Opinião

Advogado não deve ter vergonha de seus erros, mas aprender com eles

Autor

  • Carlos Harten

    é sócio-diretor da Queiroz Cavalcanti Advocacia presidente da Comissão Especial de Direito Securitário do Conselho Federal da OAB. Possui diploma de Estudios Avanzados pela Universidade de Salamanca/Espanha e Executive Programme pelo Insead/França.

27 de setembro de 2015, 9h45

Somos movidos por conquistas, comemorações e êxitos. Nós advogados, então, figuras caricaturadas como profissionais vaidosos, medidos pelo currículo de vitórias e conta bancária, nos seduzimos facilmente pela tese do sonho grande. É até natural que, quando nos apresentamos a um possível cliente ou em uma entrevista de emprego, enumeremos nossos sucessos, pós-graduações, titulações e capacidades. Mas será que são os êxitos obtidos que realmente moldam o profissional ou os erros cometidos e como eles foram tratados? Será que as grandes realizações marcam mais o profissional e seu time que a experiência de corrigir seus próprios erros?

Nosso escritório está passando por um processo de branding, em que, entre outros objetivos, busca extrair e fixar nossos princípios de gestão. Nas diversas entrevistas, que têm muito de uma análise da história, anseios e cicatrizes de cada integrante da empresa, me dei conta de que, em minhas respostas, destaquei bem mais os erros e problemas que tivemos no passado que os êxitos. Percebi que eu e o escritório fomos forjados por cada dificuldade enfrentada e não por cada boa notícia recebida, como novos clientes, reconhecimento dos atuais, vitórias judiciais etc. Comemorar é bom, mas o medo de fracassar novamente pode ser bem mais motivador. Vicente Falconi, cuja consultoria moldou nossa organização, há tempos destaca que o “gerente resolve problemas”. Vamos examinar seu mantra, começando pelo final.

Para um escritório ou departamento jurídico poder “resolver problemas”, o gerente primeiro precisa conhecê-los, então o ponto zero do tratamento dos erros é a existência de um ambiente em que o erro seja visto como uma oportunidade de melhoria e não uma hipótese de degola. Se assim não for, o erro tenderá a ficar em baixo do tapete, aí deixado por seu responsável e também por quem dele tomou conhecimento, e não poderá ser enfrentado. O ambiente do trabalho é fruto dos exemplos do passado.

Se, diante de um erro, o exemplo da conduta do gestor foi singelamente a demissão do responsável, pode ter certeza de que se estará criando um ambiente de fomento a ocultação e omissão. Ao contrário, se a postura do gestor foi de apoio ao responsável ou equipe pela falha, buscando identificar causas e corrigi-las, ao invés de promover a caça às bruxas, o ambiente da empresa facilitará o enfrentamento dos problemas e não sua ocultação. Para isso, também é fundamental que a equipe não se esquive da responsabilidade pelas falhas cometidas, pretendendo culpar outros departamentos, prestadores terceirizados, o judiciário etc, e tenham coragem de descortinar o erro.

Parece óbvio, mas uma professora e pesquisadora da Harvard Businnes School, Amy C. Edmondson, identificou que de 70% a 90% dos casos por ela estudados, o tratamento do erro foi concluído com censura dos responsáveis. Tudo fruto da crença que a punição é o principal fator educacional. Naturalmente há erros intoleráveis e que merecem forte censura, como a infração ética cometida por advogados. O grau de tolerância aos erros inclusive ditam a capacidade de inovação dos escritórios ou departamentos jurídicos. Quanto mais refratários às falhas, menos inovadores são, pois buscam seguir sempre a zona de conforto das etapas conhecidas e destino previsto. Inovar exige sempre certa dose de risco do efeito não previsto ou indesejado.

O ponto um, ainda andando de trás para frente, é “resolver”. A ação é justamente promover execução. Não achar que o problema se resolverá por si mesmo ou esfriará. Em geral o que acontece é a repetição dos mesmos erros ou seus efeitos se agravam. O professor Falconi nos ensina que o agir deve ser com método e não pautado pela improvisação.

