Direito Eleitoral

Competência para julgar inelegibilidade por rejeição de contas ainda gera dúvidas

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8 de abril de 2016, 14h32

A inelegibilidade por rejeição de contas é o principal motivo de impugnação de registros de candidatura nas eleições brasileiras. Porém, a Lei Complementar 64/90 ainda deixa em aberto uma pendência crucial a respeito: a palavra final para decidir sobre inelegibilidade baseada na prestação de contas é do Tribunal de Contas ou da Justiça Eleitoral?

A questão foi levantada durante o V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, que acontece em Curitiba até esta sexta-feira (8/4). Para Marilda Silveira, mestre em Direito Administrativo, a questão é complexa e estamos vivenciando um “arranjo” para salvar a aplicação de inelegibilidade. “Os acórdãos dos tribunais de Contas não trazem a descrição do requisito central, que é a improbidade administrativa por ato doloso de improbidade. Ocorre que o TC não julga isso, mas apenas os aspectos financeiros e a gestão dos atos administrativos do agente público, que é o que determina a Constituição”, explica.

Assim, cabe à Justiça Eleitoral analisar os acórdãos dos tribunais de Contas e avaliar se, naquela determinada decisão, “pode se dizer” que houve ato doloso de improbidade. Isso, na opinião de Marilda, é contraditório e afeta o direito à ampla defesa, já que no âmbito dos tribunais de Contas existe espaço para o contraditório em relação ao processo administrativo, mas ninguém pode pedir atestado de a inexistência do ato doloso. E num segundo momento, quando a avaliação é feita pelos TREs, não há possibilidade de defesa. “É preciso criar uma instância, uma forma de garantir que essa pessoa tenha oportunidade de se defender. E é isso que não está claro.”

Para a jurista, a legislação eleitoral precisa caminhar no sentido de deixar claro se a análise e a palavra final ficarão com os tribunais de Contas ou com os TREs. “Creio que os tribunais de contas podem assumir esta competência, e acho que é a melhor solução. Já a Justiça Eleitoral, se for responsável por esta tarefa, terá que assumir a necessidade de contraditório. Não pode se autoconceder o dom da divindade e concluir que haja ato doloso sem que tenha sido feita defesa prévia”, concluiu.

Comunga da mesma opinião o advogado Rodolfo Viana, mestre em Direito Constitucional e coordenador do Instituto para o Desenvolvimento Democrático. “É uma situação que extrapola o próprio sistema eleitoral. A mera rejeição de contas não pode levar inexoravelmente ao indeferimento do registro de candidatura”, opinou.

Minirreforma eleitoral
Outro tema debatido no evento foi a Lei 13.165, promulgada no fim do ano passado e conhecida como Lei da Minirreforma Eleitoral. Para o jurista e ex-juiz eleitoral Flávio Yarshell, a minirreforma não resolveu a questão da litispendência, palavra técnica que expressa um fenômeno relativamente comum no meio eleitoral: múltiplas demandas judiciais fundadas em um mesmo fato. “Me lembro, como juiz, de ter julgado o mesmo churrasco umas dez vezes”, ilustra ele.

Yarshell considera que essa opção do ordenamento tem trazido consequências deletérias para o sistema, pois, de um lado, gera um trabalho inútil e desnecessário e, de outro, pode levar a decisões contraditórias e conflitantes.

Na visão dele, o ordenamento jurídico “não saiu do lugar” porque a premissa do caput do artigo 96-B é equivocada. “A lei pretendeu corrigir o problema da litispendência, mas apenas tornou mais perigosa a situação ao passar, inadvertidamente, a permitir a conexão e a reunião para julgamento de demandas similares no estado em que se encontrarem, o que gera incongruência do sistema. Supre-se a cognição no âmbito das instâncias ordinárias para reunião em instância superior”, detalha.

A solução legislativa, pontua o especialista, não é adequada para o problema proposto e acaba por negar a ideia de que não há a tríplice identidade. O sistema, imperfeitamente, prevê a possibilidade de diferentes demandas para o julgamento do mesmo fato.

Para Yarshell, a lei também confunde o conceito de alegação com o de prova ao mencionar, no artigo 3º do artigo 96-B, a possibilidade de que uma prova nova possa relativizar a questão da coisa julgada. “Ora, sempre haverá uma nova testemunha ou documento. É preciso estabelecer a imutabilidade da resolução da questão prejudicial e a correspondente eficácia da questão reduzida.”

O especialista concluiu sua conferência afirmando que não há solução genial. A saída é técnica: “Deve-se aplicar o artigo 503 do Código de Processo Civil, de forma subsidiária, para resolver estas questões no âmbito eleitoral”, recomenda. 

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