Verba alimentar

TJ-RJ obriga governo estadual a depositar benefícios de aposentados

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25 de abril de 2016, 19h24

O governo do estado do Rio de Janeiro terá de pagar imediatamente as aposentadorias e pensões de servidores que estavam suspensas. Por entender que houve ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do estado suspendeu, nesta segunda-feira (25/4), os efeitos do decreto que adiou para o dia 12 de maio o pagamento de aposentadorias e pensões acima de R$ 2 mil, referentes ao mês de março. A medida do governo deixou sem remuneração aproximadamente 137 mil aposentados e pensionistas.

Brunno Dantas / TJ-RJ
ConJur

A decisão do Órgão Especial é liminar e atende a duas representações por inconstitucionalidade que contestavam o decreto — uma delas de autoria do deputado estadual Flavio Bolsonaro (PSC), outra da bancada do PSOL no Legislativo do Rio de Janeiro. As ações foram relatadas pelos desembargadores Jessé Torres e Caetano Ernesto da Fonseca Costa, respectivamente.

Deferida por 22 votos a dois, a medida cautelar suspendeu os efeitos do Decreto 45.628/2016 e restabeleceu a regra anterior pela qual os benefícios devem ser depositados até o 10º dia útil subsequente ao mês de referência. A concessão da liminar prejudicou também o recurso, que estava nas mãos do presidente do TJ-RJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, que contestava o sequestro de R$ 1.066.383.319,96 (correspondente à folha de pagamento dos aposentados e pensionistas) das contas do estado e da RioPrevidência a fim de garantir o pagamento dos aposentados e pensionistas.

A medida havia sido autorizada em uma outra liminar concedida pelo juiz Felipe Pinelli, da Central de Assessoramento Fazendário do TJ-RJ, no último dia 18 de abril, ao apreciar uma ação civil pública movida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O defensor Rogério Rabe, que sustentou nas representações por inconstitucionalidade em nome da instituição que participou do julgamento na condição de Amicus Curie, o sequestro dos valores pode ocorrer a qualquer momento porque o estado já fora notificado daquela decisão.

“Foi esclarecido que a decisão [do sequestro] que foi estipulada anteriormente foi repristinado: ou seja, volta a valer o pagamento até o 10º dia útil, que efetivamente já passou. O dano já foi efetivado”, explicou o defensor acrescentando que, pela legislação, “o pagamento deverá ser com juros e correção monetária pelo tempo despendido”.  

Crise financeira
O governo alega que a decisão de adiar o pagamento dos aposentados e pensionistas se deve à grave crise financeira pela qual passa o estado. A maioria dos integrantes do Órgão Especial do TJ-RJ, contudo, considerou a medida ilegal por atingir verbas alimentares. 

A maioria do colegiado ponderou que a discricionariedade do Executivo para dispor sobre a data de depósito dos benefícios não se sobrepõe ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana — o que envolve ter meios para a manutenção da própria subsistência. Eles também criticaram o fato de a medida ter atingido os aposentados e pensionistas, que não têm poder de mobilização, a exemplos dos que estão na ativa e podem organizar greves. 

Primeiro a votar, Ernesto Caetano da Fonseca Costa, que relatou uma das representações por inconstitucionalidade contra o decreto do estado, disse que deferia a liminar por entender que a demora na decisão poderia trazer ainda mais prejuízos aos aposentados e pensionistas.

Segundo o desembargador, o ato do governo estadual apenas postergou o pagamento dos benefícios sem propor sequer um sistema de escalonamento, com o pagamento em parcelas, por exemplo, de forma a permitir os aposentados e pensionistas suprissem as necessidades mais urgentes.

Segundo o relator, o tribunal não está insensível aos problemas financeiros do estado, mas isso não significa aceitar quaisquer medidas para saná-los. “O decreto atinge os mais necessitados, inviabilizando a manutenção essencial à vida daqueles que não têm mais força para trabalhar e assim manter a si e seus dependentes. Não ter comida no prato, não ter como saldar o plano de saúde, não ter como pagar o próprio aluguel é uma indignidade. Entendo o que o Poder Judiciário não pode se calar, mesmo reconhecendo a crise que o estado se encontra”, afirmou.

