Opinião

Aumento de litígios entre médicos e pacientes pede conhecimento do biodireito

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24 de abril de 2016, 8h30

Cada dia tem se tornado mais necessária interferência do direito na seara da medicina e, para melhor entendimento acerca dos graves problemas que norteiam a vida e integridade física, direitos fundamentais resguardados a qualquer ser humano, indispensável definir a relação existente entre o médico e paciente, os deveres atribuídos ao primeiro, e os requisitos essenciais para responsabilização deste em suposto erro médico.

Tais questões são de extrema importância, pois a frustração do paciente por não ter obtido o sucesso desejado em determinado tratamento, não obstante despendido todos os esforços médicos, não poderá recair sobre o profissional da área de saúde, já que é entendimento consolidado que, em regra, a obrigação do médico é de meio, na medida em que este se compromete a prestar o serviço com a diligência necessária, mas cada organismo reage de uma forma ao tratamento e a medicina é considerada uma ciência inexata, não se podendo garantir a cura do paciente em qualquer circunstância.

Da relação entre as ciências: medicina e direito
Cada vez se tornam mais constantes ações judiciais pleiteando indenizações em virtude de erros médicos, fazendo-se necessária uma maior regulamentação da área médica.

A relação do direito com a medicina não é recente, mas ultimamente a ligação entre ambas aumentou. A medicina tem como seu estudo a melhoria da saúde, prevenindo ou tratando determinada lesão, daí surge sua relação com o direito, haja vista o cuidado com bens fundamentais protegidos pelo Estado, a exemplo, da vida e  integridade física. Em virtude da interferência de uma ciência na outra, surgiu-se a bioética e, a partir da incorporação na ordem jurídica pátria, ganha o nome de biodireito.

O surgimento do biodireito acarretou sua divisão em algumas vertentes, devendo ser considerada como uma delas o Direito Médico, que regulamenta a atividade do médico, efetuando estudos de acordo com as consequências e danos que podem vir a acarretar aos pacientes (JÚNIOR, 2011, p. 3), uma vez que “em relação aos profissionais da Medicina, estão estes mais expostos que outros a tais fatores (…). A sociedade não tem admitido nenhum tipo de falha médica.”

 Dessa forma, diante de todo o exposto, cada vez torna-se mais necessário um estudo interligado entre Medicina e Direito, a fim de regulamentar direitos fundamentais do ser humano.

Do erro
Primeiramente cumpre salientar que para um médico ser responsabilizado por suas condutas, indispensável a comprovação de culpa deste, na sua modalidade imprudência, negligência ou imperícia, acarretando lesão ao paciente.

Para melhor esclarecimento acerca das possíveis falhas na atuação médica, indispensável, primeiramente, destacar alguns dos principais deveres do médico, dentre eles, a obrigação de informar ao paciente acerca de todos os riscos de qualquer procedimento ou medicamento, bem como consequências de um tratamento. Deve ainda buscar atender o paciente da melhor forma possível, evitando abusos.

Cumpre ressaltar que o médico poderá atuar em três setores diversos, quais sejam, o de pronto atendimento, o de internamento e o de atendimento ambulatorial. Quando se fala em pronto atendimento, consideram-se os primeiros contatos do paciente com o médico, no qual esse deverá tomar as providencias cabíveis para tratamento do doente, até mesmo encaminhando-o a outro setor. No segundo caso, internamento, ocorre em situação mais grave, em que exige uma maior cautela e atenção médica, bem como poderão ser realizadas cirurgias. Já o atendimento ambulatorial, é responsável por consultas de rotina.

Dessa forma, nesses três setores, patente está a necessidade de atuação do médico, atendendo ao paciente da melhor forma possível, buscando solucionar o caso posto sob sua análise, destacando-se que a relação existente entre o médico e o paciente é contratual, devendo haver aplicação do artigo do 389 do Código Civil. Assim, considerando os deveres que são impostos ao médico, alguns doutrinadores consideram que a obrigação seria de meio, enquanto para outros seria obrigação de fim. Sendo assim, conforme entendimento majoritário, defendido por Maria Helena Diniz, a obrigação seria, em regra de meio, na medida em que o profissional busca trazer a melhora do doente, mas não poderá garantir sua cura (DINIZ, 2003, p.271)                   

“A responsabilidade do médico é contratual, por haver entre o médico e seu cliente um contrato, que se apresenta como uma obrigação de meio, pôr não comportar o dever de curar o paciente, mas de prestar-lhe cuidados conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina.

Desse modo, quando se fala em obrigação de meio, entende-se que seria o caso em que é dispendido as melhores técnicas e esforços a fim de se obter o resultado pretendido, mas não necessariamente esse poderá ser atingido. É o caso, por exemplo, de terceiro que apresenta determinada doença, não obstante o médico utilize todo o seu saber, poderá vir o paciente a não ver-se curado do mal que lhe acomete.

Apesar de o médico não poder ser garantidor de uma cura do paciente em todas as situações, aquele não poderá fundamentar na alegação de ausência de equipamentos para ilidir sua responsabilidade, ou seja, havendo qualquer insuficiência de recursos, em regra a responsabilidade é do hospital ou clínica colocar a disposição do médico todos os recursos para que efetue o seu trabalho.

Entretanto, é também ônus do médico constatar os aparelhos e equipes postos à sua disposição, a fim de verificar a possibilidade de tratamento naquele local, efetuando as diligências necessárias, de acordo com o caso posto a sua análise. Já o caso de obrigação de resultado, sendo encontrada na área médica em menor escala, apenas em casos de cirurgias plásticas estéticas e, para alguns doutrinadores, em casos de anestesia, o médico deverá cumprir a obrigação atendendo ao pretendido pelo paciente.

