Opinião

Regime de regularização de ativos no exterior pune herança antecipada

Autor

  • Igor Mauler Santiago

    é sócio-fundador do escritório Mauler Advogados mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

5 de agosto de 2016, 18h40

*Artigo originalmente publicado na edição desta sexta-feira (5/8) do jornal Valor Econômico.

O ministro interino do Planejamento manifestou no Senado grave dúvida quanto à efetivação da receita esperada pelo governo com o regime de regularização de ativos no exterior — impropriamente chamado de "repatriação", já que o contribuinte não está obrigado a trazer os seus recursos para o país.

Criado pela Lei 13.254/2016, o programa dá às pessoas físicas e jurídicas residentes no Brasil em 31 de dezembro de 2014 a oportunidade de regularizarem os recursos, bens ou direitos de origem lícita que, tendo sido mantidos no exterior em qualquer momento antes daquela data, não tenham sido declarados às autoridades tributárias e monetárias brasileiras.

A regularização faz-se pelo pagamento de Imposto de Renda de 15%, considerando a cotação do dólar no último dia de 2014, e de multa de 100% do imposto assim apurado, bem como pela apresentação de declaração específica e pela retificação de declarações tributárias e cambiais anteriores e posteriores.

Os seus efeitos abrangem a extinção de todos os outros tributos incidentes sobre os ativos regularizados (salvo exceções pontuais indicadas na lei), bem como das respectivas multas e juros; o afastamento das sanções pela omissão perante o Banco Central, bem como daquelas aplicáveis por outras autoridades reguladoras federais. Além da anistia dos crimes de sonegação fiscal, falsidade material e ideológica, uso de documento falso e evasão de divisas, desde que ligados aos bens agora declarados, bem como de lavagem dos bens ou do dinheiro oriundos desses mesmos crimes.

O atual cenário de colaboração entre os Fiscos de quase todos os países do mundo, com progressiva eliminação dos sigilos bancário e societário — movimento de que o Brasil é parte ativa, como provam os tratados de troca de informações a que temos aderido e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal dispensando as autoridades fiscais de obterem autorização judicial para ter acesso aos dados bancários dos particulares — tornam a regularização praticamente obrigatória para quem se encaixe nos seus parâmetros.

A intensificação da guerra ao terrorismo estimulará ainda mais o fluxo internacional de dados, e mesmo os Estados mais resistentes se verão compelidos a entrar na dança. Por isso, mudar-se do país ou transferir os recursos para jurisdições hoje "seguras" não são garantias de longo prazo contra os rigores da lei brasileira.

Isso não significa, contudo, que o programa de regularização não tenha falhas. A inclusão, na base de cálculo do tributo e da multa, dos recursos já gastos pelo contribuinte e dos bens que não mais estejam em sua titularidade na data de corte — interpretação que a PGFN acaba de confirmar no Parecer 1.035/2016 — é talvez a principal delas, explicando em grande medida a decepção do Planalto.

Primeiro pela insegurança jurídica quanto ao período a ser computado. Alguns especialistas recomendam que o cálculo seja feito pela soma de todos os ingressos havidos — o que, vale notar, é mais do que o maior saldo registrado — nos últimos cinco anos (decadência tributária), prazo alargado por outros para 12 (prescrição do crime de evasão de divisas) ou mesmo para 16 anos (prescrição do crime de lavagem de capitais). A mínima divergência aqui acarretará a exclusão do contribuinte, sujeitando às penas da lei quem confessou os seus ilícitos e pensava tê-los sanado.

Segundo pelo óbice econômico que cria à adesão de interessados incapazes de arcar com o imposto e a multa sobre valores que não mais detêm, frustrando tanto o intuito arrecadatório do programa — pois eles podem ter bens remanescentes na data de corte, sobre os quais conseguiriam pagar os custos da regularização —, como também o seu intuito não arrecadatório de pacificação social por meio da anistia criminal.

Mais do que isso, a regra onera exageradamente os bens doados, situação comum nos planejamentos sucessórios. De fato, segundo a lei (artigo 4, parágrafo 8º, VI), tanto o antigo como o novo proprietário deverão aderir ao programa e pagar 30% do patrimônio transferido, elevando a 60% a carga tributária global (ou a 90%, caso as transferências tenham sido duas, e assim por diante).

O tratamento mostra-se ainda mais inadequado quando se verifica que não é estendido aos ativos mantidos em nome de interposta pessoa. Aqui, a regularização pelo verdadeiro dono exonera do pagamento o chamado testa-de-ferro (artigo 4º, parágrafo 5º). Ali, tanto o proprietário original quanto o terceiro que dele recebeu o bem por causa justa são obrigados a declarar e pagar.

Recomendamos a rápida alteração da lei nesse ponto, visto que o prazo de adesão vai só até 31 de outubro, tirando-se a ênfase das pessoas e concentrando-a no capital, que precisaria ser regularizado uma única vez, não importa por quantas mãos tivesse passado.

A mudança não reduzirá a arrecadação naqueles casos em que os ativos foram transformados em outros (compra, venda ou permuta) antes da data de corte, pois — e hoje já é assim — a dispensa de declaração dos bens originários é compensada pela necessidade de regularização dos novos.

O alívio proporcionado pela regra aqui proposta ficará limitado aos bens consumidos (dinheiro gasto) e aos cedidos de forma gratuita antes de 31 de dezembro de 2014, valendo observar que apenas em relação aos primeiros haverá efetiva perda de parte da receita tributária que seria razoável pretender, assim entendida a fração de 30% do valor dos ativos lícitos e não declarados existentes no estrangeiro.

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