Direito Comparado

Direito Civil Contemporâneo tem, agora, revista com Qualis A2 da Capes

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

10 de agosto de 2016, 14h15

Spacca
O movimento em direção às revistas jurídicas
Os periódicos jurídicos e as grandes obras de caráter enciclopédico representam o estado da arte do desenvolvimento do Direito em cada país. No segundo grupo estão repositórios como o Digesto Italiano, os grandes comentários alemães ao Código Civil e, no Brasil, a famosa Enciclopédia Saraiva de Direito. Com o avanço da internacionalização dos institutos jurídicos e das universidades, é cada vez mais importante o fortalecimento das revistas em Direito. Esse movimento colocou na centralidade dos programas de pós-graduação a busca por veículos que exteriorizassem a produção de seus alunos e professores. Em contrapartida, houve um crescimento na utilização desses trabalhos nos meios acadêmicos e forenses. Com isso, a necessidade de se parametrizar e de se classificar as revistas jurídicas tornou-se essencial, até mesmo para se permitir o diálogo com as ciências exatas e biológicas, nas quais, há um século, o melhor da produção científica tem nos periódicos o seu desaguadouro natural.

Nesse contexto, a área do Direito na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a partir das gestões Gilberto Bercovici e Martônio Mont’Alverne, deu enorme impulso ao sistema de avaliação de periódicos jurídicos, que veio a se consubstanciar no Qualis Direito. As regras de avaliação e classificação das revistas jurídicas exigem um nível de complexidade no trabalho editorial extremamente elevado. São controles quanto à revisão cega por pares, à origem geográfica dos autores e dos pareceristas (com o objetivo de garantir a exogenia), à titulação mínima dos autores (para assegurar uma prevalência de doutores), à maximização de elementos bilíngues nas publicações e a uma linha editorial coesa (de modo a representar uma linha de pensamento não sincrética e metodologicamente não anódina).

Evidentemente que essas regras são muito mais facilmente recepcionáveis nas ciências não humanas, onde praticamente não existem mais revistas de elevados estratos publicadas em outro idioma que não seja o latim, digo, o inglês (o latim de nosso tempo). Em Direito e, mais particularmente, no Direito de origem romano-germânica, é muito mais difícil pensar em uma produção exclusivamente em inglês dado que a finalidade dos trabalhos é também dialogar com o mundo prático. Mesmo na Alemanha, até hoje, as principais revistas jurídicas são escritas em alemão, assim como na Itália e na França. Outro problema está na adequação a critérios de exogenia, quando se têm assimetrias regionais, como é o caso do Brasil, onde a grande maioria dos cursos de pós-graduação e de graduação situa-se em São Paulo, o que prejudica as revistas com sede nesse Estado.

Revista de Direito Civil Contemporâneo -RDCC atinge o Qualis A2
Mesmo com todos esses obstáculos, o avanço no Qualis Periódicos foi enorme e, para imensa satisfação da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT) a Revista de Direito Civil Contemporâneo – RDCC atingiu o Qualis A2 na avaliação de periódicos da CAPES 2016.

A RDCC é um periódico trimestral, editado pela ThomsonReuters-Revista dos Tribunais, um dos gigantes da produção científica internacional, que tem como editores os professores Otavio Luiz Rodrigues Junior e Ignacio Poveda (USP), Dário Moura Vicente (Lisboa), José Antonio Peres Gediel e Rodrigo Xavier Leonardo (UFPR), e Rafael Peteffi da Silva (UFSC). A revista conta ainda com um Conselho Editorial formado pelos principais privatistas brasileiros e estrangeiros da atualidade. De universidades europeias podem-se citar Reinhard Zimmermann, Stefan Grundmann, Menezes Cordeiro, Antonio Pinto Monteiro, Christian von Bar, Jörg Neuner, Rogelio Perez Perdomo, Eduardo Véra-Cruz e Reinhard Singer, dentre outros igualmente importantes.

