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Depoimento policial belo, recatado e do lar é ilógico

19 de agosto de 2016, 8h00

Por Alexandre Morais da Rosa

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Pensar melhor ajudar a decidir melhor. Somos ensinados a pensar desde criança e, na vida adulta, somos influenciados pelos professores e livros que lemos. O processo de tomada de decisão jurídica é artificial e, portanto, com alguns aspectos humanos, o aparato teórico foi aprendido. E o raciocínio é lógico (indutivo ou dedutivo), levando-se em conta o mapa mental e a capacidade de compreensão. Precisamos aprender a operar.

Daí que não poderemos aceitar dois fundamentos diferentes e incompatíveis como fazendo parte do nosso modo de pensar. O dever de coerência lógica implica na necessidade de explicarmos o modo como pensamos, a saber, a cadeia de significantes que articulamos em face de uma decisão. A armadilha lógica do a priori dos depoimentos decorre da impossibilidade de atribuir-se como verdadeiro o depoimento antes de ser prestado. Vamos ao exemplo:

Premissa 1: Todos os depoimentos policiais são verdadeiros
Premissa 2: Este é um depoimento policial.
Conclusão: O depoimento é verdadeiro.

Se alterarmos o conjunto podemos dizer que:

Premissa 1: Todos os depoimentos de flamenguistas são verdadeiros.
Premissa 2: Este é um depoimento de flamenguista.
Conclusão: O depoimento é verdadeiro.

A estrutura do argumento — a sua forma — é absolutamente igual. Provavelmente o leitor não concordará com o segundo exemplo porque precisará saber quem é o “flamenguista” e “o conteúdo do depoimento”. Plenamente de acordo. Todavia, por dever de coerência, também deverá concordar que no primeiro exemplo deveremos saber quem é o “policial” e “o conteúdo do seu depoimento”. O erro lógico em ambos os casos é o mesmo. O que opera no primeiro exemplo é que deixamos de duvidar do conteúdo do policial partindo de um axioma — uma verdade dada — que é ingênua e astuta. O erro lógico pode ficar pior se pensarmos:

Premissa 1: A testemunha policial diz a verdade.
Premissa 2: No caso a testemunha é policial.
Conclusão: O conteúdo do seu depoimento é verdadeiro.

A premissa de dizer a verdade pode ser crível, mas a sua verificação somente pode acontecer depois de produzido o depoimento. Tomar como verdadeiro a priori é um argumento inválido, mas que prevalece na lógica do Processo Penal. A inferência lógica é manipulada em face da complexidade em se verificar o conteúdo das declarações.

A distinção entre conteúdo e forma pode ser útil para enfrentarmos questões complexas, em que as falácias e os erros lógicos ornamentam, por terem aparência lógica, conclusões desastrosas. O silogismo manipulado pelo viés do conforto e das verdades sacralizadas é um dos desafios a se superar no Processo Penal. A questão básica é se poder imputar a participação do personagem ao grupo:

Premissa 1: Todos os homens são mortais.
Premissa 2. Alexandre é um homem.
Conclusão: Alexandre é mortal.

Mas se mudarmos um detalhe:

Premissa 1: Todas as mulheres são mortais.
Premissa 2: Alexandre é mortal.
Conclusão: Alexandre é mulher.

Assim, acreditar que todo depoimento policial é verdadeiro como pressuposto é um erro lógico e simplificador. Mas tem gente que é enganado pelas aparências e gosta. O depoimento deverá ser considerado por sua qualidade, coerência e credibilidade. Em qualquer caso e conforme o contexto probatório. Lógica faz bem à democracia processual.