Processo Familiar

Direito das Sucessões e tutela de evidência no novo CPC

Autor

  • Rodrigo da Cunha Pereira

    é advogado presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) doutor (UFPR) e mestre (UFMG) em Direito Civil e autor de vários artigos e livros em Direito de Família e psicanálise.

10 de abril de 2016, 8h00

A sucessão hereditária é um natural complemento do Direito de Propriedade que se projeta post mortem, ou seja, é também uma das formas de transmissão de propriedade, um consectário lógico do conceito de propriedade privada no sistema capitalista. O conjunto de bens e direitos deixados por uma pessoa que morreu denomina-se herança e engloba todo o patrimônio do de cujus, ativos e passivos. A sucessão hereditária pode ser legítima (em virtude da lei) ou testamentária. Seja como for, a maneira de se transmiti-la é sempre pela via de inventário, judicial ou extrajudicial. As regras sobre sucessões encontram-se no Código Civil, mas as regras sobre a forma de sua transmissão, isto é, como se faz inventário e partilha estão no Código de Processo Civil. O processo de inventário é também um importante ritual de passagem, que além de resolver questões práticas ajuda na elaboração do luto (cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado. Ed. Saraiva, p. 415 e 626).

O CPC-2015 tratou de inventário e partilha nos capítulos VI, VII, VIII e IX, que vão dos artigos 610 a 692. Estabeleceu regras para o cumprimento do testamento e codicilos (artigos 735 a 732), dos bens de ausentes e das coisas vagas (artigos 744 a 746). Ou seja, são quase cem artigos, muito semelhantes ao CPC-1973, que foram muito tímidos em relação aos procedimentos da sucessão hereditária, que precisava de regras mais eficazes para ajudar a encurtar o longo prazo dos processos judiciais dessa natureza.

Os inventários e as partilhas, com ou sem testamento, com muitos ou poucos bens, continuam sendo um problema para os herdeiros e também para os advogados, pois sempre somos responsabilizados pela sua morosidade. Mesmo consensual e simples, duram em média um ano. Se litigioso, de dez a 20 anos. Uma eternidade! Certamente o CPC-2015, mesmo que quisesse, não traria uma fórmula mágica para esse inadmissível imbróglio processual. No entanto, perdeu uma boa oportunidade de melhorar em vários aspectos. Por exemplo, ao incorporar em seu texto a Lei 11.441/2007, que já autorizava inventários extrajudiciais, poderia ter ampliado o seu leque para permitir que, mesmo com testamento, o inventário poderia ser feito em cartório, se as partes fossem todas capazes e estiverem de acordo. Teria sido um pequeno avanço, mas ajudaria a desafogar o Judiciário. Há esperança de que isso aconteça se o Conselho Nacional de Justiça tiver a coragem de estabelecer atos normativos que viabilizem tal prática, como já requerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e entidades representativas de cartórios. Simplificaria bastante se o testamento, uma vez aprovado pelo Judiciário, pudesse ser feito em cartório.

Embora o CPC não seja o instrumento mais adequado para fazer alterações e evoluções das disposições de última vontade, poderia ter simplificado o procedimento de aprovação de testamentos. O CPC-2015 tratou em três artigos de testamentos (735,736 e 737), praticamente repetindo o que dizia o CPC-1973. Aliás, o testamento público não deveria precisar de aprovação do Judiciário, já que é lavrado em Cartório de Notas, que tem fé pública. Deveriam ser levados ao Judiciário apenas os testamentos públicos ou particulares, se fosse levantada alguma dúvida ou questionamento sobre eles. Ou seja, deveriam ser considerados válidos até que se prove o contrário. Porém, em termos de testamento, temos ainda muito a avançar. Tudo seria muito mais simples se a tecnologia fosse mais utilizada. Se as principais dúvidas que surgem sobre o testamento giram em torno de seu conteúdo, e se ele realmente traduz a última vontade do testador, deveriam ser ampliadas suas formas para ser possível o videotestamento. Nada melhor, mais autêntico e verdadeiro para traduzir a vontade de alguém do que expressá-la em áudio e vídeo. Afinal, a tecnologia está aí para isso, e o CPC-2015 poderia tê-la melhor absorvido.

