Caso complexo

EUA avaliam libertação da primeira vítima de tortura da CIA, presa em Guantánamo

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24 de agosto de 2016, 15h15

O saudita Abu Zubaydah, tido como primeira vítima do programa de tortura da CIA, oficialmente chamado de “programa de interrogatório avançado”, depois de ser preso no Paquistão e transferido para uma prisão secreta na Tailândia, teve nessa terça-feira (23/8) sua primeira audiência para avaliar uma possível libertação. A audiência foi em Guantánamo Bay, a prisão mantida pelos EUA em Cuba, onde Zubaydah está preso há 14 anos, sem ser acusado de qualquer crime e sem julgamento.

US Marine Corps
O saudita Abu Zubaydah está preso há 14 anos em Guantánamo Bay.
US Marine Corps

A audiência, prevista para durar de cinco a sete horas, teve os primeiros 17 minutos transmitidos ao vivo para uma audiência formada por uma dúzia de jornalistas e alguns advogados e representantes organizações de direitos humanos, reunidos em uma sala no Pentágono, para mostrar ao mundo que Zubaydah está recebendo um tratamento justo, segundo os jornais The Huffington Post, New York Times, The Guardian e outras publicações.

A audiência completa teve a participação, também remota e em lugares não divulgados, de autoridades de órgãos de inteligência, diplomacia e da defesa. Esse “conselho de revisão” do caso vai decidir, em um mês, se Zubaydah deve ser liberado ou mantido na prisão, por ser considerado “uma ameaça contínua à segurança dos Estados Unidos”.

Na parte inicial da audiência, Zubaydah argumentou que “não tem qualquer desejo ou intenção de causar danos aos Estados Unidos ou a qualquer outro país”. Afirmou que gostaria de se reunir com sua família e que tem capital para abrir um negócio próprio, depois de se reintegrar à sociedade.

Tortura
O caso de Zubaydah é especial porque ele se tornou conhecido como a “cobaia” do “programa de interrogatório avançado” da CIA, que testou nele todos os métodos de tortura que foram propostos por dois psicólogos, como forma de quebrar a resistência de inimigos dos EUA em interrogatórios.

Segundo relatórios oficiais já divulgados, Zubaydah foi submetido à simulação de afogamento (waterboarding) 83 vezes, à privação extrema do sono, confinado em uma caixa menor que um caixão de defunto, exposto ao frio, algemado em posições inconfortáveis, jogado contra a parede e, no processo de tortura, perdeu seu olho esquerdo.

Agentes do FBI, que interrogaram Zubaydah antes da CIA, argumentaram que o “interrogatório avançado” era “desnecessário e injustificável”, porque o saudita, ao contrário do que se pensava, era um peixe pequeno e estava cooperando tanto quanto podia com os investigadores.

Durante o processo de tortura, alguns agentes da CIA disseram a seus supervisores que o “interrogatório avançado” já havia “quebrado” o suspeito e que ele não tinha mais nenhuma informação para dar. Mas foram instruídos a continuar com a tortura, segundo os relatórios.

De acordo com os jornais, o ex-agente do FBI Ali Soufan, que interrogou Zubaydah usando métodos tradicionais, antes de ele ser torturado pela CIA, declarou que ele havia adquirido “inteligência prática importante” como, por exemplo, informações sobre Khalid Sheikh Mohammed, mais tarde acusado de ser o mentor dos ataques de 11 de setembro às torres gêmeas de Nova York. Segundo Soufan, os métodos subsequentes, utilizados pela CIA, não resultaram em qualquer informação confiável. Além disso, a CIA ignorou o devido processo.

Depois que as técnicas de tortura foram testadas em Zubaydah, outros 38 prisioneiros foram submetidos a elas nas prisões secretas dos EUA espalhadas pelo mundo. Dois sobreviventes e a família de um prisioneiro que morreu sob a custódia da CIA estão processando os dois psicólogos contratados pela agência para criar e implementar o programa.

Libertação improvável
A possibilidade de libertar Zubaydah — ou de transferi-lo para um outro país para esvaziar um pouco mais Guantánamo Bay, hoje com 61 prisioneiros classificados como “detentos de alto valor”, de uma população inicial de 684 — existe, mas é pequena. Para o professor da Faculdade de Direito de Cornell Joe Margulies, um dos advogados de Zubaydah, a audiência “foi apenas uma formalidade, um ritual ou um teatro”, e a libertação é improvável.

Uma autoridade governamental, que falou de uma localidade não divulgada durante a audiência em Guantánamo, disse que Zubaydah tem mostrado um “alto nível de cooperação” na prisão, servindo como “líder em seu bloco de células, assumindo responsabilidades na comunicação com os demais prisioneiros e no relato de queixas, além de manter a ordem entre os detentos”.

Mas a mesma autoridade viu nisso um ponto negativo para uma possível libertação do saudita. Para ele, os esforços de Zubaydah para “solidificar sua reputação como líder dos prisioneiros” podem ajudá-lo a se reengajar em atividades terroristas, se for libertado. “Ele provavelmente retém sua mentalidade terrorista e, depois de libertado, poderá seu reunir com antigos prisioneiros para planejar ataques contra os Estados Unidos”, ele disse.

A CIA já se manifestou contra a libertação de Zubaydah, porque ele tem um amplo conhecimento, em primeira mão, de todo o programa de tortura da agência. Anteriormente, um relatório do Comitê de Inteligência do Senado sobre o programa de tortura da CIA, já desclassificado, informou que autoridades da agência buscaram se assegurar de que Zubaydah “permaneça isolado e incomunicável pelo resto de sua vida”.

Dos 61 prisioneiros atuais em Guantánamo Bay, 20 serão transferidos para outros países, porque isso já foi decidido em outras audiências. Os 41 restantes são considerados, por enquanto, como o “mínimo irreduzível” da população de Guantánamo Bay.

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