Opinião

A transferência de potencial construtivo e seus desestímulos

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21 de agosto de 2016, 6h41

A recente aprovação da Lei municipal 16.042/2016, que altera as regras de uso e ocupação do solo, gerou inúmeras dúvidas e questionamentos ao impor limitações e desestímulos à transferência de potencial construtivo previsto no Plano Diretor do município de São Paulo.

Para imóveis localizados nas Zonas Especiais de Preservação Cultural (Zepec), é possível identificar três pontos que certamente afetarão o instituto: a aplicação de fatores de incentivo, a vinculação do valor da transferência ao valor da outorga onerosa e os obstáculos a reformas com acréscimo de áreas.

De forma simples, transferência do potencial construtivo é a permissão de que o proprietário o utilize para construir em imóvel distinto, seu ou de terceiro, acima do autorizado pelo seu coeficiente de aproveitamento básico. Materializa-se na Declaração de Potencial Construtivo, que atesta a quantidade de metros quadrados passíveis de transferência, dependendo, a efetivação da transferência, da posterior Certidão de Potencial Construtivo.

O antigo PDE, de 2002, determinava que o potencial seria a diferença entre o potencial utilizado e o potencial construtivo máximo. E do mesmo modo, a anterior Lei de Zoneamento, ao prever o desconto da área construída.

Já o atual PDE não prevê, na apuração do potencial, o desconto da área construída. Ou seja, pensando nos casos em que não há doação, além do potencial não sofrer redução de metragem, o proprietário do imóvel Zepec poderia, no futuro, fazer reforma com aumento de área, ainda que já transferido seu potencial construtivo (aquele incentivado).

Reflexo direto foi o expressivo aumento, pós PDE/14, junto à municipalidade, nos pedidos de declarações, e das tentativas de comercialização entre particulares, talvez em detrimento da outorga onerosa, mas em saudável comportamento anticoncorrencial, a favor da liberdade de contratar, e em prol de um preço mais factível.

Com a aplicação dos fatores de incentivo para o caso de imóveis localizados em Zepec, quanto maior a área do imóvel cedente, menor será o potencial apurado. Fica evidente a intenção de beneficiar proprietários de imóveis menores, em clara desvantagem dos proprietários de imóveis maiores, cujo potencial construtivo transferível será drasticamente reduzido. Esqueceu-se o legislador que, quanto maior o bem tombado, mais elevado o custo de sua manutenção e conservação.

Ao determinar que, nos casos sem doação, o valor pecuniário da totalidade do potencial construtivo transferido no período de 12 meses, não poderá ser superior ao valor total arrecadado, no mesmo período, com a outorga onerosa, pretendeu o legislador evitar que a transferência de potencial pudesse crescer demais, em prejuízo da outorga onerosa.

E, prevendo que, em imóvel Zepec-BIR, (i) a área construída em reformas com ampliação será descontada do potencial construtivo passível de transferência, e (ii) se já efetivada a transferência da totalidade do potencial, ficará vedado o posterior aumento de área no imóvel cedente, criou-se outro limitador ao instituto.

Diante de tais mudanças, resta analisar a aplicabilidade da nova lei em face de processos administrativos já iniciados, na medida em que não poderia ela retroagir para afetar a transferência de potencial construtivo cujo processo já tenha iniciado. É o próprio PDE/14 que estabelece como data de referência para o processo a do protocolo do pedido da declaração. A nova lei, ao tratar dos fatores de incentivo, o faz prevendo que serão eles aplicados para emissão de novas declarações, e estabelece, de maneira geral, que processos e projetos protocolados até a data de sua publicação, sem despacho decisório, serão apreciados de acordo com a legislação em vigor à época do protocolo. Tal previsão reforça o privilégio conferido pela legislação urbanística ao “direito de protocolo”.

É evidente que a legislação a ser aplicada para referidos processos deva ser aquela vigente à época dos protocolos, inclusive para garantir a constitucional proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Poderá ainda surgir discussão quanto à ilegalidade ou inconstitucionalidade da nova lei diante da derrogação e modificação do PDE/14 no que toca à transferência do potencial construtivo. O PDE/14 fixa diretrizes e comandos concretos de política urbana, cabendo às demais leis municipais complementá-lo ou regulamentá-lo, jamais modificar ou derrogar suas diretrizes, sob pena de extrapolar matérias que, taxativamente, o PDE/14 prevê sejam por ela tratadas. Além das demais mudanças com relação ao zoneamento da cidade de São Paulo, e impacto para seus cidadãos e empresas, a nova lei terá papel decisivo na consolidação prática do instituto, em relação à forma como trazido pelo PDE/14.

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