Segurança jurídica

Relatório que leva mais de dois anos não paralisa prescrição de processo disciplinar

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28 de setembro de 2015, 16h14

A ideia de que a simples edição de um relatório, dentro do prazo de dois anos, paralisa indefinidamente o prazo prescricional para encerrar o procedimento administrativo disciplinar não se coaduna com o instituto da segurança jurídica. Por isso, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul mandou reintegrar um servidor do Detran, exonerado por improbidade administrativa, que alegou prescrição intercorrente no seu processo. Isso porque o processo administrativo disciplinar (PAD) a que respondeu se estendeu por três anos, quando não poderia passar de dois, segundo a legislação estadual.

Ao contrário do juízo de primeiro grau, o colegiado entendeu que a jurisprudência dos tribunais superiores, atualmente, não aceita que o curso da prescrição seja paralisado na contagem da emissão do relatório do PAD, como assegura dispositivos da Lei Complementar Estadual 10.098/94.

Conforme o relator da apelação, desembargador Eduardo Uhlein, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que, na instauração de PAD, a prescrição começa a ‘‘correr’’ por inteiro, em desfavor da administração pública, a partir do momento em que se encerra o prazo máximo para sua conclusão, que é de 140 dias — conforme a Lei Federal 8.112/90. ‘‘No tocante ao estabelecido na Lei estadual 10.098/94, há de se considerar a mesma compreensão, também nele sendo possível extrair a existência de um prazo de 140 dias, destinado à conclusão do processo administrativo e aplicação da pena pela autoridade hierárquica competente’’, complementou.

Segundo Uhlein, o intervalo de 140 dias resulta da soma do prazo de 120 dias estabelecido como máximo para a duração do processo administrativo (60 dias prorrogáveis por igual período) e do prazo de 20 dias para o julgamento do relatório final pela autoridade competente. No caso concreto, como o procedimento foi instaurado em 8 de julho de 2008, o prazo prescricional de dois anos passou a contar exatos 140 dias depois — ou seja, em 24 de novembro de 2008. ‘‘Assim, a prescrição para a administração impor a pena de demissão definitivamente consumou-se em 24/11/2010, não sendo válida, portanto, a sanção somente aplicada pelo senhor governador do estado em 13 de abril de 2011’’, expressou no voto.

Por fim, ao negar o pagamento de indenização por danos morais, o desembargador-relator se reportou ao parecer do procurador-chefe da PGE na época do governo Tarso Genro, Carlos Henrique Kaipper, para justificar a ‘‘absoluta falta de razão’’ do pedido. ‘‘Embora tenha tardado demasiadamente a conclusão da ação disciplinar estatal, alcançando a prescrição, resta evidenciado que o servidor violou comezinhos deveres de fidelidade à instituição e ao seu cargo, dele buscando servir-se em proveito pessoal, o que torna absolutamente injurídica qualquer pretensão à reparação por danos morais, ainda que faça jus à reintegração ao cargo’’, afirmou. 

O caso
O autor trabalhou no Detran do Rio Grande do Sul como técnico superior em trânsito, de abril de 1998 a abril de 2011, quando foi exonerado do cargo por ato do governador Tarso Genro (PT). Ele havia respondido a procedimento administrativo disciplinar por conduta desleal à administração pública. O ato veio à tona na chamada operação Rodin, deflagrada pela Polícia Federal para investigar malfeitos no Detran. Segundo o PAD, o servidor, aproveitando o know-how desenvolvido no departamento, vendeu serviços e programas a outros Detrans, misturando interesses públicos com privados.

Para escapar à fiscalização de seus atos, segundo parecer da Procuradoria-Geral do estado, ele colocou a mãe, já anciã, como testa-de-ferro da empresa que abrira para fazer as consultorias. O funcionário foi enquadrado nos dispositivos dos artigos 178, inciso XX (proíbe o servidor de valer-se do cargo para proveito próprio); e 191, incisos VI e VII (prevê demissão por improbidade administrativa) — todos da Lei Complementar 10.098/94. Por outro lado, em consequência da operação, ele acabou denunciado pela prática de três crimes tipificados em artigos do Código Penal: formação de quadrilha (288), corrupção passiva (317) e falsidade ideológica (299). Dessas acusações, foi absolvido pela 3ª Vara da Justiça Federal de Santa Maria.

Após a demissão, o autor ajuizou ação contra o estado na 3ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre. Alegou que o PAD que culminou com sua demissão está cheio de nulidades, a começar pelo fato de se estender durante três anos, quando o correto seria dois anos de tramitação. Afinal, o procedimento começou em julho de 2008, o relatório final foi apresentado em julho de 2010, e o parecer da PGE — recomendado sua demissão ao governador — só ficou pronto em abril de 2011.

Sustentou ainda que não poderia ser demitido por improbidade administrativa, já que não ficou provada por sentença que tenha transitado em julgado. Pediu o reconhecimento de nulidade do ato administrativo, a reintegração ao cargo e o pagamento de danos morais e materiais.

Sentença improcedente
A juíza Andreia Terre do Amaral julgou a demanda improcedente, refutando todos os argumentos do autor. Na parte em que discorre sobre a alegação de prescrição intercorrente, pela excessiva demora de tramitação do PAD, a julgadora citou o artigo 197 da Lei Complementar Estadual 10.098/94: ‘‘A aplicação das penas referidas no artigo 187 prescreve nos seguintes prazos: IV – em 24 (vinte e quatro) meses, a de demissão, a de cassação de aposentadoria e a de disponibilidade. § 1º – O prazo de prescrição começa a fluir a partir da data do conhecimento do fato, por superior hierárquico. § 3º – Quando as faltas constituírem, também, crime ou contravenção, a prescrição será regulada pela lei penal’’.

Assim, na sua percepção, não vale o prazo bienal, mas aquele previsto na lei penal, conforme autoriza o referido parágrafo terceiro. No caso da denúncia por formação de quadrilha, exemplificou a julgadora, o prazo prescricional estabelecido é de oito anos, segundo o inciso IV do artigo 109 do Código Penal. Além disso, o prazo bienal estaria suspenso nos termos dos incisos II e III, parágrafo 5º, do artigo 197 da mesma lei complementar estadual. O inciso II diz que o curso da prescrição é suspenso ‘‘a contar da emissão do relatório de sindicância, quando este recomendar aplicação de penalidade, até a decisão final da autoridade competente’’.

‘‘O procurador do estado que emitiu o relatório a que se refere o inciso II acima transcrito fê-lo em 7 de julho de 2010, e, tendo-se iniciado a fluência do prazo prescricional em 08 de julho de 2008, não chegou a fluir o transcurso bienal de que trata a lei, não se cogitando, portanto, de prescrição na hipótese’’, decretou a juíza.

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