Competência expansiva

Menos de 3% dos mandados da "lava jato" foram cumpridos no Paraná até agora

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30 de agosto de 2016, 7h07

Menos de 3% dos mandados da operação "lava jato" foram cumpridos no Paraná até agora. Desde sua primeira fase, em março de 2014, até o dia 22 de agosto deste ano, foram cumpridas 987 ordens judiciais, entre mandados de busca e apreensão, prisão preventiva, prisão temporária e condução coercitiva. E só 24 dessas ordens foram no Paraná. O resto se dividiu entre dez estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Bahia, Pernambuco, Ceará, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso.

O levantamento foi feito pelo escritório do advogado José Carlos Cal Garcia, que defende os executivos da construtora OAS na operação “lava jato”. A companhia é representada por Garcia e pelos advogados Antônio Acir BredaRoberto Telhada, Edward Carvalho, André Szesz, Juliano Breda e Leandro Pachani.

Tipo de mandado

Total

No Paraná

Busca e apreensão

653

13

Prisão preventiva

62

2

Prisão temporária

96

3

Condução coercitiva

180

6

Total

987

24

Segundo os advogados, os números são mais um elemento a demonstrar que 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba não tem competência para julgar os processos ligados ao caso, que apura denúncias de corrupção em contratos da Petrobras.

De acordo com a pesquisa, foram 653 mandados de busca e apreensão, 13 deles no Paraná. Mandados de prisão foram foram 158, 62 de prisões preventivas e 96, temporárias. Cinco foram cumpridos no Paraná: três mandados de prisão temporária e dois, de preventiva. As conduções coercitivas, quando alguém é levado à força para depor, foram 180, mas só seis no Paraná.

Até agora, a única fase em que foram cumpridos mais de dois mandados no Paraná foi a primeira, ainda em março de 2014. Naquela fase, foram 81 mandados de busca e apreensão, nove na cidade que seria a sede oficial da “lava jato”. Das 28 prisões, só duas foram no Paraná.

Origem
Com os números, a defesa da OAS busca argumentar pela incompetência da Justiça Federal no Paraná para julgar o caso. A empreiteira chegou a apresentar uma exceção de incompetência ao juiz Sergio Moro, titular da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde corre a “lava jato”, mas ele negou o pedido.

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Segundo Moro, processos da operação estão sob os cuidados dele por causa dos crimes de lavagem cometidos por Youssef.
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Segundo Moro, os processos da operação estão sob os cuidados dele por causa dos crimes de lavagem de dinheiro cometidos por Alberto Youssef, cuja empresa tinha sede em Londrina, no Paraná. Ele apareceu na história como o doleiro que lava dinheiro para a empresa Dunel, de propriedade do ex-deputado federal José Janene (PP-SP), morto em 2010.

No entanto, de acordo com Moro, no decorrer das investigações foi descoberto que Youssef não prestava serviços apenas para a Dunel, mas também para diretores da Petrobras, que recebiam propina para fraudar licitações e superfaturar obras em benefício de um cartel de empreiteiras.

Embora essa construção nunca tenha sido levada à apreciação da Justiça, conforme mostrou reportagem da ConJur, Moro afirma que é competente para julgar a “lava jato” porque os crimes da Petrobras têm origem em Youssef. E o doleiro deve ser julgado por ele porque, em 2006, fez um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal nas investigações do caso Banestado.

No acordo, Youssef se comprometia a não cometer mais crimes durante dez anos. E, como voltou a cometer, a competência para julgar seria da 13ª Vara.

“Nos feitos alusivos à assim denominada operação 'lava jato', já que têm por objeto, entre outros crimes, outros atos de lavagem praticados através do escritório de Alberto Youssef, possível o reconhecimento da prevenção deste Juízo nos termos expressos do artigo 71 do CPP”, escreveu Moro, na sentença sobre a exceção de incompetência.

O dispositivo a que ele se refere diz: “Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”.

Juiz natural
A OAS contesta essa explicação. Afirma que, se o critério definidor para a competência é o crime original de lavagem de dinheiro para a Dunel, a “lava jato” deveria correr em São Paulo, onde ficava a empresa. E onde José Janene morava.

Moro também alega que Carlos Habib Chater fazia depósitos nas contas da empresa de Youssef por meio de seu posto de gasolina, o hoje famoso Posto da Torre, da onde Polícia Federal tirou o nome “lava jato”. O posto fica no Setor Hoteleiro Sul, em Brasília, e não no Paraná.

Essas informações, segundo a OAS, comprovam que não foi obedecido o critério de territorialidade para a distribuição dos processos da “lava jato”. Em Habeas Corpus impetrado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região contra a sentença de Moro, a companhia diz que ele fez prevalecer o critério da prevenção, um critério secundário de distribuição, para se declarar competente para julgar o caso.

Segundo a empresa, o juiz federal arguiu a prevenção no caso porque Youssef incorreu em continuidade delitiva. Portanto, Moro considera que os crimes do caso Banestado, que aconteceram entre 1996 e 2002, fazem parte dos mesmos crimes apurados na “lava jato”, que investiga corrupção em contratos da Petrobras a partir de julho de 2006, o que, conforme a OAS, “não faz o menor sentido”.

“Não há mínimas condições legais de se falar em continuidade delitiva”, diz o HC. “No presente caso, a prevenção foi estabelecida em relação ao autor dos fatos, o que é absolutamente inadmissível no âmbito de um Estado Democrático e de Direito.”

Manipulação
A mesma alegação é feita pela defesa do executivo Rogério Cunha de Oliveira, ex-diretor de óleo e gás da Mendes Junior. Em apelação apresentada ao TRF-4 em nome do executivo, o advogado Ademar Rigueira Neto explica que a origem das investigações é um inquérito que apurava lavagem de dinheiro por José Janene.

Só a tramitação do inquérito contra Janene na primeira instância já é “controversa”, diz o advogado, já que, na época, ele tinha prerrogativa de foro por função no Supremo Tribunal Federal. Portanto, afirma Rigueira, “houve manipulação da competência do inquérito que investiga a conduta de José Janene”.

Logo depois foi descoberta a relação entre Janene e Youssef. E Moro chegou a reconhecer que a presença de um investigado com prerrogativa de foro o afastaria do caso. Mas, em vez de enviar os autos ao Supremo, decidiu separá-los e enviar à corte apena a parte que falava em Janene.

Segundo Ademar Rigueira, ao fazer isso, Moro deliberadamente usurpou a competência do Supremo para julgar o caso. Prova disso, continua a apelação, é que Moro orientou Youssef a, em seus depoimentos prestados em delação premiada, não nomear pessoas com prerrogativa de foro, justamente para não tirar o caso da 13ª Vara.

“É evidente, portanto, o manejamento da prova produzida de forma a impedir o processamento do feito pelo juiz natural da causa, que é o Supremo Tribunal Federal”, conclui a peça.

*Texto alterado às 9h52 do dia 30/8 para acréscimos.

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