Cada uma das universidades envolvidas tem participação efetiva nas atividades editoriais, que conta ainda com um conselho de orientação editorial, formado por ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, além de membros de tribunais regionais e estaduais. Esse conselho tem por função manter sempre viva a relação da RDCC com a jurisprudência, a fim de que a revista também seja útil a uma parcela significativa de leitores mais preocupados com a aplicação prática dos conhecimentos jurídicos.

O Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito do Largo São Francisco tem presença ativa nos diversos conselhos da RDCC, que conta hoje com todos os seus professores titulares nos comitês editoriais, como Carlos Alberto Dabus Maluf, Silmara Chinellato, Giselda Hironaka, Fernando Campos Scaff, José Luiz Gavião de Almeida, Nestor Duarte (em Direito Civil), Eduardo Marchi (em Direito Romano) e Ignacio Poveda (em História do Direito). Além, é evidente, de quase todos os professores associados e doutores, sem esquecer alguns dos titulares já aposentados, o que dá um sentido de tradição e de renovação à revista.

Os trabalhos operacionais da editoração da RDCC estão a cargo de alunos da Faculdade de Direito do Largo Francisco, na pós-graduação e na graduação, como Paulo Eduardo Campanella Eugênio, Bruno de Ávila Borgarelli e Luís Felipe Rassmuss, que também integram uma atividade de extensão no âmbito da Universidade de São Paulo.

A RDCC e sua linha editorial
A RDCC é uma revista jovem. Surgida em outubro de 2014, completará logo mais dois anos de existência. Inspirada nos Arquivos para a Prática Civilística, uma centenária revista alemã de Direito Civil, a RDCC tem por “grandes linhas” de sua política editorial: a) a defesa da autonomia epistemológica do Direito Civil (e do Direito Privado por extensão); b) o reconhecimento da peculiaridade dos princípios jurídicos de Direito Privado frente a outras áreas do ordenamento jurídico; c) o diálogo com a experiência histórica e com os fundamentos romanísticos do Direito Privado; d) a internacionalização; e) o enfrentamento dos problemas práticos de uma sociedade hipercomplexa, fragmentária e desigual, mas sem ignorar os limites do Direito em sua atuação social, dada sua posição de mera superestrutura nas relações de poder.

Os fundamentos estão em Savigny e em todos os gigantes do Direito Civil que o antecederam ou que o sucederam, mas as respostas devem ser dadas a um ser humano movido pelas angústias, as necessidades e as incertezas do século XXI. E tais respostas desafiam a capacidade, o entendimento e a criatividade de um jurista contemporâneo. Essa contradição essencial de nosso tempo foi muito bem capturada por Rodrigo Xavier Leonardo no editorial do volume 2 da RDCC, quando ele reflete sobre o sentido do que seja contemporâneo, citando Giorgio Agamben:  Contemporâneo é o que “pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e aprender o seu tempo”. Dai ser que “o contemporâneo inevitavelmente será marcado pelo desassossego, que muitas vezes adverte e atenta a fragilidade daquilo que está posto como o estado da arte, malgrado não o ser”. E, “ainda com Agamben, ‘pode dizer-se contemporâneo apenas quem não se deixa cegar pelas luzes do século e consegue entrever nessas a parte da sombra, a sua íntima obscuridade’”.

Para além disso, a RDCC é uma revista com forte perfil comparatista. Acredita-se que o Direito Comparado é um mecanismo essencial para a solução de problemas reais dos ordenamentos internos e para se evitar recepções mal feitas de institutos jurídicos estrangeiros. Não é sem causa que se está aproveitando o espaço desta coluna Direito Comparado para se enaltecer esse aspecto da Revista de Direito Civil Contemporâneo.

RDCC em números
A revista divide-se em sete seções fixas: a) doutrina nacional; b) doutrina estrangeira; c) ensaios e pareceres; d) memória do Direito Civil; e) diálogos com a doutrina e a jurisprudência; f) resenhas de livros; g) comentários de jurisprudência.

