Tribuna da Defensoria

Defensor público deve ser intimado pessoalmente para julgamento de HC

Autor

  • Caio Paiva

    é defensor público federal e chefe da Defensoria Pública da União em Campinas/SP. Especialista em Ciências Criminais. Professor de Processo Penal e Direitos Humanos do Curso CEI. Coeditor do Clube do Direito (www.clubedodireito.com). É autor dos livros Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro e Prática Penal para Defensoria Pública e coautor do livro Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos.

26 de abril de 2016, 8h05

A prerrogativa da intimação pessoal dos membros da Defensoria Pública surgiu, primeiro, na Lei 1060/50, mais especificamente com a inclusão do parágrafo 5º no artigo 5º pela Lei 7871/89, trazendo consigo um problema, qual seja, o de limitar a prerrogativa a somente “ambas as instâncias”, daí decorrendo uma sugestão interpretativa de que a intimação pessoal apenas teria cabimento na jurisdição ordinária, isto é, no primeiro e no segundo grau de jurisdição, restando, pois, que os membros da Defensoria Pública não deveriam ser intimados pessoalmente das decisões proferidas pelo STF e pelo STJ, assim como pelos tribunais superiores especializados (TST, TSE e TSM).

Inicialmente, o STF se valia de uma interpretação literal do dispositivo da Lei 1060/50, entendendo, portanto, pela não extensão da prerrogativa da intimação pessoal aos recursos de natureza extraordinária. Nesse sentido, anotou o ministro Néri da Silveira que “não tenho como procedente a alegação de que se deveria intimar, pessoalmente, o defensor do paciente, ao ensejo do recurso especial. Cuida o dispositivo legal dos atos do processo, ‘em ambas as instâncias’, não se referindo, assim, à instância extraordinária, como se caracterizam os recursos especial e extraordinário ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal”[1].

No entanto, com a edição da LC 80, esse problema foi resolvido, e isso porque o legislador teve o cuidado de ressaltar que a intimação pessoal deve ser observada “em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa” (artigos 44, I, 89, I, e 128, I), o que nos autoriza a concluir que os membros da Defensoria Pública também devem ser intimados dos atos e das decisões proferidas na jurisdição dos tribunais superiores.

A partir dessa conclusão, debato a seguinte questão neste texto: a prerrogativa da intimação pessoal se aplica às sessões de julgamento de Habeas Corpus? Vejamos.

O regramento jurídico do procedimento do Habeas Corpus, principalmente no que diz respeito à prévia intimação do impetrante sobre a data do julgamento, é inversamente proporcional à importância desse expediente impugnativo para a tutela da liberdade dos cidadãos[2]. Prevalece na jurisprudência dos tribunais superiores que a intimação do impetrante para a sessão do julgamento do HC somente é imprescindível quando houver prévio requerimento de sustentação oral apresentado por advogado ou defensor público[3]. Nesse sentido, a Súmula 431 do STF, que dispõe que “é nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em Habeas Corpus”, deve ser lida, hoje, considerando que também o julgamento do HC será nulo quando o impetrante tiver apresentado prévio requerimento de sustentação oral.

No entanto, convém registrar que, recentemente, num dos seus precedentes mais importantes sobre a prática penal da Defensoria Pública na atuação em Habeas Corpus perante tribunais superiores, o STF sinalizou uma mudança de entendimento para admitir que, sendo a Defensoria a impetrante do HC, sempre deverá haver a prévia intimação sobre a data do julgamento, independentemente de prévio requerimento de sustentação oral: “A falta de intimação pessoal do Defensor Público da data provável de julgamento do Habeas Corpus consubstancia nulidade processual que viola o exercício do direito de defesa” (RHC 117029, relator para o acórdão ministro Roberto Barroso, 1ª Turma, j. 17/11/2015). Na ocasião do julgamento, ressaltou o ministro Luiz Fux em seu voto:

“A prerrogativa da intimação pessoal, portanto, deve ser observada em qualquer processo. Por se cuidar de uma garantia processual dirigida à proteção do hipossuficiente assistido pelo advogado público ou dativo — com o qual o vínculo é público-institucional, e não privado-contratual —, não me parece mais aceitável conferir interpretação restritiva no writ de Habeas Corpus, em que está em jogo direito fundamental do ser humano, a liberdade de locomoção, somada ao direito de não ser submetido a um processo injusto.

Cuida-se, ademais, de um corolário da premissa da impossibilidade de acompanhamento direto e pessoal, pelo Defensor, do andamento e das publicações de todos os processos em que a instituição é chamada a atuar.

