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Vitoria Schimiti: Trava bancária é desafio na recuperação judicial

29 de abril de 2016, 6h36

Por Vitoria Schimiti Voltarelli

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Uma das maiores problemáticas enfrentadas pelo juízo da recuperação judicial diz respeito à chamada “trava bancária” (ou cessão fiduciária de créditos recebíveis), garantia oferecida aos brancos pelas empresas em recuperação para obtenção de empréstimos que sirvam ao financiamento das suas atividades.

Por meio da cessão fiduciária de créditos recebíveis, o empréstimo concedido pela instituição financeira é quitado por meio dos pagamentos feitos à recuperanda, que ficam retidos pelo banco (“travados”) e não são, portanto, revertidos em favor da empresa.

A matéria é de extrema importância porque gravita em torno de dois interesses em conflito: de um lado o da sociedade em recuperação, que tenta viabilizar sua atividade econômica com a consequente superação da crise financeira enfrentada e, de outro, o do credor, instituição financeira, que recebeu título de crédito em garantia fiduciária de contrato de abertura de crédito.

O artigo 49, §3º, da Lei de Falências e Recuperação (Lei 11.101/2005)[1], exclui da recuperação judicial “o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendamento mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio”.

O dispositivo é claro em estabelecer que nenhum dos bens móveis da empresa (neles incluídos os direitos creditórios, por força do artigo 83, do Código Civil [2]) objeto de alienação fiduciária, arrendamento ou reserva de domínio estará englobado pela recuperação, tampouco será vendido ou retirado do estabelecimento, sob pena de inviabilizar o plano pela pela perda de elementos essenciais ao seu funcionamento.[3]

Em julgamento unânime no Resp 1.263.500-ES, sob a relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela validade do dispositivo, fundamentando que “se, por um lado, a disciplina legal da cessão fiduciária de título de crédito coloca os bancos em situação extremamente privilegiada em relação aos demais credores, até mesmo aos titulares de garantia real (cujo bem pode ser considerado indispensável à atividade empresarial) e dificulta a recuperação da empresa, não se pode desconsiderar que a forte expectativa de retorno do capital decorrente deste tipo de garantia permite a concessão de financiamento com menor taxa de risco e, portanto, induz à diminuição do spread bancário, o que beneficia a atividade empresarial e o sistema financeiro nacional como um todo”.

Em voto vista, o ministro Luiz Felipe Salomão, concordando que a cessão fiduciária não se submete ao plano de recuperação, ressalvou que os valores recebidos pelo banco apenas deveriam ser levantados a seu favor se não fossem essenciais ao funcionamento da empresa em recuperação.

A prudência na avaliação da essencialidade dos valores à empresa é importante, porque em se tratando de recuperação judicial, o interesse imediato de entrada de capital no caixa, embora aparente o contrário, muitas vezes não significa a melhor solução para manutenção da atividade empresarial, principalmente porque instaura conflito de interesse com credores privilegiados pelo ordenamento jurídico.

Ora, se as garantias conferidas a estes credores, principalmente instituições financeiras, forem gradativamente minadas por decisões proferidas pelo juízo da recuperação, a própria recuperanda poderá sofrer consequências mais sérias, não conseguindo mais crédito junto ao sistema financeiro, por exemplo.

Não se questiona a validade das travas bancárias como direitos que não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, no entanto, o tratamento diferenciado concedido ao credor fiduciário não deve servir de óbice à limitação do direito de retomada do bem, a critério do juízo.

Para que a exclusão de certos créditos dos efeitos da recuperação cumpra com os fins sociais para os quais foi prevista, é preciso que não se repute ampla e absoluta a possibilidade do detentor do direito creditório fazer valer seus direitos em prejuízo da essencialidade do crédito à manutenção da atividade empresarial da recuperanda.


1  Art. 49. Omissis. § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

2 Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: (…) II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;

3 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 11ª ed, Revista dos Tribunais, 2015. Fls. 163