Em seus quase dois anos de existência, a RDCC já publicou 78 artigos, dos quais 7 integraram a seção de Memória do Direito Civil, uma forma de homenagear os grandes civilistas e suas contribuições exemplares, que permanecem contemporâneas. Antonio Junqueira de Azevedo, um dos símbolos da própria Rede de Direito Civil Contemporâneo, Clóvis do Couto e Silva, Moreira Alves, Silvio Rodrigues, Alvino Lima, San Tiago Dantas e Agnelo Amorim estão nesse grupo. Trabalhos fundamentais para o Direito Civil, por eles escritos, foram reeditados, como o conceito de dano (Couto e Silva), o precursor estudo sobre a interferência de terceiros nas relações contratuais (Alvino Lima) e os critérios para distinção de prescrição e decadência (Amorim).

Publicaram-se também 15 artigos de autores estrangeiros, sendo 5 alemães, 4 portugueses, 3 italianos, 2 espanhóis e 1 colombiano. A diversidade de origens geográficas reforça a marca da internacionalização e do comparatismo, ao tempo em que permite ao público brasileiro dialogar em sua própria língua com o estado da arte de muitas matérias do Direito Civil contemporâneo. Reinhard Zimmermann, Stefan Grundmann, Riccardo Cardilli, Antonio Pinto Monteiro, Dario Moura Vicente e Paulo Mota Pinto são apenas alguns do exemplos dessa riquíssima seção da RDCC.

Autores nacionais de diferentes regiões do país também contribuíram para a RDCC. Os ministros Antonio Carlos Ferreira e Luís Felipe Salomão (STJ), os professores Paulo Nader, Maria Helena Diniz, Sílvio de Salvo Venosa, César Fiúza, Melhim Chalhub,  Gilberto Bercovici, Adalberto Pasqualoto, José Antonio Peres Gediel,  Romeu Bacellar, Modesto Carvalhosa, Lenio Streck e Arnoldo Wald estão entre alguns dos autores dos artigos já editados pela RDCC.

A seção de Ensaios e Pareceres é dedicada à identificação de como os problemas práticos têm encontrado resposta na advocacia. Temas como arbitragem, direitos autorais, contratos-aliança, terras de estrangeiros,  cláusula de raio, regimes de bens e outros igualmente complexos foram examinados por Silmara Chinellato, Gustavo Tepedino, Edvaldo Britto, Judith Martins-Costa, Selma Lemes, Heleno Taveira Torrres, Fernando Campos Scaff e outros ilustres consultores jurídicos nos 13 pareceres já publicados na RDCC.

 

A seção de Ensaios e Pareceres é dedicada à identificação de como os problemas práticos têm encontrado resposta na comunidade jurídica. Temas como arbitragem, direitos autorais, contratos-aliança, terras de estrangeiros, regimes de bens e outros igualmente complexos foram examinados por Silmara Chinellato, Gustavo Tepedino, Edvaldo Britto, Selma Lemes, Heleno Taveira Torrres, Fernando Campos Scaff e outros ilustres consultores jurídicos nos 13 pareceres já publicados na RDCC.

Um dos diferenciais da RDCC é a seção Diálogos com a Doutrina e a Jurisprudência, na qual foram entrevistados 6 grandes personalidades do Direito Privado Contemporâneo. Nelson Nery Júnior, editor da conceituadíssima Revista de Direito Privado, que serve de modelo para a RDCC, foi o primeiro a ser entrevistado, com enorme repercussão para além das fronteiras jusprivatísticas. Reinhard Zimmermann e Jan Peter Schmidt, por ocasião de sua vinda ao Brasil, concederam também uma entrevista que teve enorme impacto, publicada em inglês e português. Marcos Bernardes de Mello, o legatário do pensamento de Pontes de Miranda, foi entrevistado por Rodrigo Xavier Leonardo, outro representante ponteano. O ministro Ruy Rosado de Aguiar, o grande transformador da jurisprudência privatística nacional nos anos 1980-1990, concedeu entrevista a Jorge Cesa Ferreira da Silva. Maria Celina Bodin de Moraes, editora da elegante civilistica.com, foi entrevistada por Karina Nunes-Fritz e expôs um pouco de sua trajetória acadêmica e suas visões de mundo. Arruda Alvim, o mestre de gerações na PUC-SP, foi o entrevistado por Rafael Peteffi da Silva no volume 7 da RDCC.

