Opinião

Mídia insiste em rotular o mundo muçulmano como terrorista

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2 de agosto de 2016, 15h30

Imagine a situação de alguém, diante de uma agressão contra seu patrimônio, sendo levado a utilizar dos recursos disponíveis para defendê-lo e, pela desproporcionalidade da força empregada, acabe tirando a vida do agressor. Em outras palavras, a posse de bens materiais conquistados, não importa como, sendo cobiçados por outrem, autoriza a matança para a sua preservação?

Atualmente, cerca de 80 pessoas concentram o equivalente à mesma riqueza distribuída entre outros 3,5 bilhões de mortais, metade da população mundial. Através de todos os meios possíveis, trabalhando de sol a sol, essa multidão de desafortunados quer acessar parte do extraordinário quinhão acumulado pelo pequeno grupo de senhorios.

A turba é obstaculizada, entretanto, por meio de ações as mais solertes de quem a detém, sempre de modo a disfarçar métodos violentos aplicados na sua proteção e garantir a perpetuação do silêncio da massa ignara.

Em breve 99% de toda a riqueza mundial estarão nas mãos de apenas 1% das pessoas. Esse assombro foi denunciado em pesquisa da organização Oxfam International, devendo-se principalmente à indústria extrativista (petróleo, gás, minérios) esta captura de oportunidades pelos ricos, naturalmente à custa dos mais pobres e da classe média.

O setor de energia propulsiona todos os outros: alimentos, tecnologia, varejo, finanças, imprensa, etc., tudo isso nas mão de algumas dezenas de abastados. O petróleo, símbolo máximo da área energética, tem suas principais jazidas no Oriente Médio, algo em torno de 65% das reservas mundiais.

Revisitando a história, sabe-se que com a queda do nazismo, o fim do imperialismo japonês e o comunismo soviético, o Islã, convenientemente, veio a ocupar a posição de “o novo inimigo” das grandes potências mundiais.

Aguçou o ódio ao islamismo a perspicaz teoria do “choque de civilizações”, propugnada principalmente a partir de 1996 por Samuel P. Huntington (Francis Robinson, “O mundo islâmico”, 2007). Com essa bandeira, içada, sobretudo pelo fator “11 de setembro de 2001”, os Estados Unidos da América do Norte intervieram com seus aliados, pela força, em países muçulmanos densos de petróleo e outros recursos naturais.

O combate ao terrorismo passou a justificar toda e qualquer ação violenta. Espalha-se o preconceito contra o islamismo, mas as grandes petroleiras e empresas da construção pesada no Oriente Médio são americanas e europeias. Por mais paradoxal que possa parecer, a exploração do petróleo é mantida pelos invasores em Estados soberanos que “abrigariam”, segundo eles, células terroristas (exemplo Líbia e Iraque).

O “inimigo” estabelecido, para não se dissipar ante as dúvidas geradas por ações contraditórias das chamadas "forças de coalizão", vem sendo materializado por entidades que representariam o Islã, como Al Qaeda, Bin Laden, Taliban, atualmente Estado Islâmico (EI). Seus métodos, porém, contrariam os mais comezinhos valores muçulmanos.

Tratam-se de verdadeiras organizações criminosas, sem conteúdo religioso, a serviço do poder econômico. Todavia, por mais que se diga que suas práticas nada tem que ver com o islamismo, a máquina da grande mídia insiste em rotular o mundo muçulmano de terrorista. Caindo em descrédito um, como agora ocorre com o desmascarado EI, cria-se outro.

Assim, pouco a pouco, vamos assistindo ao assassinato de milhares de civis muçulmanos em todas as partes, vítimas de atentados realizados não só pelo EI, como também pelos diversionistas ataques “defensivos” perpetrados pelas grandes potências mundiais. E, por aí mantém-se vivo o enganoso combate ao terrorismo e a justificativa das invasões espoliatórias.

O espetáculo do horror, de ato em ato, vai narcotizando as pessoas, que passam a despender suas energias contra o inimigo errado. O Brasil, para se ter uma ideia, produz anualmente quase 60 mil vítimas de homicídio, praticamente uma pessoa por minuto é assassinada. Mas o terror está do outro lado! E, assim, com a descoberta do imenso campo petrolífero do pré-sal, o terror "coincidentemente" migrou para estas terras!

Crimes violentos perpetrados por conservadores da ultradireita europeia ou americana são debitados à conta dos muçulmanos, sendo exemplo o último ocorrido em um centro comercial de Munique, Alemanha, pelo cidadão alemão David Sonbaly, que matou a tiros 9 pessoas e feriu outras tantas.

Enquanto isso prospera a política beligerante internacional e esse nefasto mercado petrolífero. Concentram-se ainda mais as riquezas do planeta. Acentua-se a dominação. O pretexto do terrorismo tem funcionado muito bem, nunca tantos foram enganados durante tanto tempo!

Advertiu o Papa Francisco em entrevista concedida recentemente a jornalistas na Polônia, onde participou da jornada Mundial da Juventude, "estamos em guerra, mas não é uma guerra de religiões (…) tem guerra de interesse, por dinheiro, pelas reservas naturais, pelo domínio dos povos". Repudiou o líder católico, portanto, a histeria discriminatória que se fortalece com o terrorismo de fachada.

A insegurança causada pelo terror cuidadosamente criado e manejado pelo infame interesse econômico serve para manter seguro o tesouro dos cada vez mais ricos, sejam eles nações ou pessoas.

Os mortais, tomados pela cegueira coletiva, pelo ódio, pela pequenez do preconceito, continuam com suas esperanças alimentadas por migalhas, em espetáculo tragicômico: 1% das pessoas assegura com mão de ferro a posse de 99% da riqueza existente no planeta, empregando para tanto métodos os mais dantescos, apoiadas servilmente pelo restante da população mundial com festejos e lisonjas! E, nada pode ser feito?

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    é juiz federal em São Paulo, mestre em Ciências Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal e professor de Direito Constitucional.

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