Justiça Tributária

Nossos impostos não podem mais ser jogados no lixo

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

4 de abril de 2016, 8h00

Spacca
Raul Haidar [Spacca]

Lá no mato tudo é triste 
Desde o jeito de falar, 
Pois o Jeca quando canta 
Dá vontade de chorar

(Tristezas do Jeca)

Em Ação Civil Pública distribuída no dia 23 de março (Processo 1000527-27.2016.8.26.0275) no Foro de Itaporanga (SP), a juíza Ana Carolina Miranda de Oliveira suspendeu a realização da 27ª Festa do Peão de Boiadeiro que o prefeito local desejava realizar em maio próximo.

Na peça inicial a promotora de Justiça Carla Murcia Santos demonstrou que o município apresenta diversas carências no atendimento de saúde e outros serviços públicos essenciais. Afirma a promotora que:

“O gasto de verba pública em evento dessa natureza fere também o princípio da supremacia do interesse público, que determina que TODA atividade pública deve buscar a consecução de uma finalidade pública, o que não se verifica. Em suma, considero irrazoável a destinação da expressiva quantia de dinheiro público para uma festividade desta natureza quando absolutamente todos os serviços públicos prestados pelo município são deficientes ou inexistentes.”

A péssima aplicação dos valores arrecadados como impostos tem sido um crime usual neste país em todos os níveis de governo: municipal, estadual e federal.

Em coluna de 28 de janeiro de 2013 — clique aqui para ler — afirmei que

Até então eu pensava que o sistema tributário se resumia em arrecadar, administrar e fiscalizar. Já aprendi um pouco mais: tem que fazer tudo isso e tem, ainda, que JOGAR O IMPOSTO FORA!”

Os leitores podem ainda consultar as colunas de 2/9/2013 (leia aqui), 7/4/2014 (leia aqui), 14/7/2014 (leia aqui) e 25/8/2014 (leia aqui), onde vários aspectos da mesma questão foram analisados.

No âmbito municipal tais desvios se verificam aqui em São Paulo, onde se constrói uma denominada “fábrica do samba”, lança-se um programa para instalar cinemas e já se aplicou vultosos recursos em obras que não eram prioritárias.

Pistas de skate que transformaram a Praça Roosevelt numa filial do inferno, ciclovias quase sempre desertas que atrapalham o trânsito etc. Tudo, é claro, com o dinheiro do povo.

Enquanto isso, o atendimento da saúde pública é horrível, as creches e escolas não recebem os recursos adequados para manutenção e melhoria, vias públicas estão esburacadas, o asfalto é uma ridícula tinta preta que se dissolve na primeira chuva e os remendos…

A nível estadual as verbas que poderiam destinar-se ao metrô, aos transportes em geral, aos hospitais, às escolas (o salário dos professores!), à segurança pública (onde está o guarda?), ao saneamento básico, etc. e tal, para onde vão?

Os estados hoje empregam verbas de propaganda até para o que não precisa de propaganda. A Sabesp tem concorrente?

Na União não há verbas para infraestrutura por exemplo. A saúde está doente. Faltam médicos e quando existem faltam ao serviço e ao que parece isso não é fiscalizado. Estradas federais são abandonadas e nelas há até pontes que ligam nada a lugar algum. Isso não é novidade: a famigerada Transamazônica há décadas se transformou numa tragédia e ninguém tomou qualquer providência.

Se não há recursos para tudo isso, porque foi concedida isenção tributária para a Fifa, por exemplo? Nada justifica o desperdício de verbas com propaganda oficial nas grandes redes de televisão e também na mídia impressa. Não é razoável supor que com dinheiro de impostos alguém esteja interessado no silêncio ou na cumplicidade desses veículos.

Portanto, são perfeitamente adequadas aos princípios da Justiça a ação proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a prefeitura municipal de Itaporanga.

Essas “festas de peão de boiadeiro” nada mais apresentam das primeiras boas intenções dos que as criaram. Em seu início na década de 50 tentavam incentivar o folclore, as tradições, as músicas e danças típicas: modas de viola, catira e cateretê. Homenageavam aos trabalhadores que enfrentavam milhares de quilômetros em cansativas viagens pelo sertão a levar boiadas das fazendas para os frigoríficos.

Transformaram-se elas em espetáculos tão grandiosos quanto grotescos, onde tudo é atividade lucrativa. Os “peões” hoje são apenas profissionais em busca de riqueza. Os artistas são pagos a peso de ouro e muitas vezes com cachês exagerados para suportar os intermediários e os aproveitadores de sempre. E o que é pior: nenhuma relação possuem com tradições ou músicas brasileiras. Tratam-se de negócios, só isso.

Não deve o dinheiro de impostos sofrer esse tipo de abuso. Tem razão a música de Angelino de Oliveira, que nasceu em Itaporanga: “Dá vontade de chorar.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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