Manobra procrastinatória

Desembargador afasta suspeição de juíza e dá bronca em Defensoria Pública

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29 de agosto de 2016, 6h58

O simples atendimento a réu preso para tratar de assuntos de seu processo não configura aconselhamento à parte e, portanto, não fere a imparcialidade do juiz. Por isso, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul rejeitou Exceção de Suspeição, oposta pela Defensoria Pública, contra a juíza Jacqueline Bervian, titular da 1ª Vara Judicial e da Vara de Execuções Criminais de Encantado (RS).

Para relator do recurso, desembargador José Antônio Cidade Pitrez, a juíza não agiu de ofício e atendeu a uma solicitação do preso durante inspeção de rotina a presídio justamente pela ausência de contato com a Defensoria Pública.

O desembargador aproveitou o acórdão para dar uma bronca. "Além de não realizar as visitas aos detidos em estabelecimento prisional (assistência jurídica) e não comparecer às audiências judiciais, quando se deparou com magistrada diligente, comprometida com o regular andamento dos processos da sua unidade jurisdicional, o Defensor Público arguiu a presente exceção, de manifesta improcedência, apenas para tentar retardar o andamento do feito. É lamentável", registrou no acórdão.

Manobra procrastinatória
No recurso encaminhado ao colegiado, a Defensoria alegou que a juíza, em visita a condenado no presídio tratou de assuntos concretos do processo e alertou-o para a possibilidade de indicar testemunhas, caso tivesse interesse. Para a Defensoria, a situação não poderia ter acontecido, pois, futuramente, é ela quem julgará o processo. Assim, segundo o órgão, houve houve parcialidade e pré- julgamento nos autos daquele processo-crime.

O relator julgou o pedido improcedente, pois os fatos narrados na petição não se enquadram em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 254, do Código de Processo Penal (CPP) — que trata da suspeição do juiz. Na fundamentação, Pitrez observou que a defesa do preso no processo pediu a apresentação das testemunhas depois da resposta à acusação, justamente pela ausência de contato com o réu.

"Pelo entendimento simplista do defensor, nas hipóteses em que fosse realizada audiência de custódia (o magistrado ouve previamente o agente preso em flagrante), necessariamente o magistrado teria que se declarar suspeito de julgar a eventual ação proposta pelo Ministério Público, pois teria mantido contato com o acusado do processo no qual proferirá o futuro julgamento’’, deduziu.

Para o relator, o "intento procrastinatório da defesa" foi apontado na decisão em que a juíza nega a suspeição, onde consta que a Defensoria Pública fez carga dos autos em 5 de abril, devolvendo-os apenas em 15 de abril — ou seja, um dia útil antes da audiência, designada para 19 de abril de 2016.

Por este raciocínio, Pitrez entendeu que a postura da julgadora não foi parcial, mas de diligência,  buscando conferir maior celeridade à tramitação do processo, o que talvez tenha contrariado interesses defensivos. Afinal, segundo o juízo de origem, a Defensoria não realiza visitas regulares ao presídio nem comparece às audiências designadas, apesar de haver dois defensores atuando naquela comarca em regime de substituição.

Sem competência
Ao fechar o seu voto, o desembargador aproveitou para esclarecer que a competência para julgar a ação penal não é da 1ª Vara Judicial da Comarca, mas do Tribunal do Júri. Assim, a magistrada sequer julgará o seu mérito, incumbindo-lhe apenas, em juízo de pronúncia, a declaração de admissibilidade — ou não — da tese acusatória, conforme o artigo 413 do CPP.

Atendendo parecer do representante do Ministério Público no colegiado, o desembargador-relator determinou a expedição de ofício à Corregedoria da Defensoria Pública, com cópia integral dos autos, para adoção das medidas cabíveis em relação aos fatos graves noticiados pelo juízo da comarca.

"Não se descuide de circunstância peculiar, de que a presente exceção se mostra formalmente imperfeita, acarretando seu eventual não conhecimento, eis que não restou cumprido preceito do artigo 98, do CPP, tampouco o do artigo 128, XI, da Lei Complementar 80/94, no que diz com a necessidade de assinatura do réu na peça pórtica ou de juntada de procuração com poderes especiais, mesmo em se tratando de Defensoria Pública’’, fulminou o relator. O acórdão, com entendimento unânime, foi lavrado na sessão de 9 de junho.

Clique aqui para ler o acórdão.

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