O método seguido é o difundido PDCA (Plan, Do, Check, Act), que demonstra o pensamento ordenado e tendente a gerar modificação na rotina da empresa. Com a espinha de peixe de Ishikawa, onde se estudam as causas e os efeitos dos problemas enfrentados, o PDCA funciona como mecanismo para afastar as causas e com isso eliminar os efeitos. Ao invés de substituir o cano, busca-se eliminar as causas do entupimento. O processo de planejamento das ações para afastar as causas dos erros, seguido da execução dos itens planejados e conferência dos resultados encontrados, leva, em geral, a uma mudança de fluxo de trabalho que tende a extirpar os erros sem eliminar as pessoas.

Lembro-me de um ruidoso caso em que uma grande empresa perdeu uma licitação por haver juntado uma Certidão Negativa de Débitos vencida, e a decisão tomada pela alta direção foi demitir o diretor indiretamente envolvido. Será que, se fosse outro executivo, ele realmente não cometeria a mesma falha, ocorrida em um nível operacional em que não atua? Como exemplo corporativo para demonstrar a intolerância com falhas que levem a perder um grande contrato, a demissão pode ter sido uma medida justificável, mas sem dúvida um enfrentamento adequado da causa e efeito daquele erro geraria uma modificação na rotina da empresa para procedimentos de disputa licitatória, como criação de níveis de aprovação, auditorias, check lists com equipes distintas, etc.

O advogado que volta seu conceito de resolver os erros e problemas não como medida punitiva, mas como a oportunidade para melhoria procedimental, evolui com seu time a cada dificuldade enfrentada. O tratamento de anomalia – entendida como a ocorrência de algo diferente do desejável – gera autoconhecimento da empresa, enfrentamento da realidade e sobretudo evolução. Esse tratamento deve ser feito sempre em equipe, com todos os envolvidos, estagiários, advogados, paralegais, que de alguma forma possam contribuir para planejar as contramedidas.

O brainstorm aqui deve ser usado com frequência, documentando todo o processo, desde o isolamento do erro, das causas, sugestões, aos planos de ação traçados. Esse processo gera histórico necessário para todos compreenderem as razões das regras e rotinas de cada fluxo de trabalho. A experiência mostra que a maioria dos erros cometidos são evitáveis, e como tal o tratamento padrão geralmente é a mudança de fluxo, rotinas, criação de controles e auditorias de desempenho, treinamento de pessoas e automação de tarefas. É justamente nesse momento que a empresa evolui com a falha cometida, pois foi com seu tratamento que houve melhoria de procedimento.

O Ponto 2 é a figura do “gerente”, o advogado gestor da equipe, que tem a função de mover todos para resolver o problema. Se não há problemas a serem resolvidos, nós advogados somos prescindíveis. O advogado gerente precisa fazer girar o PDCA, ou seja, planejar, executar e conferir se as medidas de correção dos erros e problemas estão sendo feitas pela equipe. A função do líder é garantir que os erros sejam estudados, tratados e descobrir as lições neles contidas e mudar a operação para evitá-los. O gestor deve liderar o processo de aprendizagem da equipe, seja do próprio método de correção dos problemas, seja da rotina em si e com isso a empresa evolui.

O resultado final é a formação de uma equipe madura, segura e estável, que consegue crescer com os erros cometidos, melhorando sua operação com cada dificuldade superada e que se inspira ao se deparar com um novo problema. Ao final, ao invés de alardear vitórias pessoais, cada advogado poderá historiar sua capacidade de resolver problemas, melhorar a operação de seus clientes e empresas, com a segurança de quem enxerga oportunidades a cada novo tropeço, criando uma empresa ou departamento jurídico com cultura de aprendizado.

Autores

  • é sócio-diretor do Queiroz Cavalcanti Advocacia. Também é conselheiro titular da seccional OAB em Pernambuco, além de presidente da comissão de Direito Securitário e Bancário da entidade.

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