Opinião

Confusão de atores, ambientes e momentos desvirtua sistema jurídico

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla professor advogado e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz procurador e auditor fiscal do Trabalho.

27 de setembro de 2015, 11h11

A lógica do Estado Democrático de Direito é que, na solução das controvérsias existentes na sociedade, devem prevalecer as normas válidas no sistema jurídico em vigor, e não as preferências ideológicas, os objetivos políticos e os sentimentos do intérprete.

É certo que os princípios e as cláusulas gerais conferem ao sistema abertura na interpretação das previsões normativas, permitindo ajustá-las à evolução social e às peculiaridades de cada caso concreto. Isso, entretanto, jamais pode ser utilizado para autorizar que se desvirtue o sentido e o alcance dos preceitos jurídicos, aplicando-os fora de contexto, segundo intensões subjetivas e escolhas pessoais.

Certamente que o Direito deve ser aplicado e interpretado de modo a se aproximar, o máximo possível, do ideal de justiça. Também se sabe que a atividade interpretativa, evidentemente, é influenciada pelos valores culturais de quem a realiza.

Ainda assim, no Estado Democrático de Direito, a justiça, como valor a ser concretizado, não significa o que o intérprete subjetivamente entende como o mais indicado, conforme as suas próprias convicções, e sim aquilo que o ordenamento, pautado pela legitimidade democrática, estabelece.

É necessário ter humildade e sinceridade intelectuais para reconhecer que, em certos casos, a escolha democrática, plasmada no sistema jurídico, não coincide com o pensamento individual de cada um.

Em casos assim, cabe ao intérprete, na compreensão e aplicação do Direito, fazer com que prevaleça a determinação normativa em vigor, e não as suas convicções íntimas.

Caso contrário, ainda que sob uma nova roupagem, retornaríamos à vetusta, superada e antidemocrática concepção de que tudo depende da vontade unilateral imposta pelo monarca absolutista.

Os preceitos jurídicos dotados de maior elasticidade de sentido e flexibilidade interpretativa não podem ser utilizados como argumentos retóricos que permitam chegar à interpretação que se deseja, conforme preferências pessoais e ideológicas, desvirtuando preceitos claros e expressos do ordenamento constitucional e legal.

Não podem ser confundidos os papeis de aplicação e de criação do Direito, sob pena de ausência de legitimidade nas decisões judiciais.

No ambiente democrático, a crítica ao Direito em vigor, visando ao seu aprimoramento, é salutar, mas há espaço e momento apropriados para os debates de ideias e de concepções, que não podem ser confundidos com o âmbito da solução institucional dos conflitos sociais, no qual deve prevalecer o Direito vigente, e não o que o julgador, em seu intelecto e em seus sentimentos, entende mais conveniente e oportuno.

Reconhece-se que o texto normativo, por meio da atividade de interpretação, consubstancia-se na norma a ser aplicada aos fatos sociais, com vistas à harmonia, à paz e ao bem comum.

Entretanto, a abertura semântica dos textos normativos não é ilimitada, não podendo ser distorcida para se chegar a resultados que não correspondem ao sentido juridicamente positivado.

As atividades científicas de interpretação e aplicação do Direito não se confundem com as práticas voltadas à ideologia, à política e à crítica ao sistema democraticamente estabelecido. Todas são relevantes, mas possuem ambientes específicos, atores sociais legitimados e momentos apropriados.

A confusão desses diversos âmbitos pode resultar na instauração de um novo autoritarismo absolutista e antidemocrático, sob a atraente roupagem, muitas vezes fundada em princípios, de um suposto compromisso com a justiça.

Autores

  • é livre-docente pela Faculdade de Direito da USP e professor titular do centro universitário UDF. É pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Foi juiz do Trabalho e procurador do Trabalho.

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