Opinião

A indisponibilidade dos direitos trabalhistas no ordenamento jurídico

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla professor advogado e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz procurador e auditor fiscal do Trabalho.

2 de abril de 2016, 6h47

O Direito do Trabalho tem como um de seus preceitos fundamentais o princípio da irrenunciabilidade, no sentido de que o empregado não pode dispor de seus direitos, os quais são assegurados por meio de normas cogentes e de ordem pública[1].

Com isso, entende-se, tradicionalmente, que os direitos trabalhistas, justamente em razão de sua relevância para preservar a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988), são dotados de certo grau de indisponibilidade.

Em harmonia com o exposto, o artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho permite que as relações contratuais de trabalho sejam objeto de livre estipulação das partes interessadas, mas desde que isso não contrarie as disposições de proteção ao trabalho, os contratos coletivos (ou seja, as convenções e os acordos coletivos) que lhes sejam aplicáveis e as decisões das autoridades competentes.

Nota-se, portanto, nítida restrição à autonomia privada na esfera da relação de emprego, justificada pela natureza essencial dos direitos envolvidos, assegurados por meio de normas imperativas, bem como pela subordinação inerente ao contrato de trabalho, caracterizando a forma como o serviço é prestado pelo empregado e que decorre do poder de direção do empregador (artigos 2º e 3º da CLT).

Apesar de já sedimentadas essas importantes noções, inclusive na doutrina e na jurisprudência, é necessário examinar, com maior cuidado, se os direitos trabalhistas são, efetivamente, indisponíveis, bem como, em caso positivo, o alcance e o grau dessa indisponibilidade.

Trata-se de questão que interfere, inclusive, no cabimento da arbitragem, pois o artigo 1º da Lei 9.307/1996 dispõe que as pessoas capazes de contratar podem se valer da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Ainda quanto ao tema, o artigo 852 do Código Civil de 2002 prevê ser vedado o compromisso (arbitral) para a solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.

Nesse contexto, consoante o artigo 11 do Código Civil de 2002, com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

No plano processual, segundo o artigo 392 do CPC de 2015, “não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”.

Não obstante, no dissídio individual trabalhista, em regra, admite-se a confissão decorrente do depoimento pessoal (artigos 819 e 820 da CLT), não apenas do empregador, que normalmente figura no polo passivo da relação processual, mas também quanto ao autor.

Nesse sentido, consoante a Súmula 74, inciso I, do Tribunal Superior do Trabalho, “aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor”.

Evidentemente, se o direito material discutido no processo trabalhista fosse plenamente indisponível essa confissão não teria como incidir.

Além disso, de acordo com o artigo 345, inciso II, do CPC de 2015, a revelia não acarreta a presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pelo autor “se o litígio versar sobre direitos indisponíveis”.

Entretanto, no litígio trabalhista, em regra, admite-se o efeito da revelia voltado à confissão (ficta) quanto à matéria de fato (artigo 844 da CLT), sabendo-se que o empregado também pode figurar como réu em ação na Justiça do Trabalho, como se observa, por exemplo, na consignação em pagamento (artigos 539 a 549 do CPC de 2015) e no inquérito para apuração de falta grave (artigos 853 a 855 da CLT).

Novamente aqui, se o direito material fosse verdadeiramente indisponível, naturalmente que essa presunção de veracidade não seria aplicável.

Ainda quanto ao tema, o artigo 840 do Código Civil de 2002 dispõe ser lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.

Não obstante, apenas quanto a direitos patrimoniais de caráter privado é que se permite a transação (artigo 841 do Código Civil de 2002).

Os direitos trabalhistas, tanto individuais como coletivos, normalmente são patrimoniais (ainda que quanto aos efeitos) e também admitem a transação, por meio de negociação coletiva de trabalho (artigo 114, parágrafo 1º, da Constituição da República), de mediação (artigo 11 da Lei 10.192/2001) e de conciliação, essa última tanto na esfera judicial (artigos 764, 831, 846, 852-E, 850 e 860 da CLT) como no âmbito extrajudicial (artigos 625-A a 625-H da CLT, acrescentados pela Lei 9.958/2000, versando sobre as Comissões de Conciliação Prévia).

Aliás, mesmo a arbitragem, como modalidade de heterocomposição que difere da jurisdição estatal, é expressamente admitida quanto aos conflitos coletivos de trabalho (artigo 114, parágrafos 1º e 2º da Constituição Federal de 1988).

Fica nítida, assim, a relevância de se aprofundar o debate a respeito do relevante tema voltado à indisponibilidade dos direitos trabalhistas.


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 98.

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    é livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP e professor titular do Centro Universitário UDF. É pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz, procurador e auditor fiscal do Trabalho.

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