Garantias do Consumo

Restrição à Internet fixa não respeita neutralidade e direitos dos consumidores

Autor

  • Guilherme Magalhães Martins

    é professor associado de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ professor permanente do programa de doutorado em Direito Instituições e Negócios da UFF pós-doutor em Direito da USP doutor e mestre em Direito Civil pela Uerj procurador de Justiça no MP-RJ segundo vice-presidente do Instituto Brasilcon e diretor do Iberc.

27 de abril de 2016, 11h14

O anúncio, pelas principais operadoras de Internet fixa no Brasil, de restrições no consumo de dados, enseja grave preocupação, do ponto de vista da proteção dos consumidores. O consumidor que ultrapassar sua cota mensal, de acordo com o pacote de dados contratado, terá a velocidade da Internet reduzida ou suprimida. Até este ano, no entanto, o consumo de dados era ilimitado, havendo cobranças diferenciadas apenas em virtude da velocidade de conexão.

Antes, os consumidores apenas compravam o plano de acordo com a velocidade, mas sem limite quanto ao volume de dados; agora, serão penalizados os usuários que ultrapassarem o valor pré-definido nos seus contratos.

Não é por outro motivo que o Conselho Diretor da Anatel decidiu, no último dia 22 de abril, proibir a imposição de limites à internet fixa por tempo indeterminado, até a decisão final do processo, ficando as operadoras, até então, impedidas de reduzir a velocidade, suspender o serviço ou cobrar pelo tráfego excedente nos casos em que os consumidores utilizarem toda a franquia contratada, ainda que tais práticas estejam previstas em contrato de adesão ou plano de serviço.

O Ministério das Comunicações, segundo noticiado pela imprensa, está elaborando um termo de compromisso que será apresentado às empresas, de modo a assegurar que os contratos antigos não sejam atingidos por eventual mudança, bem como seja dada aos usuários uma ferramenta informando seu perfil de consumo, o volume de dados consumidos durante o mês e a proximidade do esgotamento do plano.

Como já ocorria na internet móvel, as operadoras de internet fixa passam a impor um limite ou franquia de consumo, gerando impactos a diversos usuários, como pesquisadores, espectadores de filmes, alunos de cursos à distância e fãs de videogames, que sofrerão grande impacto no custo do download de dados.

Sem falar nos usuários das redes sociais, estimulados a se tornar geradores de dados, viabilizando o crescimento de negócios bilionários, comparáveis aos índios do Brasil colônia, que, em troca de espelhos, cediam ouro e vastos territórios aos colonizadores brancos. O resguardo do direito de informação dos consumidores ocorre através de dois requisitos: deve a operadora disponibilizar uma ferramenta para que o usuário acompanhe o consumo e  informar quando o limite está próximo ao fim.

Tal prática das operadoras revela-se abusiva, por trair a confiança dos consumidores e contrariar dispositivos expressos do Marco Civil da Internet no Brasil (Lei 12.965/2014), em especial o artigo 3º, inciso IV, que prevê a neutralidade da rede como um de seus princípios, e o artigo 9º, que proíbe qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços, conforme regulamentação. Trata-se, portanto, do pressuposto para uma Internet verdadeiramente livre.

O expressão “neutralidade da Internet” foi cunhada pelo professor da Universidade de Columbia, Tim Wu, em cujas palavras trata-se de “um princípio muito simples, que sugere que você tem o direito de acessar a informação que quiser, é sobre a liberdade de as pessoas se comunicarem”[1]

De acordo com o princípio da neutralidade, os provedores de aplicações e de serviços da Internet não podem tratar de forma discriminatória os dados que trafegam em suas estruturas, não importando seu conteúdo, origem ou destino. A ideia é impedir, contrariando a própria origem e característica descentralizada e livre da Internet, a criação de um poder central capaz de colocar em risco a autonomia do usuário na escolha do que será acessado, além de ameaçar a oferta de produtos, serviços e aplicativos em igualdade de condições.

O argumento utilitarista de que, em homenagem à propriedade privada e pela lógica do mercado, apenas os consumidores que podem pagar mais deverão ter acesso à Internet ilimitada levará a uma segregação social, com a exclusão dos consumidores menos favorecidos no ambiente virtual, cuja navegação seria restrita, indo de encontro do direito fundamental de acesso à Internet, considerado pelo artigo 7º da Lei 12.965/2014 como essencial ao exercício da cidadania.

A visão das operadoras, além de traduzir um retrocesso, ofende o princípio da função social da propriedade, cabendo-lhes exercer sua atividade econômica de modo a promover todos os interesses metaindividuais e sociais envolvidos, em especial dos consumidores, evitando-se qualquer tratamento discriminatório.


[1]WU, Tim. Network neutrality, broadband discrimination. Journal of Telecommunications and High Technology Law, Vol. 2, p. 141, 2003. Acesso em 24/4/2016.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!