Acrescente-se que, como decorrência do princípio da indivisibilidade que rege a Defensoria Pública, é cediço que o defensor que formulou a peça inicial do Habeas Corpus não será, necessariamente, o mesmo que acompanhará o andamento posterior do writ e que realizará a sustentação oral.

(…) Daí porque uma interpretação sistemática não recomenda que se exija do Defensor que impetra o writ a formulação de um pedido escrito de realização de sustentação oral num processo em que, normalmente, não será ele quem estará presente na sessão de julgamento”.

Muito oportuno o raciocínio do ministro Fux, pois — em regra — o defensor público que impetra o HC não será o mesmo que atuará junto ao tribunal para avaliar a necessidade de sustentação oral, de modo, portanto, que o entendimento anterior, ao condicionar a intimação da data do julgamento ao prévio requerimento de sustentação oral, desconsiderava a organização institucional da Defensoria Pública, escalonada em classes ou categorias com atribuições fixadas de acordo com a instância jurisdicional em que o defensor atua. E mais: pode ocorrer de o defensor público ter o interesse de comparecer à sessão de julgamento do HC, mas não ter o interesse em fazer sustentação oral, podendo estar presente, por exemplo, apenas para acompanhar o julgamento, fazer um esclarecimento de fato etc.

Assim, a prerrogativa da intimação pessoal também se estende às sessões de julgamento de HC, impondo-se a prévia ciência da Defensoria Pública, independentemente de prévio requerimento de sustentação oral. Importante ressaltar, porém, que não haverá, aqui, a necessidade — nem tampouco, em regra, a viabilidade — de se proceder com a remessa dos autos com vista à Defensoria Pública, eis que a observância de tal formalidade colidiria com o rito célere do procedimento do HC, que às vezes pode ser incluído em pauta num prazo extremamente curto. Por isso, reconhecida a desnecessidade/inviabilidade da remessa dos autos, a intimação da Defensoria Pública excepcionalmente se formalizará, portanto, conforme anotou o ministro Fux no precedente citado, de qualquer forma “que possibilite a ciência pessoal e inequívoca da Defensoria Pública quanto à data da sessão de julgamento”, podendo “ser feita pela forma como vem sendo realizada por alguns gabinetes desta corte, com envio das listas contendo os números dos processos para a Defensoria Pública, conferindo-lhe ciência inequívoca do ato a ser realizado, inclusive por e-mail com confirmação de recebimento”. Este procedimento de relativização da prerrogativa, dispensando-se a remessa dos autos, não prejudica a defesa, pois, conforme novamente registrou o ministro Fux, “(…) os Habeas Corpus tramitam eletronicamente, o que permite seu acesso imediato pelo órgão com atribuição para atuar no Supremo Tribunal Federal, a partir do recebimento da intimação pessoal da data do julgamento”.

Finalmente, ainda comentando o RHC 117.029, importante advertir que, como muito bem fundamentou o ministro Fux em seu voto, o artigo 192, parágrafo 2º, do RISTF, segundo o qual “não apresentado o processo na primeira sessão, o impetrante poderá requerer seja cientificado pelo gabinete, por qualquer via, da data do julgamento”, não se aplica ao defensor público, que possui a prerrogativa da intimação pessoal prevista em LC, de modo que “cuida-se de um conflito aparente entre normas do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e da Lei Complementar 80/1994, conflito este que deve ser resolvido em favor da prevalência desta última”.


[1] Voto proferido na condição de ministro relator no HC 68.884, 2ª Turma, j. 8/10/1991 (entendimento acolhido pela unanimidade no colegiado). No mesmo sentido, ainda no âmbito do STF: RE 140.975, relator ministro Paulo Brossard, 2ª Turma, j. 23/6/1992.
[2] Outra crítica a esse procedimento pode ser encontrada em LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1362-1363.
[3] Cf. HC 119403, relator ministro Luiz Fux, 1ª Turma, j. 15/9/2015: “A intimação da defesa para a sessão de julgamento [de HC], havendo pedido expresso nos autos para sustentar oralmente, é de rigor sob pena de constituir nulidade absoluta do julgado”. Jurisprudência dominante.

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    é defensor público federal, chefe da Defensoria Pública da União em Guarulhos (SP), especialista em Ciências Criminais e professor do curso CEI. É autor do livro "Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro" (2015) e coautor de "Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos". Sua página no Facebook: www.facebook.com/professorcaiopaiva.

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