Opinião

Fundamentos para dissolução parcial das sociedades limitadas

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24 de setembro de 2015, 6h47

Suponha o seguinte caso hipotético: A, B e C são sócios da ABC Ltda., criada por tempo indeterminado e com previsão de regência supletiva do regramento das sociedades anônimas. C, que nunca demonstrou qualquer insatisfação com a administração ou com a condução dos negócios sociais, notificou os demais sócios alegando que pretende retirar-se da sociedade. Os demais sócios recusaram-se a aceitar a dissolução da sociedade ou a saída de C, alegando inexistência de fundamento para o pedido. Diante disso, C ingressou com o pedido judicial de dissolução parcial. ABC Ltda. aguarda a decisão para avaliar as consequências da dissolução para os negócios da sociedade.

Na legislação atual há regra que ampare o pedido de C?

Nos Tribunais, a regra é aceitar a dissolução parcial com fundamento no artigo 1.029, do Código Civil, aplicável às sociedades simples de prazo indeterminado[1]. Mas esse fundamento é sustentável segundo o modelo proposto pelo Código Civil em vigor?

A dissolução parcial foi acolhida pela jurisprudência como uma alternativa à dissolução total, prevista expressamente no artigo 335, inciso V, do Código Comercial de 1850, como meio de garantir a continuidade da matriz econômica. O risco era, portanto, o encerramento das atividades da sociedade, ameaçada pela vontade exclusiva de um único sócio.

A partir da vigência do Código Civil de 2002, o entendimento jurisprudencial vigente, cujo suporte é uma regra revogada (artigo 2.045, CC), carece de revisão. Atualmente, o risco de dissolução total que amparava aquele entendimento não mais subsiste. O que se pretendia evitar com a dissolução parcial é, hoje, uma garantia da lei: não há mais o risco de encerramento da sociedade pela vontade de um único sócio.

Três dispositivos do Código Civil de 2002, dentre outros, poderiam ser citados para justificar a releitura da jurisprudência atual e afastar a aplicabilidade da regra do artigo 1.029, do CC, cuja incidência deve ser restrita ao tipo de sociedade simples.

O primeiro é o artigo 1.087 que, ao tratar da matéria de liquidação da sociedade limitada, não mais prevê a possibilidade de dissolução total fundada na vontade exclusiva de um único sócio, exigindo-se, agora, o consenso unânime dos sócios ou a deliberação, por maioria absoluta, nos casos de sociedades de prazo indeterminado, diferentemente do inciso V, do artigo 335, do revogado Código Comercial de 1850, que amparava o pedido individual com a mesma eficácia.

O segundo é o do artigo 1.085, que não permite a exclusão de sócio minoritário como modalidade de dissolução inversa. Nesta hipótese, a ruptura deve ser caracterizada por ato objetivo e sério praticado pelo sócio excluído, de gravidade tal que coloque em risco a própria atividade empresarial e desde que o contrato social preveja a possibilidade de exclusão por justa causa.

Outro dispositivo que poderia ser citado como regra de especialização do regime jurídico aplicável às sociedades limitadas apto a afastar a aplicabilidade do artigo 1.029 seria a do artigo 1.077, que confere ao sócio dissidente de deliberação social o direito de retirar-se da sociedade desde que o faça no prazo de 30 (trinta) dias subsequentes à reunião. Logo, apenas as hipóteses objetivamente previstas na lei seriam capazes de autorizar a dissolução da sociedade.

Além disso, a análise topológica dos dispositivos que tratam do assunto no Capítulo IV do CC revela um tratamento especial para os casos de recesso, exclusão e dissolução da sociedade, aproximando-as das sociedades anônimas nesse particular (artigos 137, 206, 208 e 209, da LSA).

Portanto, não há omissão normativa no regramento das sociedades limitadas que dependa da aplicação integrativa da regra das sociedades simples para o caso proposto (artigos 1.053, caput, c.c. 1.029, ambos do CC), entendimento que torna inócuos todos os dispositivos mencionados, conformadores de um novo modelo de sociedades limitadas.

Assim, não sendo a dissolução fundada no vencimento do prazo de duração, no consenso unânime dos sócios ou na deliberação da maioria absoluta, conforme o caso, ou, ainda, na falta de pluralidade dos sócios ou na extinção legal de autorização para funcionar (artigos 1.087 c.c. 1.033, ambos do CC), o sócio C permanece vinculado à sociedade, porquanto a dissolução injustificada do vínculo social não é aplicável às sociedades limitadas.

A instabilidade eventual no relacionamento entre os sócios pode ser contornada pela previsão, no contrato social, de mecanismos de transferência das quotas sociais, conferindo maior liquidez ao investimento e a perenidade da empresa, que possui responsabilidades com a comunidade onde atua, com os seus empregados e com os demais sócios, as quais superam os interesses individuais dos sócios e suas idiossincrasias.


[1] Normalmente, o fundamento apontado pelos Tribunais é a perda da affectio societatis (REsp 917531/RS – Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO – Quarta turma – 17.11.2011); TJRJ – Ap. 0143943-58-2009.9.19.001; TJMG – Ap. 1.0024.92.895699-4/002; TJSP – Ap. 1760554500; TJRS Ap. 7003905760). Na ausência de uma definição legal, a doutrina a define como a desinteligência grave, profunda e insuperável entre os sócios. LEÃES, Luis Gastão Paes de Barros. Resolução de Acordo de Acionistas por quebra de affectio societatis In Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneo. Coordenação de Marcelo Vieira Von Adamek. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

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