Opinião

A EC 92/2016 e o desajuste na sistematização dos tribunais superiores

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla professor advogado e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz procurador e auditor fiscal do Trabalho.

7 de agosto de 2016, 6h50

A Emenda Constitucional 92, de 12 de julho de 2016, alterou a Constituição Federal de 1988, para explicitar o Tribunal Superior do Trabalho como órgão do Poder Judiciário, alterar os requisitos para o provimento dos cargos de ministros desse tribunal e modificar a sua competência. A Constituição da República, com isso, ao arrolar os órgãos do Poder Judiciário, passou a prever, expressamente, o Tribunal Superior do Trabalho (artigo 92, inciso II-A).

Não obstante, em verdade, o TST já era reconhecido, inclusive em âmbito constitucional, como órgão do Poder Judiciário. Efetivamente, a Constituição da República prevê como órgãos do Poder Judiciário os tribunais e os juízes do trabalho (artigo 92, inciso IV). Mais especificamente, a norma constitucional dispõe que são órgãos da Justiça do Trabalho o Tribunal Superior do Trabalho, os tribunais regionais do Trabalho e os juízes do trabalho (artigo 111).

É certo que a Constituição Federal de 1988 arrola, como órgão do Poder Judiciário, de modo específico, o Superior Tribunal de Justiça (artigo 92, inciso II), argumentando-se que o mesmo deveria ocorrer com o TST. Entretanto, isso ocorre porque o STJ é o tribunal superior que sobrepaira tanto a Justiça estadual como a Justiça Federal comum.

Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça não integra uma Justiça especializada, como é o caso do Tribunal Superior do Trabalho, não estando, assim, presente nos demais incisos do artigo 92 da Constituição da República.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, é o tribunal que se sobrepõe a todos os demais órgãos do Poder Judiciário brasileiro, justificando a sua previsão no artigo 92, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

Ao se mencionar os tribunais e juízes do trabalho, os tribunais e juízes eleitorais, bem como os tribunais e juízes militares como Justiças especializadas do Poder Judiciário, não havia (e não há) qualquer dúvida de que cada uma delas tem o seu respectivo tribunal superior, ou seja, o TST, o TSE e o STM.

Seguindo a lógica da Emenda Constitucional 92/2016, o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal Militar, como tribunais superiores da Justiça Eleitoral (artigo 118) e da Justiça Militar (artigo 122), também deveriam ser indicados, de forma expressa e específica, no artigo 92 da Constituição Federal de 1988.

Isso não ocorre justamente porque, assim como a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar são Justiças especializadas que integram o Poder Judiciário nacional.

Com a Emenda Constitucional 92/2016, o Tribunal Superior do Trabalho passa a ser mencionado, de modo destacado, no rol do artigo 92 (inciso II-A), embora também faça parte da Justiça do Trabalho (artigo 92, inciso IV, e artigo 111).

Nota-se, portanto, a reiteração da mesma realidade institucional quanto ao TST e a incongruente ausência de dispositivo correspondente (artigo 92) a respeito dos outros tribunais superiores de Justiças especializadas (TSE e STM).

Da mesma forma, a Seção V, do Capítulo III (sobre o Poder Judiciário), do Título IV (voltado à organização dos poderes), da Constituição da República, com a nova redação, faz referência ao Tribunal Superior do Trabalho, aos tribunais regionais do Trabalho e aos juízes do trabalho.

Não obstante, as seções VI e VII, que tratam das outras Justiças especializadas do Poder Judiciário brasileiro, não foram modificadas, pois continuam mencionando apenas os tribunais e juízes eleitorais e os tribunais e juízes militares, ou seja, sem referência expressa ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Superior Tribunal Militar.

Isso confirma a nítida desarmonia no tratamento das Justiças especializadas decorrente da modificação constitucional.

A Constituição da República passou a prever, ainda, que para a nomeação de ministros do TST deve haver notável saber jurídico e reputação ilibada (artigo 111-A), o que, entretanto, já se podia entender subtendido, tendo em vista a notória relevância do cargo e a evidente responsabilidade de quem o exerce, tal como ocorre quanto aos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (artigos 101 e 104).

Por fim, a Constituição da República, em razão da EC 92/2016, dispõe que compete ao Tribunal Superior do Trabalho processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões (artigo 111-A, parágrafo 3º).

A reclamação já era prevista, em âmbito constitucional, quanto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça (artigo 102, inciso I, l, e no artigo 105, inciso I, f), argumentando-se sobre a necessidade de dispositivo similar para o TST.

Trata-se de aparente novidade, pois o Código de Processo Civil de 2015 já prevê o cabimento da reclamação, até mesmo de modo mais amplo (artigo 988), abrangendo o Tribunal Superior do Trabalho, assim como os tribunais regionais do Trabalho (artigo 15), o que foi confirmado pela recente Instrução Normativa 39/2016 do próprio TST (artigo 3º, inciso XXVII).

Como se pode notar, apesar da ampla divulgação que precedeu a promulgação da Emenda Constitucional 92/2016, em essência, não há modificações substanciais dela decorrentes, revelando certa conotação simbólica. Não se vislumbra, assim, incremento à efetividade da tutela jurisdicional ou mesmo o aperfeiçoamento da estrutura judiciária.

Na realidade, em termos de sistematização institucional, o principal desdobramento dessa alteração é a disciplina divergente e desarmônica que passa a existir entre os tribunais superiores das Justiças especializadas do Poder Judiciário brasileiro.

Autores

  • é livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP, pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, professor, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz, procurador e auditor fiscal do Trabalho.

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