Sendo assim, mostra-se clara a presença, de um lado do médico, cumprindo uma obrigação a ele imposta, ou seja, prestando um serviço ao paciente, que se encontra no outro lado da relação jurídica, caracterizando-se, assim, como um caso de aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, com as devidas especificidades.

Da responsabilidade civil atual em caso de erro médico
Insta salientar que a relação existente entre o médico e o paciente é de contrato, podendo haver aplicação do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que o médico presta um serviço ao paciente, devendo respeitar as normas e cumprir seu dever de prevenir e/ou curar determinada mal, na medida do possível, não obstante as peculiaridades de lidar com a vida humana fazer com que a aplicabilidade das regras do direito do consumidor seja vista com a devida cautela.

Partindo-se da regra que a obrigação atribuída ao médico é de meio, algumas considerações deverão ser feitas, a começar pelas situações em que o médico poderá ser responsabilizado civilmente.

Primeiramente, cumpre ressaltar que um dano por ato médico pode ser em decorrência de uma conduta comissiva ou omissiva, que ocorra de forma voluntária e consciente, estando ausente qualquer vício ou coação.

Assim, para que haja responsabilização de um médico alguns requisitos deverão ser preenchidos (conduta comissiva ou omissiva, nexo causal, dano e dolo ou culpa).

Busca-se, através da responsabilidade civil, fazer justiça, ressarcindo o lesado e punindo, de certa forma, aquele que causou o dano. Assim, o preenchimento dos requisitos acaba por consistir em uma garantia tanto para o paciente, que diante de um dano e demais elementos supracitados, vê-se ressarcido em razão do mal que lhe acomete, bem como serve de garantia para o médico que se protege em razão de possível frustração do paciente, (JÚNIOR, 2011, p.57) já que “É cada vez mais frequente e perigoso para o médico que o paciente, carregado de emoções, o acuse de ter cometido um erro.”

Caso o médico descumpra qualquer dos deveres a ele impostos e, desse descumprimento, o paciente venha a sofrer danos, de natureza física, material e moral, devidamente demonstrado, na maioria das vezes, por prova pericial, a reparação é medida que se impõe. E, caso haja comprovação dos requisitos, a lei determina o adimplemento de uma indenização à vítima lesada ou aos seus familiares.

Além disso, a possibilidade de reparação por dano moral e material encontra previsão no Artigo 5ª da Constituição Federal.

Portanto, resta evidente que a responsabilidade civil do médico é respaldada no elemento subjetivo, dizendo-se “subjetiva”, havendo aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, com as devidas cautelas, na medida em que a obrigação nesses casos é, em regra de meio, comprometendo-se o médico em agir com a diligência necessária, mas não garantindo a cura, pois se trata a Medicina de uma ciência inexata.

Entretanto, há casos de exclusão da responsabilidade médica, podendo destacar o previsto no artigo 393 do Código Civil, como se observa “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Além disso, deverá ser constatado casos de culpa exclusiva do paciente, bem como cláusula de não indenizar ou culpa de terceiros. A culpa exclusiva do paciente é verificada quando o médico em nada contribuiu para o evento danoso, sendo o prejuízo provocado pelo próprio paciente. Ademais, poderá ocorrer da culpa ser concorrente entre o paciente e o médico.

Outra situação acontece quando há caso fortuito ou força maior, ou seja, um fato imprevisível, impossível de ser evitado, não só pelo médico, mas por qualquer pessoa que estivesse em seu lugar. Quanto ao fato de terceiro, é aquela ocasião em que a lesão é decorrente de ação ou omissão provocada por terceiro, alheio à relação médico-paciente.

Por fim, a cláusula de não indenização é feita de forma bilateral e prescreve que entre as partes não haverá responsabilidade civil no caso de descumprimento do contrato, não tendo eficácia no que tange a direitos indisponíveis.

Dessa forma, crescente está sendo o número de ações judiciais aduzindo responsabilidade civil por erro médico, mas deverá ser considerado em cada caso concreto, o preenchimento dos requisitos para que haja ressarcimento, sendo de extrema importância que o médico mantenha o paciente informado dos procedimentos e riscos que esse está submetido a fim de ilidir possível responsabilidade, bem como deverá o paciente atentar-se para os casos de exclusão da obrigação de ressarcimento.

Conclusão
O considerável aumento das demandas judiciais acerca do tema abordado na presente pesquisa leva ao entendimento de que cada vez torna-se mais necessária a maior informação, tanto por parte de médicos como de pacientes, sendo que esta relação, considerada de consumo, deve ser fundamentada de confiança, diálogo e esclarecimento, evitando possíveis equívocos. Tal questão é verificada até mesmo no Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931/2009), em seu artigo 22, “Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.”

Primeiramente, o paciente deverá ser informado dos riscos que permeiam o tratamento a que será submetido, ciente de que a Medicina, em regra, acarreta ao médico uma obrigação de meio.

Tais informações asseguram ao médico a possibilidade de ilidir uma possível ação de responsabilidade civil, que vem sendo atualmente proposta por pacientes de forma indiscriminada.

Desse modo, a fim de verificar a responsabilidade civil ou não do médico em determinada circunstância deverá ser efetuada análise do caso concreto, pois ao paciente é permitido até mesmo a inversão do ônus da prova para provar a falha médica e os requisitos indispensáveis da responsabilidade civil, mas ao médico deverá ser resguardado o direito de defesa quando agiu com a diligencia devida.

Portanto, inegável nos dias de hoje a intrínseca relação entre as ciências médicas e jurídicas, buscando assegurar direitos fundamentais de todos os seres humanos, destacando a dignidade da pessoa humana, integridade física e, até mesmo, vida. Ambas as ciências são criações humanas e deverão ser usados em favor destes.


BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília: Diário Oficial da União, 2002.          

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