Justiça Tributária

Arrecadação diminui, mas abusos cometidos pelo fisco aumentam

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

22 de agosto de 2016, 12h14

Spacca
Raul Haidar [Spacca]O artigo 37 da Constituição Federal ordena que todos os órgãos da administração pública em todos os seus níveis obedeçam aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além das demais normas ali especificadas em 21 incisos. Daí resulta que qualquer ato praticado fora desses limites não pode ser considerado legítimo.

Ao longo de mais de cinco anos desta coluna temos apontado inúmeros abusos praticados pelo fisco, quando tais princípios são ignorados. Isso ocorre cada vez com mais frequência, o que causa prejuízo aos contribuintes e faz com que estes se sintam animados a considerar que, por não cumprirem seus juramentos e não respeitarem as normas a que suas funções se submetem, os servidores públicos não merecem respeito. Tal situação é péssima, causando prejuízo a todos.

O simples fato de ter o contribuinte de se socorrer de medidas legais para ver reconhecidos os seus direitos fundamentais representa um abuso, face aos transtornos e custos que tal medida lhe causa. Não pode o fisco negar direito que em diversas oportunidades já foi reconhecido. A reiterada negativa é ato autoritário e covarde!

No dia 18 de agosto, por exemplo, foi aqui noticiada decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo relacionada com a negativa de emissão de nota fiscal por contribuinte que tem dívida com o fisco, embora este disponha de meios legais adequados para a cobrança sem necessidade do uso de atos arbitrários.

Outra medida totalmente injusta e arbitrária, cujo único objetivo é causar mais prejuízo ao contribuinte, é o encaminhamento a cartório de protestos de certidão de dívida ativa.

Note-se que a lei que permitiu essa iniquidade resultou de uma emenda feita a outra, que cuidava de energia elétrica. Houve explícita negativa de vigência à Lei Complementar 95/1998 e também ao artigo 62 da Constituição Federal, conforme descrevemos em nossa coluna de 7 de janeiro de 2013. Apesar disso há decisão do Superior Tribunal de Justiça legitimando tal ilegalidade, como se o judiciário pudesse tomar para si o poder de legislar.

Outro evidente desvio dos princípios constitucionais verifica-se na forma com que se julgam os processos administrativos, quando o presidente de turma ou câmara julgadora faz uso do chamado voto de qualidade, para decidir sempre a favor do contribuinte nos casos de dúvida.

O artigo 112 do Código Tributário Nacional ordena que

“A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidade, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado em caso de dúvida…”

Julgamentos administrativos de segunda instância quase sempre são decididos em câmaras ou turmas formadas por quatro pessoas. Dois são representantes dos contribuintes e os outros dois do fisco. A lei (pelo menos em São Paulo) foi feita de forma a desequilibrar a balança da justiça. Primeiro, por entregar a presidência ao representante do fisco e depois por conceder a este o voto de qualidade, ou seja, se houver empate, o presidente (que representa o fisco) é quem decide.

Ora, se num julgamento feito por qualquer número par de pessoas metade delas vota a favor do réu ou acusado, fica evidente a presença de dúvida relevante. Nessa hipótese não se pode permitir que uma delas vote novamente, pois isso prejudica o equilíbrio que se exige na administração da verdadeira justiça.

Permitir o chamado voto de qualidade implica em desqualificar os demais. Tal mecanismo prejudica todo o julgamento, dando a uma das partes maior poder que às demais. Isso explica a razão pela qual nos órgãos administrativos de julgamento em segunda instância são raríssimas as possibilidades de êxito para o contribuinte. Trata-se de mais uma farsa utilizada como justificativa para supostos altos níveis de sonegação.

Outro abuso muitas vezes praticado pelo fisco é a excessiva demora no desenvolvimento da ação fiscal. O contribuinte não pode sujeitar-se por tempo indeterminado à ação fiscal, pois tem necessidade de sentir-se confiante em relação a suas atividades ou, na hipótese de elas estejam sendo desenvolvidas de forma incorreta, tem necessidade de adotar os procedimentos adequados, para que seus riscos de autuações sejam eliminados ou limitados.

O artigo 196 do Código Tributário Nacional determina que a autoridade fazendária, ao lavrar os termos necessários para o início do procedimento fiscal, deve fixar prazo máximo para sua conclusão.

No Estado de São Paulo vigora a Lei Complementar 939/2003, que criou o Código de Direitos, garantias e obrigações do contribuinte. Nesta lei é fixado o prazo de 90 dias para que o contribuinte possa regularizar eventuais falhas sob a proteção da espontaneidade, na hipótese de que ainda não tenha se concluído o trabalho de fiscalização.

No âmbito federal vigora o decreto 1.171 de 27 de julho de 1994, que estabeleceu o Código de Ética do Servidor Público Civil da União. Esse decreto afirma que o funcionário deve agir com cortesia, boa vontade, cuidado e disciplina. Registra ainda outras normas éticas inclusive relacionadas com descuido ou má vontade, formação de longas filas e até atraso na prestação do serviço. Afirma o decreto que tais situações consideram-se contra a ética e atos de desumanidade que geram grave dano moral aos usuários dos serviços públicos.

Outra forma de abuso do fisco é a excessiva demora nas decisões de processos administrativos. Já há inúmeros precedentes judiciais a proteger o direito do contribuinte todos com amparo no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição, a garantir a razoável duração do processo, seja na esfera judicial ou administrativa.

Deve o contribuinte, sempre que entender necessário, acionar os mecanismos judiciários para fazer cumprir as normas que as autoridades fazendárias preferem ignorar ou desrespeitar.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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