Corrida do ouro

Com "lava jato", empresas brasileiras viram foco de advogados estrangeiros

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7 de abril de 2016, 7h15

As empresas que fizeram delações premiadas na operação "lava jato",  assumindo pagar propinas e participar de esquemas de corrupção no Brasil, garantiram a redução da pena no processo. Mas, ao mesmo tempo, abriram a porteira para um novo round de ações, dessa vez, fora do país. Isso porque leis dos Estados Unidos e de países europeus permitem que as companhias com operações internacionais sejam processadas lá por crimes ocorridos (e assumidos) aqui.

Assim, as notícias sobre a “operation car wash”, tradução literal da operação “lava jato”, geraram uma corrida de advogados estrangeiros ao Brasil, que oferecem seus serviços como consultores em legislação dos Estados Unidos e da Europa a empresas que podem estar implicadas no escândalo de corrupção na Petrobras.

Regras claras
Segundo a Ordem dos Advogados
do Brasil, a associação entre
escritórios nacionais e estrangeiros
só pode acontecer em caráter
eventual e não pode alcançar
matéria de Direito brasileiro,
"seja em consultoria, seja em
procuratório judicial”. Em outubro
de 2012
, o Conselho Federal da
entidade manteve o veto à
participação de escritórios de
advocacia estrangeiros no
mercado brasileiro, previsto
no Provimento 91 da OAB.

Mesmo companhias que não estão diretamente ligadas ao processo que deu fama ao juiz Sergio Moro, mas têm negócios fora do país ou operam dinheiro no exterior, estão buscando tapar possíveis buracos em sua governança. Especialistas em normas estrangeiras como Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), dos Estados Unidos, e UK Bribery Act, do Reino Unido, estão sendo chamados para “limpar” as empresas e evitar desdobramentos maiores da “lava jato” no exterior.

A ação coletiva (class action) contra a Petrobras nos EUA é apontada como exemplo do tamanho do problema. A ação foi movida por donos de recibos de ações da Petrobras nos EUA (ADRs). De acordo com eles, os contratos da estatal foram inflacionados em até 20% devido a esquemas de corrupção, e isso fez com que as demonstrações financeiras da petroleira fossem "materialmente falsas e enganadoras". Os donos dos títulos alegaram que a empresa mentiu ao garantir, nos documentos da oferta dos valores mobiliários, que o controle interno sobre aspectos financeiros era "eficaz" e que respeitava as diretrizes do código de ética da Petrobras. O mesmo pode acontecer com companhias que operaram dinheiro fora do país e, agora, assumem que o dinheiro era de corrupção.

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José Ricardo Martins, do Peixoto & Cury,.
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José Ricardo de Bastos Martins, sócio do escritório Peixoto & Cury, conta que a preocupação com o tema aumentou expressivamente o número de consultas de clientes estrangeiros sobre o assunto. Ele afirma, no entanto, que a preocupação com o compliance já era algo comum às empresas estrangeiras que compram companhias brasileiras ou têm subsidiárias no país.

A atenção em torno do assunto fez até quem não tem qualquer relação direta com as envolvidas na “lava jato” se debruçar com mais cautela sobre o tema. O advogado diz que as firmas estão “temerosas, não apenas, das consequências que podem advir das investigações no Brasil, mas também em razão dos desdobramentos que qualquer problema aqui traria para elas — inevitavelmente — em seu país de origem”. Com isso, o movimento internacional que ganhou contorno em território brasileiro com a Lei Anticorrupção (12.846/2013), foi acelerado.  

Martins diz que esse movimento permitiu estreitar laços com diversos e colegas estrangeiros especializados no assunto. “Temos trabalhado em parceria com eles, já que eles também precisam da nossa expertise quanto à lei e cultura brasileiras para conseguir endereçar adequadamente a questão do ponto de vista da lei estrangeira.”

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Cynthia Catlett, da FTI Consulting.
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O aumento do interesse dos estrangeiros na área foi sentido também na FTI Consulting, consultoria empresarial que atua em parceria com escritórios de advocacia. A companhia tem trabalhado para atender a demandas de diligência reputacional e contábil/financeira. “Certamente investidores estrangeiros estão preocupados com o risco Brasil, por conta da exposição do risco corrupção/Brasil na ‘lava jato’”, avalia a diretora da empresa, Cynthia Catlett.

A lista dos gigantes que têm oferecido serviços a empresas e escritórios brasileiros inclui escritórios como o Debevoise & Plimpton; Baker & McKenzie; Freshfields Bruckhaus Deringer; Allen & Overy; Linklaters; Kirkland & Erris; Hogan Lovells; e Ropes & Gray. A ideia não é necessariamente se fixarem no Brasil (apesar de alguns terem escritório em território nacional), mas estreitar laços.

O Ropes & Gray, por exemplo, empenhado em sem aproximar ao mercado brasileiro na área de compliance, contratou recentemente o ex-promotor do Departamento de Justiça dos EUA Martin de Luca, fluente em português, que vai trabalhar com Nicholas Berg, já conhecido no mercado brasileiro. Como possíveis acusações contra companhias brasileiras devem vir do Departamento de Justiça, a contratação do novo advogado teve destino certo.

