Opinião

A contagem de prazo no novo CPC e o processo eleitoral

Autores

  • Rodrigo Pedreira

    é sócio do escritório Gabriela Rollemberg Advocacia formado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Pós-graduado em Direito Eleitoral pelo Instituto Luiz Flávio Gomes e em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-DF e membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

  • Rafael Lobato

    é sócio do escritório Gabriela Rollemberg Advocacia graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Luiz Flávio Gomes (LFG).

1 de abril de 2016, 8h19

No último dia 18 de março, entrou em vigor o novo CPC — Lei 13.105/2015, com diversas mudanças no sistema processual brasileiro. Dentre as alterações, uma das mais relevantes para os advogados — em especial para os que militam na Justiça Eleitoral — diz respeito à forma de contagem dos prazos processuais.

Com efeito, o anterior CPC (de 1973) previa, nos artigos 178 e 184, parágrafo 1º[1], que os prazos processuais eram contínuos, não sendo interrompidos nos feriados ou finais de semana.

Dessa forma, na legislação anterior, eventual início ou vencimento dos prazos nos dias não úteis (sábado, domingo e feriado) eram automaticamente prorrogados para o primeiro dia útil subsequente.

No processo eleitoral, essa regra sempre foi aplicada subsidiariamente, sem maiores discussões, de forma que a contagem do prazo na Justiça especializada segue a regra geral do CPC, por ausência de norma específica sobre o tema.

Todavia, algumas exceções são trazidas na legislação eleitoral, em especial quanto à contagem de prazo durante o período eleitoral — desde o registro de candidatura até o final do ano em que forem feitas as eleições.

A título de exemplo, temos o artigo 16 da LC 64/90, prevendo que os prazos para a impugnação de registro de candidatura “são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados”.

Ou seja, até as eleições de 2014, a regra era que, a partir do encerramento do prazo de registro de candidatura, os prazos no processo de impugnação seriam contínuos, podendo inclusive se iniciar ou vencer aos sábados, domingos e feriados.

Vale frisar que nesses dias (tradicionalmente não úteis para a Justiça), os cartórios e tribunais eleitorais funcionam normalmente durante o período eleitoral, em consonância com o princípio da celeridade que permeia essa Justiça especializada.

Nesse sentido sempre foi a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, conforme se verifica no AgR-REsp 68230, relator ministro Henrique Neves, ao asseverar que “na linha da jurisprudência desta corte superior, os prazos relativos aos processos de registro de candidatura são contínuos e peremptórios, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados, conforme a disciplina do artigo 16 da Lei Complementar 64/90”[2].

Da mesma forma também ocorria com os prazos das representações (por direito de resposta, propaganda eleitoral irregular, por conduta vedada etc.) e das ações de investigação judicial eleitoral.

Assim, durante o período eleitoral, os prazos dessas ações corriam normalmente nos finais de semana e feriados, nos termos das resoluções editadas pelo TSE para cada eleição (por exemplo: artigo 41 da Resolução TSE 23.398/13[3]).

Todavia, para as eleições de 2016, com a entrada em vigor do novo CPC, surge a discussão quanto à forma de contagem dos prazos no processo eleitoral.

Afinal, o artigo 219 do novo CPC prevê que “na contagem de prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”.

Ou seja, com a alteração trazida no mencionado dispositivo, os prazos processuais, de maneira geral, passam a correr somente nos dias úteis, interrompendo-se nos sábados, domingos e feriados, e neles não podendo se iniciar ou vencer.

Assim, surge um conflito aparente de normas: como deve ser feita a contagem dos prazos no processo eleitoral, com a novidade do artigo 219 do novo CPC? Tal norma deve se sobrepor aos artigos 16 da LC 64/90[4], 58-A da Lei 9.504/97[5] e 5º da Resolução TSE 23.462/15[6]?

Para responder a essa indagação, preliminarmente há que se fazer uma diferenciação entre os prazos eleitorais que chamaremos de “ordinários”, e que correm normalmente, daqueles prazos chamados de “extraordinários”, verificados durante o período eleitoral (desde o encerramento do prazo para registro de candidaturas até dezembro do ano eleitoral).

No caso dos prazos eleitorais “ordinários”, ou seja, aqueles que ocorram fora do período das eleições, aplica-se o artigo 219 do novo CPC, de modo que a contagem dos prazos deverá se dar apenas em dias úteis.

Afinal, não havendo norma especial tratando da forma de contagem dos prazos no processo eleitoral fora do período das eleições, prevalece a regra geral do artigo 219 do novo Código de Processo Civil, em sua literalidade.

Todavia, durante o período eleitoral, a questão merece um maior aprofundamento.

Para as eleições de 2016, o calendário eleitoral editado pelo Tribunal Superior Eleitoral (Resolução TSE 23.450/15) prevê como encerramento dos registros de candidatura o dia 15 de agosto e, como último dia para funcionamento dos cartórios eleitorais nos sábados, domingos e feriados, o dia 16 de dezembro.

Em outras palavras, para as eleições que se aproximam, o período eleitoral vai de 15 de agosto até 16 de dezembro.

Nesse período, de acordo com o artigo 16 da LC 64/90 c/c o artigo 5º, da Resolução TSE 23.462/15 e artigo 58-A da Lei 9.504/97, os prazos da Justiça Eleitoral devem ser contados aos sábados, domingos e feriados, podendo neles se iniciar ou se encerrar, de modo que todos os dias seriam considerados “dias úteis” para o processo eleitoral.

Como dito anteriormente, a chegada do novo CPC aparenta ter causado um conflito entre o artigo 219 do novo CPC e as referidas normas eleitorais que tratam da contagem do prazo no processo perante aquela Justiça especializada.

Esse conflito, todavia, é apenas aparente.

