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Juiz orienta mulher sobre base jurídica correta para mover ação nos EUA

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25 de abril de 2016, 10h18

Uniontown é uma pequena cidade em um meio rural do estado de Ohio, nos EUA, cujo nome, “Cidade da União”, pode se referir a qualquer coisa, menos união de raças. A cidade tem 3.469 habitantes, dos quais apenas 10 são da raça negra, segundo o Censo de 2014. Entre os poucos que viviam lá, os chamados “peles vermelhas”, “peles amarelas” e “peles negras” foram deixando progressivamente a cidade que só é amigável a “caras pálidas”.

Foi nesse ambiente “racialmente intolerante” que Jennifer Cramblett, moradora da cidade, se meteu em um imbróglio social e judicial. Em 2011, Jennifer, que é lésbica e, portanto, já sentiu em sua pele branca as agruras da discriminação, decidiu com sua companheira formar uma família, apelando para a inseminação artificial.

Assim, elas foram para a cidade grande, onde funcionava um conhecido banco de esperma, a empresa Midwest Sperm Bank LLC, e fizeram um pedido em conformidade com o status quo de Uniontown: espermas de um homem loiro, de olhos azuis.

Assim, o funcionário do banco de espermas designou para ela espermas do doador número 380, sob medida. Elas planejaram preservar parte do esperma, para que o bebê, se fosse uma menina, pudesse ter uma filha loira, de olhos azuis, no futuro — tal como ela.

O pedido foi encaminhado para o funcionário encarregado de selecionar e entregar o esperma encomendado. Por alguma razão, o segundo funcionário não leu direito o número. Ele confundiu o 8 com um 3 e entregou a elas espermas do doador número 330 — um doador negro.

Em seu tempo, nasceu Peyton, uma bela menina morena, olhos negros, cabelos negros encaracolados, que, segundo as mães, “é linda e muito amada”. Porém, as mães, que há muito enfrentam seus próprios problemas de discriminação, agora têm de lidar com o estresse da discriminação contra a filha, já com três anos.

Por exemplo, para cortar ou arrumar o cabelo de Peyton, elas têm de levá-la a um bairro predominantemente negro, em outra cidade. Outro problema: elas foram aconselhadas por psicólogos e assistentes sociais a se mudar para outra cidade “mais diversificada racialmente e culturalmente”. É mais fácil mudar de cidade do que mudar a cidade.

O casal e a filha se mudaram para Canton, também em Ohio, que também não chega a ser uma cidade grande, mas a diversidade é maior. Segundo o Censo, Canton tem 70 mil habitantes e a população é 23% negra. Tudo isso tem um custo que Jennifer pretende recuperar na Justiça.

Nesta sexta-feira (22/4), Jennifer moveu uma ação civil contra o banco de esperma, pedindo uma indenização de US$ 150 mil por danos. A ação foi movida em um tribunal federal em Illinois, onde é sediada a Midwest Sperm Bank LLC, segundo o The National Law Journal, o Chicago Tribune e o site RT.

Na verdade, esta é a segunda ação que ela move no mesmo tribunal. A primeira, em que ela pediu uma indenização de US$ 50 mil, em 2014, ela perdeu. A razão foi que ela, representada por seu advogado, sustentou o pedido em bases jurídicas erradas. Mas o juiz a ajudaria.

As sustentações da primeira ação foram “nascimento por erro” (wrongful birth) e “quebra de garantia (breach of warranty). O conceito de “wrongful birth” e “wrongful death” implicam nascimento ou morte consequentes de erro, gerando responsabilidade civil.

O advogado da empresa, Bob Summers, alegou que a reivindicação de wrongful birth não é sustentável juridicamente em um caso em que uma criança nasceu com saúde. Casos de wrongful birth se referem a situações em que os pais alegam que exames médicos foram negligentes e não apontaram riscos de distúrbios congênitos ou hereditários na criança, antes do nascimento. O juiz concordou e rejeitou essa queixa.

Minutos mais tarde, ele rejeitou a outra queixa, a da quebra de garantia. Como alegou a advogada Lynsey Stewart, também representando o banco de esperma, a lei estadual limita a responsabilidade a hospitais e outras instituições de saúde que fornecem a um recipiente, mesmo que inadvertidamente, sangue ou tecido ruim. Não menciona esperma.

O advogado de Jennifer, John Ostojic, argumentou que a lei não deveria ser interpretada de uma forma tão estreita. O juiz disse que não devia, mas ele mesmo fez suas próprias pesquisas e concluiu que esperma não é tecido e, portanto, não está previsto na lei.

Assim, decidiu contra a mãe. Mas não gostou de sua decisão. Afinal, a empresa enviou uma carta a Jennifer reconhecendo o erro e restituiu parte do pagamento. Mas deu a ela uma dica: “mova uma ação alegando negligência do banco de dados que você ganha a causa”. E a autorizou a mover uma segunda ação em sua própria corte.

Desta vez, o novo advogado de Jennifer, Thomas Intili, de Dayton, Ohio, baseou a ação civil em negligência e má conduta injustificável, fraude contra o consumidor e quebra de contrato. Nessa ação, Jennifer pede indenização de US$ 150 mil, mas indenizações punitivas e pagamento dos honorários de seu advogado.

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