O desembargador Jessé Torres também votou pelo deferimento da cautelar. O relator afirmou que, ao postergar o pagamento devido aos servidores inativos e pensionistas, o decreto desafiou o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que engloba o direito à educação, segurança, moradia, dentre tantos outros.

“Dentre as inúmeras atribuições da administração pública está a de manter o seu quadro funcional e a de suas contas, entre elas as relativas aos proventos dos servidores inativos. Sequer o déficit orçamentário constitui causa impeditiva ao deferimento da liminar postulada. O estado tem o dever de tornar efetivo e preservar o direito de seus funcionários inativos”, destacou.

Vida digna
Um a um, os membros do Órgão Especial votaram no sentido de conceder a liminar. O desembargador Mauro Dickstein disse que todos os servidores, ativos ou aposentados, são merecedores da sua remuneração e o que se vê no Rio de Janeiro é um processo seletivo dos administradores públicos sobre a quem ou não se deve pagar.

“Não há uma política isonômica sobre os gastos públicos de uma maneira geral. Não vi nenhuma iniciativa com relação às outras políticas do estado de modo a permitir uma solução isonômica que vise a corrigir as distorções financeiras do estado. O governo escolhe, entre os mais fracos, quem não vai pagar. Os inativos são a bola da vez. E isso é perverso. E eles só têm como defesa vir ao Judiciário. Não tem como o servidor público se manifestar por meio de greve ou outra medida coercitiva”, afirmou.

O desembargador Antônio Ferreira Duarte classificou como estarrecedor que o estado, ao formatar o orçamento de 2016, não tenha levado em consideração o preço do barril do petróleo, que já vinha apresentado tendência de queda já no ano passado. “Para mim é um erro imperdoável. Não cabe ao servidor em atividade nem aos inativos e pensionistas pagarem uma conta desta. É desumano, degradante e humilhante”, disse.

A desembargadora Maria Inês da Penha Gaspar, 1ª vice-presidente do TJ-RJ, também votou pela concessão da liminar e criticou o decreto por adiar o pagamento dos benefícios acima de R$ 2 mil. “O ato atacado criou um critério inusitado. Sei do teto para o serviço público, mas nunca tinha visto um teto para o pagamento de aposentadorias”.

Votou em sentido contrário o desembargador Bernardo Garcez e a desembargadora Marília de Castro Neves, que o acompanhou. Ele lembrou que, em 2002, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da Constituição do Rio de Janeiro que fixava a data de pagamento dos servidores estaduais até o 10º dia útil de cada mês.

Ao contrário dos membros do Judiciário e do Legislativo, cuja data do depósito do duodécimo pelo Executivo está fixada na Constituição Federal, os servidores estaduais, assim como os federais, estão sujeitos ao regime comum — no caso, o Estatuto dos Servidores Públicos, que não estabelece prazo para o pagamento das remunerações. Por isso, na avaliação dele, não há no que se falar em grave lesão aos inativos e pensionistas. 

“A consequência direta disso é que o empregador, no caso, o estado, que compra a força de trabalho dos servidores, pode estabelecer a data de pagamento. Está dentro da discricionariedade da administração pública esse ato de estabelecer a data de pagamento”, ponderou.

O desembargador Gabriel Zefiro contestou. Ele afirmou que o estado não pode deixar de pagar os aposentados, pois eles contribuíram para a previdência durante toda a vida profissional e têm direito a essa verba. “Isso não é uma questão jurídica, é de polícia. O servidor teve descontos do salário dele durante 35 anos. Cadê esse dinheiro? Alguém tem que dar conta. Fora isso, há o princípio da dignidade da pessoa humana. Não se trata aqui de ativismo judicial, mas de se reconhecer um ato que contraria toda a razão de ser do estado brasileiro”.

Processos: 0018812-32.2016.8.19.0000 e 0018792-41.2016.8.19.0000.
Clique aqui para ler a decisão.

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