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Shin Jae Kim, do TozzinniFreire.
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Delações como iscas
Diversas das oportunidades encontradas por estrangeiros estão surgindo a partir de iniciativas das próprias empreiteiras acusadas no esquema. É que ao fechar acordo de delação premiada com o Ministério Público, executivos estão assumindo fraudes e crimes cometidos pelas companhias. Com essas delações em mão, investidores, órgãos fiscalizadores, clientes e até mesmo fornecedores de outros países têm motivos para dar início a ações contra as empresas.

Como as noticias são instantâneas, as autoridades estão acompanhando o desenrolar dos problemas. Assim, passa a ser essencial pensar em todos os desdobramentos internacionais antes de dar qualquer passo ou fechar qualquer acordo, diz a sócia responsável pela área de compliance do TozziniFreire Advogados, Shin Jae Kim.

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Welber Barral, da Barral M Jorge.
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As preocupações das empresas são conhecidas de Welber Barral, especialista em defesa comercial e negociações internacionais e ex-secretário de comércio exterior (2007-2011). Hoje à frente da consultoria Barral M Jorge, ele conta que as empresas estrangeiras que querem fazer negócio com brasileiras costumavam ter como primeira preocupação, até dois ou três anos atrás, o passivo tributário e trabalhista. Agora, o foco maior é na área de governança. “Querem analisar se as empresas fazem algum tipo de negócio com o governo, se têm código de conduta, se foram investigadas no passado”, exemplifica.

Cuidado extra
Qualquer contato da empresa com o setor público já acende uma luz amarela quanto à necessidade de regras de compliance, explica Barral. Para ele, isso mostra uma evolução. Segundo ele, empresas de países mais desenvolvidos precisam se diferenciar por não estarem envolvidas em corrupção. “Fundos de investimento do mundo inteiro levam isso em conta, é um fator considerado no mercado”.

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Paulo Rocha, do Demarest Advogados.
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A conscientização se generalizou, resume Paulo Rocha, do Demarest Advogados. Ele conta que com a preocupação gerada a partir da “lava jato”, empresas de porte médio passaram a ter interesse em medir as repercussões de atitudes como contratar com o poder público, fazer uma aquisição ou até mesmo escolher seus fornecedores. Antes, diz Rocha, isso era uma preocupação restrita a multinacionais e empresas muito grandes.

O momento do mercado de advocacia brasileiro, diz Paulo Rocha, é o de escritórios estrangeiros oferecerem serviços para empresas que têm filiais ou negócios em seus países. Ele tranquiliza os profissionais nacionais: seu escritório tem recebido bastante correspondência de advogados de outros países, e eles não se propõem a atuar “em casos 100% brasileiros”.

A questão é que leis como o FCPA permite que o Departamento de Justiça americano atinja companhias brasileiras. Justamente porque o que a empresa faz — ou fala — em território nacional pode ter impacto fora do Brasil, Mariana Villela, sócia da área de anticorrupção, integridade corporativa e compliance do Veirano Advogados recomenda sempre que haja a coordenação dos esforços entre estrangeiros e brasileiros. “O papel dos advogados daqui continua e sempre será muito relevante, mas é importante pedir auxílio a advogados estrangeiros, que têm um trabalho complementar”, diz.

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Mariana Villela, do Veirano Advogados.
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Ela avalia que o foco dos escritórios também mudou. “Antes, havia muito escritório prestando atenção no Brasil quando tinha um cliente estrangeiro investindo aqui. Hoje, aumentou o interesse nos clientes brasileiros, uma vez que aumentou muito o número de companhias brasileiras que têm negócio fora do país.”

Encontros e rankings
A advogada Shin Jae Kim, do TozzinniFreire, explica como as parcerias são estabelecidas. As empresas mais preparadas costumam já deixar pré-selecionados os escritórios que deverão representá-las caso surja alguma questão internacional. “Deixam tais advogados como advisers, assessores jurídicos, que vão, se houver necessidade, falar em seu nome”, explica. Essa seleção prévia, diz ela, é boa, pois o “timing” na hora de acionar os escritórios faz toda a diferença. Em casos de acordo de leniência, por exemplo, a empresa precisa ser rápida.

O caminho para chegar a um escritório internacional, diz a advogada, costuma começar na própria banca que já representa a empresa no Brasil. “A companhia costuma pedir indicações para seus parceiros locais. Às vezes, já chegam com um leque de opções e perguntam qual seria o melhor”, afirma Shin. Uma boa forma de estar nesse leque, segundo ela, é estar bem colocado em rankings e publicações internacionais, comparecer a eventos e ter bom relacionamento.

Os eventos que reúnem advogados e os escritórios são como paradas obrigatórias para os profissionais que chegam ao Brasil de olho no mercado. Advogados avaliam que o Brasil vive apenas o início de um movimento que vai criar oportunidades ainda maiores para estrangeiros, quando os processos começarem a aparecer em outros países. O que explica a vinda de tantos agora para o Brasil deve-se à antiga regra da publicidade: “Quem não é visto, não é lembrado”.

*Texto alterado às 14h45 do dia 7 de abril de 2016.

*Foto alterada às 16h36 do dia 22 de agosto de 2016.

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