Opinião

O instituto da usucapião extrajudicial no novo Código de Processo Civil

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23 de abril de 2016, 12h12

*Artigo originalmente publicado no Boletim Jurídico do escritório Fachin Advogados

Visando atender ao princípio da razoável duração do processo e garantir uma maior celeridade às demandas, o sistema de prestação jurisdicional conta com a transferência de competência do órgão judiciário para a solução de litígios extrajudicialmente, conferindo ao trabalho desenvolvido pelas serventias notariais e registrais grande relevância para agilizar a prestação jurisdicional. Exemplo disso é a Lei 11.441/2007, a qual alterou o atual Código de Processo Civil a fim de possibilitar que separações, divórcios, inventários e partilhas consensuais pudessem ser feitos em cartórios; a Lei 11.790/2008, a qual dispõe sobre o registro tardio de nascimento; a Lei 12.100/2009, a qual trata sobre a possibilidade de retificação no Registro de Pessoas Naturais. No que tange a seara imobiliária, pode-se, ainda, citar a Lei 10.931/04, a qual permitiu a retificação de área pelo oficial de registro de imóveis competente.

Nesse processo de desjudicialização se insere a usucapião extrajudicial, concebida na Reforma do Poder Judiciário, com a aprovação da Proposta da Emenda à Constituição 45/2004 e incorporada na consolidação do novo Código de Processo Civil, pela Lei 13.105/2015. A disposição do artigo 1.071 do novo Código de Processo Civil facilita a prática de usucapião administrativa anteriormente prevista no programa Minha Casa, Minha Vida (Lei 12.424/2011), na qual se deu tratamento a regularização fundiária em áreas urbanas de interesse social. O texto do novo código procedimental amplia as hipóteses de pedido de usucapião extrajudicial, inovando ao possibilitar a adoção de tal instituto para todos os casos previstos no Direito material da legislação brasileira.

O procedimento de usucapião é requerido pela parte interessada, obrigatoriamente assistida por advogado ou defensor público, perante o cartório de registro de imóveis da comarca em que se situa o imóvel. O pedido deverá ser instruído com ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando a posse do requerente e de seus antecessores; planta e memorial descritivo assinado por profissionais legalmente habilitados, com prova de anotação de responsabilidade técnica, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; e justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

Vale destacar, ainda, no que se refere aos requisitos do pedido que o parágrafo 2º, do artigo 1.071, prevê que: “Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância”. Tal disposição revela que o procedimento de usucapião administrativa só será admitido para os casos consensuais entre o requerente e o requerido, conferindo segurança jurídica à proteção da propriedade privada, em detrimento da regularização fundiária extrajudicial quando não existe acordo.

Destarte, presume-se que a usucapião extrajudicial servirá, sobretudo, aos interesses da parte usucapiente e do titular do domínio do imóvel que negociaram, regularizando e formalizando o acordo fixado entre eles. Para os demais casos em que não haja consenso sobre a situação fática, bem como na recorrente situação em que o proprietário do imóvel não é localizado, resta a via judicial.

O procedimento de usucapião extrajudicial dispensará a participação do Ministério Público e da homologação judicial. Não obstante, se prevê a ciência dos confrontantes, dos terceiros interessados, dos titulares de domínio e da Fazenda Pública. Caberá a União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios se pronunciarem se o imóvel em questão é um bem público ou não, visto que no primeiro caso não seria possível a aplicação desse instituto.

A usucapião administrativa é mais um instrumento que se apresenta para efetivar o direito fundamental à propriedade, constitucionalmente agasalhado no artigo 5º, inciso XXII. O instituto preme pela celeridade do procedimento, estimando-se uma duração aproximada de 90 a 120 dias, a semelhança do que ocorre na retificação consensual prevista nos artigos 212 e 213 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973).

Não obstante a desjudicialização visando maior agilidade e efetividade da prestação jurisdicional por meios administrativos, algumas ponderações merecem atenção. A eficácia desse instituto pode se mostrar futuramente limitada, visto que traz como exigência a concordância de ambas às partes. Ademais, exige-se uma série de provas que, por vezes, se mostram de difícil produção para os requerentes, não sendo incomum a necessidade de se recorrer a provas testemunhais. Outrossim, o acesso à usucapião administrativa pode ser dificultado para população de baixa renda, haja vista representar um procedimento mais dispendioso do que a via judicial, tanto pela possibilidade da assistência judiciária gratuita neste último caso, quanto pelas custas dos procedimentos administrativos.

Nessa toada, a usucapião administrativa pode ser vista como um procedimento positivo ao simplificar, desburocratizar e desafogar o Judiciário nos casos em que as partes interessadas estejam em consenso e apresentem os documentos necessários para tanto. Porém, considerando-se o contexto social, político e econômico, em que o direito à propriedade se relaciona intrinsecamente ao direito à moradia e, tendo em vista as dificuldades para a sua realização, a usucapião extrajudicial pode não se apresentar como instrumento de massiva regularização fundiária, ante o caráter eminentemente conflituoso das relações que envolvem esse tipo de demanda. 

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