O sistema jurídico brasileiro prevê soluções para compatibilizar normas que pareçam colidentes, as chamadas antinomias, a partir dos critérios da hierarquia, cronologia e especialidade.

Dentre as formas de solução dos conflitos aparentes de normas, a mais básica delas diz respeito ao critério temporal, em que a lei nova revoga a lei anterior, no que conflitante.

Todavia, entendemos que esse critério não pode ser aplicado ao caso.

Em primeiro lugar, porque o novo CPC foi editado em 16 de março de 2015, e a Resolução TSE 23.462 em dezembro de 2015. Dessa forma, apesar de os artigos 16 da LC 64/90 e 58-A da Lei 9.504/97 serem anteriores ao novo CPC, o artigo 5º da referida resolução é mais recente e, em tese, deve prevalecer.

Por outro lado, e ainda mais importante, há que se ter em mente que a utilização do critério temporal nessa hipótese acabaria por comprometer o princípio da celeridade eleitoral, visto que a contagem do prazo somente em dias úteis acarretará uma morosidade na solução das demandas eleitorais.

Ademais, eventual demora na solução dos processos eleitorais causa um dano irreparável à sociedade.

Afinal, como tais casos podem envolver a regularidade do registro de um candidato eleito, ou o próprio mandato, a demora em seu julgamento aumenta a chance de que haja a indesejada alternância dos cargos políticos.

Assim, para preservar o princípio da celeridade eleitoral, entendemos que a melhor compatibilização das normas de prazo no caso em estudo se dá pela utilização do critério da especialidade, segundo o qual a norma especial prevalece sobre a regra geral.

Com efeito, esse critério da especialidade tem lugar apenas no que tange aos prazos eleitorais “extraordinários”, ou seja, aqueles verificados durante o período eleitoral.

Isso porque a legislação eleitoral — especial em relação à regra geral do novo CPC — apenas cuida da contagem dos prazos eleitorais nesse interregno, não trazendo qualquer previsão sobre a contagem de prazo fora desse período.

Em suma, fora do período eleitoral, por não haver qualquer regra especial, aplica-se, irrestritamente, o artigo 219 do novo CPC para a contagem dos prazos processuais da Justiça Eleitoral, uma vez que o CPC é norma subsidiariamente aplicada no processo judicial especializado em caso de lacuna, como se tem aqui.

Por outro lado, durante o período das eleições — no caso de 2016, entre 15 de agosto e 16 de dezembro — deve prevalecer a norma especial.

Vale frisar: somente é possível essa ressalva à contagem de prazo prevista no artigo 219 do novo CPC durante o período eleitoral porque há norma especial tratando do tema.

Caso não haja norma especial sobre a forma de contagem dos prazos processuais, aplicar-se-á a regra geral do novo código, exatamente como ocorre com os prazos eleitorais “ordinários”.

Não foi por outra razão que a Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais do DF, por exemplo, decidiu, na segunda-feira (28/3), que o artigo 219 do novo CPC também se aplica aos juizados especiais, que seguirão a nova regra, no que tange aos prazos processuais.

Como se vê, mesmo nos juizados especiais, onde também há o princípio da celeridade como norte, a aplicação da nova forma de contagem de prazo é medida que se impõe, visto que não há outra norma especial que discipline a matéria.

De fato, pretende-se aqui, tão somente, trazer à tona a reflexão sobre essa problemática processual trazida pelo novo CPC, apontando-se, ao fim, uma possível solução, sem qualquer pretensão de esgotar o tema ou de pacificar a questão, que ficará a cargo da jurisprudência a ser sedimentada num ou noutro sentido.

Dessa forma, em conclusão, entendemos que a regra geral de contagem do prazo do artigo 219 do novo CPC se aplica ao processo eleitoral de modo geral, sendo relativizada apenas e tão somente durante o período eleitoral, ante a existência de norma especial tratando da contagem de prazo nesse período — artigos 16 da LC 64/90, 58-A da Lei 9.504/97 e 5º da Resoluções TSE 23.462/15.


[1] Artigo 178. O prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos feriados.
Artigo 184. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento.  § 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado ou em dia em que: I – for determinado o fechamento do fórum; II – o expediente forense for encerrado antes da hora normal.
[2] TSE, AgR-REspe 68230 – Rio De Janeiro/RJ, relator ministro Henrique Neves da Silva, publicado em Sessão, Data 18/9/2014.
[3] Artigo 41. Os prazos relativos às representações serão contínuos e peremptórios, correm em secretaria, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados, entre 5 de julho de 2014 e as datas fixadas na Resolução do Calendário Eleitoral.
[4] Artigo 16. Os prazos a que se referem o artigo 3º e seguintes desta lei complementar são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou Cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados.
[5] Artigo 58-A. Os pedidos de direito de resposta e as representações por propaganda eleitoral irregular em rádio, televisão e internet tramitarão preferencialmente em relação aos demais processos em curso na Justiça Eleitoral.
[6] Artigo 5º. Os prazos relativos às reclamações, às representações e aos pedidos de resposta são contínuos e peremptórios e não se suspendem aos sábados, domingos e feriados entre 15 de agosto e 16 de dezembro de 2016 (Lei Complementar 64/1990, artigo 16), excepcionados os feitos de competência do Tribunal Superior Eleitoral, que observarão o disposto no Calendário Eleitoral.

Autores

  • é advogado em Brasília, militante no Tribunal Superior Eleitoral. Bacharel em Ciência Política pela UnB. Especialista em Direito Eleitoral pelo Instituto Luiz Flávio Gomes. Pós-Graduando em Direito Constitucional pelo IDP.

  • é sócio do escritório Gabriela Rollemberg Advocacia, graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Luiz Flávio Gomes (LFG).

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