito anos, para 'corrigir-se', e só então deve poder a ela retornar".

Dilma é a segunda presidente do Brasil a ser destituída via impeachment em 24 anos. Desde o fim da ditadura militar, em 1985, apenas dois dos quatro mandatários eleitos concluíram todos seus mandatos — Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

Luta não acabou
Em pronunciamento oficial, Dilma afirmou que sua destituição “entra para a história das grandes injustiças”. “Os senadores que votaram pelo impeachment rasgaram as páginas da Constituição Federal. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar”.

Segundo Dilma, essa “farsa jurídica” promovida por “um grupo de corruptos” conservadores e reacionários atinge não só ela, mas todos que lutam pela democracia, direitos trabalhistas, educação, saúde e igualdade racial, sexual e de gênero.

No entanto, a agora ex-presidente deixou claro que não abaixará a cabeça e convocou todas as entidades progressistas a fazerem “lutarem juntos contra o retrocesso e pelo restabelecimento pleno da democracia”.

Citando o sociólogo Darcy Ribeiro, ela ainda garantiu que “não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores”, apontando que a história será “implacável” com eles.

Cerco à petista
O segundo mandato de Dilma – conquistado com uma diferença de 3,5 milhões de votos sobre seu concorrente, Aécio Neves (PSDB) – foi tumultuado desde que ela nomeou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e adotou medidas de austeridade fiscal semelhantes às que demonizara na campanha eleitoral para combater a crise econômica.

Logo no início de 2015, o governo decidiu romper a aliança com o PDMB para eleições de presidentes das casas legislativas. Com isso, Eduardo Cunha (PDMB-RJ) assumiu a liderança da Câmara dos Deputados com uma postura combativa a Dilma. Esta não fez grandes esforços para dialogar com parlamentares, e foi assistindo a uma progressiva redução de sua base de apoio.

Ao mesmo tempo, a operação “lava jato” aprofundou-se cada vez mais, e chegou a nomes importantes do PT, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-deputado federal André Vargas e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto. Em acordos de delação premiada, lobistas, empresários e antigos diretores da Petrobras declararam que empreiteiras obtinham contratos em troca do pagamento de propina ao partido — e a outras legendas, como PMDB e PP —, jogando suspeitas sobre as doações à campanha de Dilma à reeleição.

Cunha também caiu na rede da força-tarefa, acusado de receber valores de corrupção e mantê-los em contas secretas na Suíça. Ameaçado, o deputado passou negociar com parlamentares petistas o arquivamento tanto de seu processo de cassação quanto dos pedidos de impeachment que vinham sendo apresentados contra a presidente. Os integrantes do PT, no entanto, não levaram o compromisso adiante. Diante disso, o presidente da Câmara aceitou um dos requerimentos contra Dilma.

O pedido, contudo, não acusava Dilma de corrupção ou alguma ilicitude relacionada à “lava jato”. O motivo encontrado para pedir sua destituição foi orçamentário. Segundo os autores, os advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Filho e Janaína Paschoal, a presidente cometeu crime de responsabilidade ao atrasar repasses para pagamentos de benefícios sociais ao Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal e ao autorizar a abertura de créditos suplementares sem a autorização do Congresso.

Em sua defesa, comandada por José Eduardo Cardozo, que foi ministro da Justiça e advogado-geral da União, Dilma Rousseff alegou que as pedaladas fiscais não configuram operação de crédito, e que o próprio Congresso admite a ampliação do orçamento via decretos. De acordo com Dilma, as acusações eram um mero pretexto para disfarçar um golpe de Estado.

A Câmara dos Deputados aprovou o prosseguimento do impeachment em 17 de abril, e em maio ela foi afastada pelo Senado.      

Instrumento falho
Mas esse debate se houve ou não um golpe contra Dilma só existe porque o impeachment é um mecanismo falho. Suas imperfeições decorrem de sua natureza dupla político-jurídica e o cisma que ele gera perante o resultado das urnas. A combinação torna o instrumento inócuo no objetivo de responsabilizar governantes e corrigir a administração pública. Em outras palavras: o desgaste de um processo de impeachment é desproporcional à solução que dele é esperada.

A ideia de Dilma de apoiar um plebiscito para a convocação de novas eleições, porém, também é apontada como sem base constitucional, uma vez que a Carta Magna estabelece que os pleitos só podem ocorrer a cada quatro anos. E uma emenda que alterasse essa regra violaria o direito adquirido ao mandato.

Assim, uma eleição só poderia ocorrer caso Temer deixe o cargo, seja por cassação do mandato no Tribunal Superior Eleitoral, impeachment ou renúncia.

Presidente advogado
Efetivado no cargo, Michel Temer é o 22º presidente formado em Direito, do total de 41. Não à toa, o país ganhou o apelido de a “República dos Bacharéis” no início do século XX. Porém, ao contrário de ex-presidentes que se formaram em Direito, mas não trabalharam na área, como José Sarney e João Goulart, Temer possui longa experiência no ramo. Ele foi advogado e procurador do estado de São Paulo por mais de 20 anos antes de entrar de vez para a política. Além disso, deu aulas de Direito Constitucional e escreveu livros sobre o assunto.

A leitura das obras revela quais são as principais posições do presidente. Por meio delas, é possível concluir que Temer se coloca como um defensor da Constituição, simpatizante do parlamentarismo, favorável à redução de impostos e contrário a medidas intervencionistas na economia e no Judiciário.

*Texto atualizado às 14h13, às 15h29, às 15h50, às 16h04, às 16h12 e às 16h52 do dia 31 de agosto de 2016 para acréscimo de informações.

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