Opinião

Nova Identificação Civil Nacional trará economias expressivas ao poder público

Autores

  • Marcelo Dias Varella

    é secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça Doutor e Livre-Docente em Direito.

  • Clarice G. Oliveira

    é diretora na Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Cidadania doutoranda em Direito mestre em Ciência Política e especialista em políticas públicas e gestão governamental.

30 de agosto de 2016, 6h07

O Brasil tem buscado, nos últimos anos, dar saltos importantes na desburocratização e oferta de serviços públicos com o uso de novas tecnologias. Com o objetivo de facilitar a vida do cidadão, um dos projetos que se destaca é a nova Identificação Civil Nacional, conforme substitutivo apresentado pelo Relator Deputado Júlio Lopes ao Projeto de Lei 1.775, de 2015.

Em meados de 2015, por iniciativa conjunta entre o Tribunal Superior Eleitoral e o Poder Executivo, decidiu-se enviar ao Congresso Nacional Projeto de Lei que viabiliza o aproveitamento dos esforços já realizados pela Justiça Eleitoral na coleta da biometria dos brasileiros para a consecução de políticas públicas por parte do governo. Busca-se combinar informações já em posse do Executivo por meio de barramento entre as bases de dados biográficas existentes e a base de dados biométrica do TSE.

A base biográfica é composta por informações cadastrais da previdência social, dados dos contribuintes e do Sistema Nacional de Informações do Registro Civil (SIRC), entre outras. Em termos concretos, trata-se de dados gerais do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), do Cadastro de Pessoa Física (CPF), e de registros de nascimento, casamento e óbito, por exemplo. O conjunto abarca a grande maioria das informações disponíveis sobre os brasileiros — trabalhadores com carteira assinada, autônomos, empresários, aposentados. Os números impressionam: somos mais de 144 milhões de eleitores, dos quais cerca de 46 milhões já estão cadastrados com a identificação biométrica em 1.540 municípios de todo o país[1], e há 115 milhões de registros no CPF unificados com os dados do TSE[2] (consistência ou batimento entre nome, nome da mãe e data de nascimento). A base do TSE tem o potencial de chegar a 90 milhões ao final de 2017 e atingir a população brasileira maior de 18 anos de idade até 2020, com registros de digital, face e assinatura.

Essa é a perspectiva que animou o governo federal a estabelecer parceria com o TSE e propor o PL 1.775/2015. A nova redação proposta pelo relator soluciona os impasses causados pela redação original. O primeiro deles era a utilização da expressão “Registro Civil Nacional (RCN)”. Nesse quesito, o projeto gerou resistências dos cartórios, que se sentiam prejudicados pelo uso da palavra “registro” na ementa do projeto e pela obrigação de informarem seus registros diretamente ao TSE. Argumentaram, com razão, que a atividade de registro civil é típica de suas atribuições, não podendo ser realizada pela Justiça Eleitoral. Além disso, as informações de registro civil são enviadas pelas serventias ao governo federal por meio do SIRC, não cabendo qualquer penalidade pelo não envio das mesmas informações ao TSE, inclusive porque o acompanhamento e fiscalização de suas atividades compete ao Conselho Nacional de Justiça e aos tribunais estaduais. Os institutos de identificação estaduais, por sua vez, que fazem a coleta das digitais para a emissão da carteira de identidade, tinham interesse em participar ativamente da coleta de dados biométricos. Havia dúvidas sobre padrões de identificação biométrica e sobre a necessidade de se editar lei complementar para tratar do assunto.

Com a nova versão apresentada pelo relator no início de agosto, os obstáculos foram resolvidos e se convergiu para um texto que elimina as resistências dos cartórios, viabiliza a integração com os Institutos Estaduais de Identificação, retira dúvidas de legalidade e competências e melhora a governança da destinação do fundo financeiro a ser composto com recursos auferidos com o serviço de conferência de dados biométricos a ser prestado a atores privados. Cumpre destacar que tal serviço de conferência não viola o sigilo das informações e preserva o dado pessoal, pois trata-se apenas de conferências do tipo binário de resposta, ou seja, a digital informada confere ou não com a digital armazenada na base de dados para essa pessoa. O fundo objetiva refinanciar o sistema de coleta e manutenção dos dados biométricos pelo TSE, não se confundindo com o orçamento corrente. A exigência de lei complementar ficou esclarecida por não se tratar de matéria essencialmente eleitoral ou de competências do tribunal stricto sensu, mas sim em geral.

O texto do substitutivo também garante que as informações eleitorais não serão compartilhadas com o Poder Executivo Federal, Estadual ou Municipal e que as polícias federal e civil terão amplo acesso aos dados biométricos, importante fator nas investigações e combate à criminalidade. Também prevê que a Justiça Eleitoral possa substituir o título de eleitor pelo Documento de Identificação Nacional (DIN), respeitada a legislação sobre alistamento eleitoral, e que o CPF seja incorporado aos documentos de identidade civil. Tal uso do CPF facilita o cruzamento de bases de dados de diferentes órgãos, fundamental para a melhoria dos cadastros do cidadão.

Para se ter ideia do impacto do projeto do ICN, sua implantação possibilitará em pouco tempo convergir todos os documentos de hoje (RG, CPF, NIT, PIS/PASEP, carteira de trabalho, cartão do SUS e outros, totalizando cerca de 20 documentos de identificação existentes) para uma única identificação. Os cadastros atualmente utilizados para acesso a políticas públicas e benefícios sociais poderão ser uniformizados, removendo-se duplicidades e corrigindo erros de registro.

O mais importante: diversas soluções tecnológicas poderão ser desenvolvidas para facilitar a vida do cidadão e dispensar o seu deslocamento a postos de atendimento, a partir da identificação unívoca do cidadão por meio eletrônico[3]. Entre elas: a compra e venda de veículos, solicitação de passaporte, celebração de contratos privados, tudo por telefone ou pelo computador, com elevado nível de segurança. Sem sair de casa e com apenas poucos cliques no computador, o brasileiro poderá acessar amplo rol de serviços públicos. No longo prazo, por que não, o próprio voto poderá ser depositado por meio de celular ou internet, com conexão segura, como já testaram países que têm tecnologia avançada[4]. A internet, sem dúvida, é relevante fator de promoção da cidadania.

Assim, é essencial votar o Projeto de Lei 1775/2015 e sua conversão em lei o quanto antes, o que facilitará a vida do cidadão, e trará economias expressivas ao poder público tanto com a redução dos atendimentos presenciais quanto com a eliminação de fraudes e melhor aplicação dos recursos públicos.


[3] Diagnóstico das bases de dados gerenciadas pelo governo federal e as possibilidades de prestação de serviços públicos digitais pode ser conferido em http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/02/proximos-passos/estudo-base-de-dados-e-autenticacao-do-cidadao-versao-publicacao-com-isbn-1.pdf.

[4] Já testado o voto por SMS na Grã-Bretanha e implementado o voto pela internet na Estônia em 2007. 

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