Ambiente Jurídico

Temos direito a um meio ambiente verdadeiramente olímpico

Autor

  • Eduardo Coral Viegas

    é promotor de Justiça no MP-RS graduado em Direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) especialista em Direito Civil mestre em Direito Ambiental palestrante ex-professor de graduação universitária atualmente ministrando cursos e treinamentos e integrante da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

13 de agosto de 2016, 8h00

Spacca
A pegação geral nas vilas onde ficam os atletas é regra nos Jogos Olímpicos. A revista Superinteressante publicou reportagem sobre o assunto, entrevistando quem já habitou temporariamente as vilas, e destacou que até mais de 70% dos competidores fazem sexo no período, inclusive muitas vezes ao dia, e que a “sacanagem” é homérica. Os relatos são confirmados com números: o Comitê Olímpico de 2016 está distribuindo aos atletas toneladas de camisinhas, uma média de seis para cada pessoa por dia. Realmente, são dados de fôlego!

Mas não é sobre esse “ambiente olímpico” que vamos focar esta coluna. Chegaremos ao ponto logo após lembrar o que estão dizendo de nós ao redor do mundo. Depois de críticas e mais críticas pela falta de organização, obras mal executadas ou inacabadas, promessas descumpridas, parece tudo ter sido superado por uma abertura encantadora. O que dizem é que, com pouco dinheiro — se comparado aos eventos anteriores —, se fez algo original, impecável, com a marca do Brasil em termos de alegria, cores, arte, musicalidade. Enfim, que o Maracanã estava digno de receber Gisele Bündchen para seu último desfile; um ambiente top para a mais Top das tops.  

Embalados pelo voo do 14 Bis, podemos dar um giro pela opinião da imprensa estrangeira, que se pautou por análises negativas pontuais, especialmente sobre a fase de preparação da Olimpíada, mas se rendeu aos encantamentos brasileiros da abertura das festividades. O americano The New York Times definiu a cerimônia como deslumbrante. A rede BBC, em um tuíte, destacou a reação positiva de seus leitores nas redes sociais e disse que estavam impressionados com o que estavam assistindo. Na manhã seguinte, o espanhol El País disse que o Maracanã reinava absoluto nos jornais, estampando a palavra “sucesso” em seu periódico. O francês Le Figaro descreveu o clima como alegre, emocionante e musical.

Sim, a organização focou a cultura, os povos que escravizaram os índios nativos, os africanos que aqui foram escravizados, as cores, a música, a dança, o gingado tipicamente brasileiro, o esporte — como não poderia deixar de ser —, mas concentrou boa parte do precioso tempo fazendo um alerta para a quase metade do planeta que estava ligada na cerimônia de abertura: os riscos ambientais.  

Talvez a melhor expressão não seja riscos ambientais, pois ela nos leva à ideia de algo provável, possível. De fato, estamos vivendo em uma sociedade de risco — conforme preconizou o sociólogo alemão Ulrich Beck; porém, os impactos de nossas ações são evidentes e irreversíveis, são reais, e não apenas potenciais.

Enquanto na etapa pré-olímpica o centro do problema ambiental foi o saneamento e, por consequência, a poluição das águas do Rio de Janeiro, a cerimônia de abertura deu mais atenção ao aquecimento global e às suas repercussões. Ambos são assuntos sensíveis. Tanto no tocante à poluição dos recursos hídricos mundiais quanto ao aquecimento atmosférico, ultrapassamos o tempo de alerta para os riscos, que foram muitos, reiterados, mas pouco levados a sério por quem detinha o poder de fazer algo para mudar os fatos.

Como o homem não tomou atitudes preventivas, os danos implementaram-se. Com isso, é possível afirmar que, apesar das eventuais medidas futuras para a redução na emissão de gases de efeito estufa, o planeta já é mais quente do que antes. E em que isso nos atinge? É, estamos sempre preocupados conosco, com o nosso; com o meu, com os meus! Bom, a festa de inauguração dos jogos mostrou o derretimento das calotas polares, o aumento do nível dos mares, a simulação de alagamento das cidades.

O que se pode ainda fazer, para ontem e seriamente, é reduzir as formas e graus de agressão à natureza. No plano ideal, espera-se da humanidade também a restauração dos processos ecológicos afetados, como determina a Constituição brasileira (artigo 225, parágrafo 1º, I).

Ainda assim, é bom reforçar, o restabelecimento da natureza em sua forma original é anseio utópico. Não é à toa que os princípios da prevenção e da precaução são dos mais importantes no Direito Ambiental. Diferenciam-se porque no primeiro há certeza científica sobre os danos ambientais; no último, há incerteza na ciência sobre os danos. A propósito, é interessante lembrar que foi justo no Rio de Janeiro, na ECO-92, que o princípio da precaução acabou sendo oficialmente conhecido e reconhecido no plano internacional (Princípio 15 da Declaração do Rio).

A reparação dos danos, por meio da tríplice forma de responsabilização — civil, penal e administrativa —, só deve ser buscada quando os esforços de evitação do resultado danoso tiverem sido inexitosos. Isto é, a responsabilidade pelos danos ambientais (artigo 225, parágrafo 3º, CF) representa o fracasso humano na implementação dos princípios da prevenção e da precaução, que são primordiais para a preservação ambiental, para o desenvolvimento sustentável.

O reconhecimento de que vivemos em uma sociedade de risco nos leva a também admitir que o mundo está interligado, pelo que as repercussões do que se decide em algum lugar do planeta não respeitam fronteiras. Os riscos já não se limitam a lugares ou grupos, contendo uma tendência à globalização.

