Questão aberta

STF volta a discutir inelegibilidade por rejeição de contas e define tese

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17 de agosto de 2016, 17h54

O Supremo Tribunal Federal voltou a discutir em Plenário se a rejeição das contas de prefeitos por tribunais de contas tem o poder de torná-los inelegíveis ou se só o Poder Legislativo tem esse poder. A decisão já havia sido tomada na sessão do dia 10 de agosto, mas nesta quarta-feira (17/8), ao definir o que diriam os verbetes das teses definidas em recursos com repercussão geral reconhecida, o debate reacendeu.

Na quarta da semana passada, o Supremo definiu que só a rejeição das contas de prefeitos por câmaras de vereadores tem o poder de declará-los inelegíveis, mesmo que sejam contas de quando o prefeito atua como ordenador de gastos. Portanto, mesmo que a corte de contas dê parecer pela rejeição das contas, os prefeitos podem se candidatar.

Depois de mais de uma hora de debate, foram fixados os dois verbetes. O primeiro: “Para fins do artigo 1º, inciso I, alínea ‘g’, da Lei Complementar 64/1990, alterado pela Lei Complementar 135/2010, a apreciação de contas dos prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas câmaras legislativas com auxílio dos tribunais de contas, cujo parecer só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores”.

O segundo verbete seguiu o proposto pelo relator, Gilmar Mendes: “Parecer técnico elaborado pelo tribunal de contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à câmara de vereadores o julgamento das contas anuais do chefe do poder executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo”.

Saíram vencedores os ministros Ricardo Lewandowski, autor do voto que trouxe a primeira tese, e Gilmar Mendes, autor da segunda tese, sobre a não discussão das contas pelo Legislativo. Os temas estavam separados em dois recursos extraordinários, ambos com repercussão geral reconhecida, um de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso (do qual Lewandowski saiu vencedor) e outro, do ministro Gilmar.

O espírito do posicionamento do Supremo foi de fazer prevalecer a vontade popular, representada pelo Poder Legislativo, a não o parecer técnico de um órgão auxiliar.

Portanto, nesta quarta não era para haver discussão. Seria apenas para definir o verbete que acompanharia o acórdão de uma decisão já tomada: uma por seis votos a cinco e outra, por nove a dois.

Carlos Humberto/SCO/STF
Fux sugeriu a modulação dos efeitos da decisão tomada pelo Supremo.
Carlos Humberto/SCO/STF

Mas assim que foi lida a primeira proposta de tese, o ministro Luiz Fux, vencido no dia 10, sugeriu que fossem modulados os efeitos, para evitar “os efeitos deletérios dessa decisão em relação à jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral”.

Vontade popular
A tese é, na verdade, a interpretação do Supremo do artigo 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei das Inelegibilidades. Ela diz que são inelegíveis os chefes de Executivo que tiverem suas contas rejeitadas “por decisão irrecorrível do órgão competente”. O TSE costumava entender que, mesmo quando o prefeito atuava como ordenador de gastos, o Legislativo era quem o declarava inelegível.

Com a Lei da Ficha Limpa, em 2010, a jurisprudência começou a mudar. Entretanto, conforme o ministro Marco Aurélio lembrou nesta quarta, o Supremo já havia definido em 1992 a mesma coisa que definiu no dia 10. “Não houve mudança na Carta da República.”

O ministro Fux insistiu. Disse que, a prevalecer o entendimento do dia 10, “vamos ter um problema recursos em razão da virada da jurisprudência”. Foi respondido, depois, pelo ministro Luiz Edson Fachin: “A expressão ‘guinada jurisprudencial’, neste tribunal, neste caso, neste julgamento, não houve. O STF manteve o precedente firmado em 1992 numa votação por dez a um”.

Em sua fala, Fux explicou que “os efeitos deletérios são no sentido de afirmar a ratio essendi da Lei da Ficha Limpa. A soberania popular não ganha, porque a Lei da Ficha Limpa foi de iniciativa popular”.

“Também o povo se submete à Constituição Federal. Às vezes temos de ser contramajoritários para tornar efetiva a Lei das leis”, interrompeu Marco Aurélio. “Não posso julgar de acordo com a vontade popular. Agasalho a vontade da maioria se ela estiver de acordo com a Constituição”, completou.

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"Agasalho a vontade da maioria se ela estiver de acordo com a Constituição", afirmou ministro Marco Aurélio.
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O ministro Dias Toffoli, também vencido no dia 10, resolveu a questão ao lembrar que, como os recursos têm repercussão geral, as ações que tratam da mesma matéria em instâncias inferiores estão sobrestadas. Será o caso de as cortes apenas aplicarem o entendimento do Supremo. Prevaleceu a tese da forma como proposta por seu autor, ministro Ricardo Lewandowski.

Julgamento ficto
Definida a primeira tese de repercussão geral, os ministro passaram à segunda. E aí quem discordou foi o ministro Barroso, que acompanhou o ministro Gilmar, relator, na discussão do dia 10.

Para ele, além de dizer que o parecer do tribunal de contas não é capaz de tornar um prefeito inelegível, mesmo que os vereadores demorem em discuti-lo, o verbete deveria deixar claro que a demora “é uma prática inconstitucional”.

A intenção de Barroso é impedir que os vereadores evitem discutir os parecer dos tribunais de contas deliberadamente, numa manobra para ajudar os prefeitos. “Se não fizermos isso, estaremos estimulando a criação de um sistema que encoraja a não avaliação”, argumentou.

A insistência do ministro irritou alguns ministros. “Presidente, vejo que a corrente minoritária é bastante combativa”, comentou Marco Aurélio. Gilmar Mendes completou dizendo que Barroso havia sustentado essa tese na discussão do mérito, mas ficou vencido.

Fux, então, saiu em defesa do argumento de Barroso: “Estamos começando um processo para derruir o que se construiu na lei [da Ficha Limpa]”. Gilmar, então, disse que “há certo exagero nesse tipo de argumento”.

“Sem querer ofender ninguém, mas já ofendendo… Essa lei foi tão mal feita que parece que foi feita por bêbados. Ninguém sabe de que contas estão falando. A dificuldade aqui é a questão de interpretar a lei conforme a Constituição”, disse Gilmar Mendes, presidente do TSE. “E não a Constituição conforme a lei”, completou Marco Aurélio.

Barroso rejeitou as acusações de que estaria querendo fazer prevalecer um entendimento vencido. Até porque ele acompanhou o relator. “Só não gostaria de participar de uma decisão que estimula a não deliberação”, explicou. “Estamos precisando de um pouco de impulso de moralização, e vamos dizer que um prefeito teve as contas rejeitadas pelo órgão técnico, mas não foram analisadas pelos vereadores vai ficar por isso mesmo?”

E aí quem resolveu foi o decano da corte, ministro Celso de Mello. Segundo ele, os tribunais de contas não rejeitam as contas, já que não têm poderes para tanto. “O tribunal de contas não julga as contas. Ele dá parecer. A Lei Complementar 64 refere-se estritamente a inelegibilidade pela rejeição das contas. O parecer do tribunal de contas contém formulação técnica apreciável extremamente relevante, mas não implica rejeição, mas apenas a proposta de rejeição cujo destinatário é o órgão legislativo”, concluiu.

RE 848.826
RE 729.744

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