Um campo ainda em desenvolvimento no Brasil é o de resenhas de obras literárias jurídicas. A exposição crítica desses livros integra uma seção permanente da RDCC, que já publicou 14 resenhas de obras nacionais e estrangeiras.

Os comentários jurisprudenciais são outro ponto de contato da RDCC com a realidade prática dos advogados, juízes, promotores e demais atores jurídicos. 14 comentários já foram estampados na RDCC. No volume 7, por exemplo, Jan Peter Schmidt fez uma análise aprofundada do regime de invalidades e o venire contra factum proprium no Direito brasileiro.

Revista, futuro e cultura jurídica
Reinhard Zimmermann, em seu artigo “Direito Romano e cultura europeia”, publicado no volume 7 da RDCC,[1] descreve a transferência do legado civilizatório, seja ele romano, medieval e moderno, ao Direito e ao homem contemporâneos. Essa acomodação entre fundamentos e práxis, passado e futuro, perfeição de modelos teóricos e contradições da realidade quotidiana nunca é fácil e, várias vezes, é puramente quimérica. No entanto, desistir dessa permanente busca pelo ideal de uma cultura jurídica refinada e que possa, por meio de processos de decantação e de vulgarização do conhecimento, influir na tomada de decisões jurídico-políticas é algo que não pode ser admitido por aqueles que creem na função social da universidade e dos órgãos do judiciário, do Ministério Público e da advocacia.

Com tantas oportunidades de acesso à informação jurídica, manter um periódico trimestral, com observância dos critérios Qualis e ainda tentando atingir públicos de diferentes perfis, até para permitir esse diálogo entre a experiência prática e a dedução teórica, não é um ofício simples. Recolher os frutos desse trabalho, como é o estrato A2, é algo que dá profunda satisfação a todos os que integram a Rede e os órgãos editoriais da RDCC. Esta coluna serve especialmente para divulgar esses resultados, para convidar a todos que contribuam com os próximos números (a chamada para artigos está aqui) e que conheçam e assinem a RDCC. Assiná-la é coadjuvar no prosseguimento desse esforço de professores, advogados, magistrados, membros do Ministério Público e estudantes.

Deve-se também agradecer ao espaço que a revista eletrônica Consultor Jurídico fornece semanalmente à Rede, consistente na coluna Direito Civil Atual. Muitos dos autores da RDCC publicam na coluna e ali divulgam seus pensamentos, ampliando-se o espectro de penetração dos artigos, comentários e resenhas da revista. Sem falar, é claro, na publicação de versões resumidas das grandes entrevistas que a RDCC veicula a cada edição. As entrevistas com Reinhard Zimmermann e Jan Peter Schmidt (já publicada e com enorme impacto) e Stefan Grundmann (ainda não publicada na RDCC) são exemplos disso e contaram com a participação da equipe da ConJur, com o jornalista Sérgio Rodas, e da professora Karina Nunes Fritz.

Finalmente, é imperativo o agradecimento à ThomsonReuters-Revista dos Tribunais, cuja equipe liderada pela editora Marisa Harms, com a participação da Aline Souza e da Marcella Silva, são parte essencial dessa conquista. Além, por óbvio, o reconhecimento ao trabalhos da Comissão Capes Qualis 2016,  que avaliou centenas de periódicos jurídicos, com enorme critério, sob a presidência da Professora Ana Maria D'Ávila Lopes.

 


[1] Zimmermann, Reinhard. Direito romano e cultura europeia. Traduçao de Otavio Luiz Rodrigues Junior e Marcela Paes de Andrade Lopes de Oliveira. Revista de Direito Civil Contemporâneo. v. 7. ano 3. p. 241-276. São Paulo: Ed. RT, abr.-jun. 2016.

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    é conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

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