Por causa disso, a mensagem dos organizadores da Olimpíada é moderna, atual e atinge a todos. Ela repercute na vida dos presentes no estádio, das autoridades, dos brasileiros e estrangeiros que acompanham os jogos, dos três bilhões que assistiram à abertura, assim como na vida daqueles que estão por vir, as futuras gerações de que trata o artigo 225 da CF. Aí está, o Direito Ambiental é intergeracional, e essa é mais uma de suas peculiaridades.

Que alerta importante! Ponto para quem organizou a abertura dos jogos. Outros tantos pontos por terem planejado a Olimpíada com foco em três pilares: uso eficiente de recursos, baixa emissão de carbono e gestão de resíduos. Houve preocupação com o aproveitamento da água da chuva, iluminação com luminárias de led que economizam até 90% de energia, sistema inteligente de controle de ar condicionado, utilização de placas de energia solar.

Essas atitudes estão em plena convergência com as conclusões da mais recente Conferência Ambiental das Nações Unidas, igualmente realizada no Rio de Janeiro, a Rio+20 (2012), que foi concluída com a elaboração do documento O futuro que queremos, e na qual foi dada grande ênfase à adoção de medidas efetivas para o combate ao aquecimento global e para a adoção de formas de produção de energia limpa em substituição ao padrão usual. 

O bom exemplo adotado pela organização da Olimpíada merece ser festejado. Preocupa-me, no entanto, que não seja apenas “para inglês ver”, que sirva de norte para os empreendimentos públicos e privados quando os holofotes mundiais não estiverem mais virados para as telas de TV atrás de recordes e medalhas.

Falando em exemplos, o Brasil teve mais uma ideia de destaque internacional: cada atleta presente na cerimônia de abertura dos jogos ganhou uma semente de vegetação nativa e plantou-a em potinhos individuais. Quando brotarem e se transformarem em mudas, serão levadas ao solo, formando uma mata como legado da Olimpíada de 2016. Será a denominada “Floresta dos Atletas”. Não há dúvida, trata-se de uma mensagem política impactante de sustentabilidade, partindo do país que detém o último “jardim” do mundo.

Inobstante, as 12 mil árvores — ou as que vingarem — não constituirão floresta alguma. No máximo uma “matinha”. Então, é importante olharmos para como temos preservado nossa verdadeira floresta, a Amazônica, que é patrimônio nacional (artigo 225, parágrafo 4º, CF).

O Imazon divulgou agora em julho recente pesquisa que aponta um aumento de 97% no desmatamento da Floresta Amazônica comparando-se os meses de junho de 2015 e 2016. Quais são as causas desse incremento de quase 100%? Pode haver relação com a crise financeira, a "lava jato" e a Olimpíada? Difícil dizer. As causas podem ser muitas, mas até vislumbro a possibilidade de que a "lava jato" e a Olimpíada tenham conexão com o fato. As causas óbvias e rotineiras, como má gestão e a dominação do interesse econômico, não abordarei neste espaço.

Ocorre que os desmatamentos ilegais são coisa de verdadeiros criminosos. Os que devastaram mais de 90% da Mata Atlântica agora estão concentrados em acabar com a Amazônia. Logo, caso de polícia!

Como a Polícia Federal tem um efetivo limitado, que não pode ser ampliado por conta da olímpica crise econômica, e haja vista as necessidades do efetivo para a Copa do Mundo, "lava jato" e Olimpíada, devendo-se considerar ainda as muitas horas despendidas na preparação dos policiais, sobretudo para os eventos mundiais, suponho que o trabalho de combate ao desmatamento amazônico esteja sendo relegado a segundo plano.

Aliás, não raro é assim: surgindo crise econômica ou conflito de prioridades, o ambiente acaba “pagando o pato”, assim como a sociedade também paga a conta da corrupção generalizada que assola o Brasil historicamente e de forma mais clara nos últimos anos.

Bem que os brasileiros poderiam ter recebido um legado mais consistente desse encontro esportivo único, como aponta o jornalista André Trigueiro em seu perfil do Facebook (publicação de 6 de agosto):

"Quis o destino que a cerimônia de abertura mais ecológica da História dos Jogos acontecesse na cidade que desprezou o legado ambiental mais importante (o avanço do saneamento básico na Baía de Guanabara) e num país ameaçado por vários projetos de Lei que tentam inutilizar a ferramenta do licenciamento ambiental".

Em dado momento da abertura olímpica, surgiu o questionamento: será que tem jeito? Neste ponto reflexivo do texto, assim como fizeram os organizadores da bela festa inaugural dos jogos, reporto-me ao poema A flor e a Náusea, de Drummond, para dizer que devemos nos agarrar à flor que surge do nada para nos dar esperanças de superação das crises que nos alcançam: ambiental, econômica e, especialmente, ética. Eis o que diz o poeta para refletirmos e agirmos:

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

É hora de dizermos CHEGA! Não toleramos mais corrupção, e estamos mostrando isso de diversas formas, inclusive tomando as ruas para protestar contra o fato danoso que a improbidade administrativa gera, não contra este ou àquele, tanto que todos os envolvidos, independentemente de sua agremiação partidária, têm sofrido com as reações populares.

Nessa linha, não devemos mais produzir ou aceitar um ambiente por metade, um “meio ambiente”. A atual e as futuras gerações humanas, de todas as partes do mundo, têm direito a um ambiente verdadeiramente olímpico.   

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    é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Civil e mestre em Direito Ambiental. Foi professor de graduação universitária e atualmente ministra aulas em cursos de pós-graduação e extensão. Integra a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. É autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

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