Inventário é o procedimento obrigatório para atribuição legal aos sucessores do falecido, que se conclui com a respectiva partilha dos bens hereditários. O CPC-2015 manteve o prazo de dois meses (artigo 611) para sua instauração e finalização em 12 meses. Na prática, dificilmente isso acontece. Qualquer questionamento em um processo de inventário o faz durar muitos e muitos anos. E o prazo para o seu início não tem uma sanção, a não serem os tributos que aumentam significativamente na medida em que o tempo passa, de acordo com as normas de cada estado da federação. Não há mais menção a abertura do inventário de ofício, ou seja, pelo próprio juiz, como era previsto no CPC-1973 (artigo 989); o leque de inventariantes ampliou e pode ser inclusive o herdeiro menor, por seu representante legal (artigo 617).

E agora, o inventariante pode ser removido de ofício, e não apenas a requerimento da parte interessada como era antes (artigo 622). O rito procedimental continua sendo o comum (artigo 611 e seguintes) e a única novidade está no parágrafo 2° do artigo 620, que facilitou um pouco a forma de prestar as primeiras declarações ao estabelecer que elas “podem ser prestadas mediante petição, firmada por procurador com poderes especiais, à qual o termo se reportará”. Manteve-se também o rito sumário, isto é, o arrolamento sumário (artigo 659 e seguintes) para bens de valor até mil salários mínimos (artigo 664), quando todos os herdeiros são capazes e estão de acordo. Deveria incluir-se nessa regra os incapazes, pois esses, muito mais do que herdeiros capazes, precisam de celeridade, e a jurisprudência já vinha autorizando o rito do arrolamento sumário com a presença de incapazes. A cumulação de inventários teve uma pequena modificação ao estabelecer no parágrafo único do artigo 672 a discricionariedade do juiz para ampliar o leque dos casos de cumulação de inventários, além dos expressamente previstos, ou seja, heranças deixadas pelos dois cônjuges ou companheiros (artigo 672, I e II).

Inventário e partilha é um dos procedimentos mais simples e ao mesmo tempo um dos mais engessados. Avaliações, pagamento de impostos, perícias, divergências entre herdeiros, inclusive sobre qual quinhão ficará para quem, faz levar anos e às vezes décadas de litígio. E o CPC-2015 não trouxe solução para isso, e nem poderia, até porque as questões que envolvem os inventários não são apenas da ordem da objetividade. A maior dificuldade está na subjetividade que permeia aquela relação de amor e ódio. No entanto, trouxe uma inovação importante ao estabelecer em seu artigo 647 a possibilidade de o juiz deferir antecipadamente a qualquer herdeiro o exercício dos direitos de usufruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro. Trata-se, portanto, de uma tutela de evidência (artigo 294), que é uma novidade em matéria de processo de inventário. É uma tutela antecipada, que não está atrelada ao periculum in mora, mas diante de um direito material que se mostra evidente. Essa é a principal inovação processual para inventários e partilhas. Pode ser uma esperança de desatar alguns nós nesses eternos e inexplicáveis processos litigiosos em que, naturalmente, a parte menos favorecida é sempre a mais prejudicada.

É esperança também para a diminuição do tempo do litígio, se os advogados atentarem para a regra geral do CPC-2015 que criou “os negócios jurídicos processuais” (artigo 190 e 191), possibilitando aos sujeitos processuais flexibilizarem o procedimento, com diminuição de prazos, fazendo modificação na forma e no conteúdo do ato processual anterior, estabelecerem regras particulares para aquele processo. Além disso, se as partes tiverem o bom senso e permitirem que o espírito da mediação e conciliação pairem sobre elas, a esperança da solução do litígio ficará ainda maior.

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    é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.

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