Olhar Econômico

O contrato associativo merece mais atenção da doutrina

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

25 de agosto de 2016, 9h41

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]A notificação dos contratos associativos, obrigação estabelecida pela Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 — em vigor desde 29 de maio de 2012 —, fez com que tal espécie de contrato entrasse na órbita do direito concorrencial brasileiro O artigo 90, inciso IV, dessa lei, diz haver ato de concentração, suscetível de notificação, quando duas ou mais empresas celebrem contrato associativo. Há fundamentação teórica para tanto. Como, por meio de acordos de cooperação, a estrutura competitiva do mercado pode sofrer modificações, o contrato associativo pode se tornar preocupação de direito antitruste.

A novidade causou discussão, por várias razões: (i) amplitude do conceito dessa espécie contratual, que, abrange, em tese, até avenças não onerosas, como acordos de transferência de know-how ou de parceria de P&D;(ii) a ambiguidade ínsita aos contratos associativos, por unir relações contratuais de cooperação, sem que haja estrutura formal; (iii) a inexistência de conceituação doutrinária assente, bem como a parcimônia doutrinária acerca desse tipo de contrato, em especial no que concerne sua relevância antitruste[1]. Dentre as modalidades de “concentração por cooperação”, em que os partícipes conservam sua individualidade, o contrato associativo é menos desbravado juridicamente, do que a joint venture e o consórcio.

Essas preocupações engrandeceram-se em virtude da impossibilidade de implementar os contratos associativos antes de sua apresentação e aprovação pelo CADE, em razão da exigência da nova lei antitruste, de submissão prévia dos atos de concentração econômica[2]; da eventualidade de anulação de atos realizados sem aprovação e da imposição de elevadas multas, além de outras penalidades administrativas.

Três anos após o início da vigência da Lei 12.529/2011, o Cade, depois de consulta pública, exarou a Resolução 10, de 29 de outubro de 2014, que passou a vigorar a partir de 3 de janeiro de 2015. Nessa resolução, que possui um único artigo operativo, encontram-se conceituados os contratos associativos e fixadas as hipóteses em que eles devem ser notificados. O conceito oficial é o seguinte: “… consideram-se contratos associativos quaisquer contratos com duração superior a 2 (dois) anos em que houver cooperação horizontal ou vertical ou compartilhamento de risco que acarretem, entre as partes, relação de interdependência” (Art. 2º caput). Os parágrafos subsequentes são dedicados à explicitação dos termos utilizados na cabeça do artigo. Contratos em que houver relacionamento horizontal no objeto do contrato, quando a soma das participações, no mercado relevante, for igual ou maior do que vinte por cento (§ 1º, inciso I); ou, em caso de relação vertical, quando ao menos uma delas alcançar trinta por cento dos mercados relevantes afetados; desde que haja compartilhamento de receitas ou prejuízos entre as partes ou o contrato estipule exclusividade (§ 1º, inciso II, letras a e b). Partes contratantes são as entidades envolvidas diretamente no negócio, bem como os grupos econômicos respectivos (§ 2º). Contratos subsumíveis às hipóteses supra, com extensão menor que um biênio, ficam sujeitos à análise concorrencial, quando alcançarem ou superarem tal lapso temporal (artigo 3º)

O advento de tal resolução, longe de acabar com as discussões sobre a conceituação de contrato associativo, as exacerbou. Entre as críticas feitas, a principal é a seguinte: não é apropriado servir-se do market share para conceituar contratos associativos e para estabelecer critérios de notificação, pois a própria lei concorrencial brasileira vigente abandonou tal critério, como meio para conceituar o ato de concentração.

Atento à problemática, o Cade apresentou, em 5 de maio do corrente, projeto de reforma da resolução em tela, submetendo-o à consulta pública (Consulta Pública 02/2016), que perdurou até 6 de julho[3].

O projeto de resolução em estudo, com seis parágrafos operativos, dedica-se à conceituação de contrato associativo, hipóteses de notificação obrigatória; celebração de múltiplos contratos associativos, pela mesma parte contratante; conceituação de parte contratante; e hipóteses de renovação de contratos, celebrados anteriormente à vigência da resolução em análise.

São contratos associativos, quaisquer contratos, com duração de um biênio ou mais, que estabeleça regime de cooperação entre as partes, bem como compartilhamento de riscos e resultados, aquisição ou oferta de bens e serviços, desde que em tese tal atividade seja explorável com o objetivo de lucro (artigo 2º, § 1º e 2º).

Em caso de cooperação horizontal, devem ser notificados os contratos associativos, em que haja atuação das partes, no mínimo em um dos mercados relevantes eventualmente afetados, de vinte por cento ou mais, (artigo 3º, § I). Já na hipótese de cooperação vertical, existir obrigação suscetível de acarretar exclusividade e, ao menos duas partes cooperaram no mercado em percentual igual ou superior a vinte por centro, em mercado relevante potencialmente afetado (artigo 3º, II). Em ambos os casos acima, a percentagem será verificada no ano anterior à submissão da operação. Contratos indeterminados ou menor que dois anos, somente serão notificados quando ultrapassados um biênio de sua assinatura (artigo 3º, Parágrafo único)

Será possível à Superintendência-Geral aprovar, conjuntamente, contratos associativos múltiplos, de uma mesma parte, desde que tenham características comuns e não propiciem efeitos competitivos potenciais (artigo 4º, caput).

São partes contratantes as envolvidas diretamente no negócio notificado, bem como os respectivos grupos econômicos (artigo 5º).

Na renovação de contrato concluído, previamente à entrada em vigor desta resolução, o Cade deverá ser notificado, caso a presente resolução o considere contrato associativo (artigo 6º).

Contribuindo para o debate sobre contratos associativos, o Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), think tank sem fins lucrativos (www.cedes.org.br), realizou, recentemente, mesa científica, cujos expositores e principais debatedores foram: Paulo Burnier da Silveira, Conselheiro do Cade; Juliano Maranhão, Professor da Faculdade de Direito da USP; Leonor Cordovil e Aurélio Marchini Santos; os três últimos advogados na área concorrencial. A afluência na participação e o interesse nos debates demonstraram a atualidade e a importância do tema contratos associativos. Os palestrantes levantaram questões que merecem digressão em separado.

O nó górdio da questão é conseguir definir contrato associativo para fins de regulamentação antitruste. A dicção legal — inciso IV da Lei 12.529/2011 — não fornece balizamento suficiente para a sua aplicação, em razão da generalidade e ausência de parâmetros. Trabalho hercúleo será elaborar conceituação, sem adicionar requisitos que possam ferir o princípio de que a regulamentação, por não ser atividade legiferante, é insuscetível de inovar referentemente à lei.

A discussão, como a havida no Cedes pode ajudar a encontrar caminhos. Contudo, tertúlias como essa, devem se repetir e os estudiosos de direito concorrencial precisam, urgentemente, abordar o tema.


1 Ver os seguintes trabalhos recentes: Caixeta, Deborah Batista, Contratos associativos: características e relevância para o direito concorrencial das estruturas, Revista de Defesa da Concorrência, Cade, Brasília, 2016, vol 4, nº 1, p. 95/132; e Caixeta, Deborah Batista, Contratos associativos: características e relevância para o direito concorrencial das estruturas, dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, S.C.P., 2015.

2 Art. 88.  “Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica…

(…)

§ 2o  O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda”. 

3 O termo final, inicialmente, de 31 de maio foi prorrogado até 6 de julho.

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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